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“Máquinas que amam: o princípio combinatório em Herberto Helder”

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03 August 2021

AperTO - Archivio Istituzionale Open Access dell'Università di Torino

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“Máquinas que amam: o princípio combinatório em Herberto Helder”

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La «Rivista di studi portoghesi e brasiliani» è edita con il patrocinio dell’Associazione Italiana di Studi Portoghesi e Brasiliani.

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RIVISTA DI STUDI

portoghesi e brasiliani

xix · 2017

PISA ˙ ROMA

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SOMMARIO

Roberto Mulinacci, Fernando Pessoa, dalla Weltliteratur alla World Literature 9 Marzia Michelizza, La fine del pensiero. Percorso filosofico nei 35 Sonnets di

Fer-nando Pessoa 19

Michela Graziani, L’India poetica e filosofica di Cecília Meireles e José Augusto

Seabra 31

Luigia De Crescenzo, Dire l’indicibile, esprimere l’ineffabile: libertà e

trasgressio-ne trasgressio-nella scrittura di Clarice Lispector 43

Maria Caterina Pincherle, Ulisse nel Brasile contemporaneo: qualche

considera-zione. Haroldo de Campos e Myriam Fraga 55

António Fournier, Máquinas que amam: o princípio combinatório em Herberto

Helder 63

Maria Aparecida Fontes, Encomendas públicas. Arte social e política de Estado 75 Carla Valeria de Souza Faria, Referenciação no debate político televisivo 89 Gian Luigi De Rosa, L’omissione del clitico riflessivo nei verbi pronominali del PB 103 Salvador Pippa, Em direção à língua ‘autêntica’: a variação linguística na didática

do português brasileiro na Itália 117

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MÁQUINAS QUE AMAM

:

O PRINCÍPIO COMBINATÓRIO

EM HERBERTO HELDER

António Fournier

O princípio combinatório é, na verdade, a base lin-guística da criação poética.

Herberto Helder, Electronicolírica

E

lectronicolírica (1964) de Helberto Helder assinala um importante

momen-to de ruptura na tradição poética portuguesa não só por anunciar uma novidade absoluta – a combinatória computacional enquanto base linguística para a criação poética, experiência que Antonio Tabucchi não hesitou em apelidar de «surrealismo electrónico»1 –, mas sobretudo pela flexão que desencadeou na trajectória do poeta

e nos caminhos da própria poesia portuguesa da segunda metade do século xx. O livro insere-se plenamente no clima do experimentalismo internacional, inaugurado em Portugal nesse mesmo ano com a publicação do caderno antológico Poesia

Ex-perimental 1, coordenado por António Aragão e pelo próprio Helder. Na gestação de Electronicolírica, cujo título, como se sabe, será posteriormente alterado pelo autor

para A máquina lírica, exerceram particular influência, como ele nos diz na breve nota no final do livro, as experiências efectuadas por Nanni Balestrini com um calculador electrónico, nomeadamente, a série de poemas generativos Tape Mark 1 (1961) e Tape

Mark 2 (1962).

O presente ensaio tenta aprofundar a relação entre o projecto de poesia computa-cional do poeta italiano e o princípio combinatório subjacente à «máquina lírica» de Herberto Helder. A inovadora proposta de Balestrini está perfeitamente sintonizada com o espírito do tempo que caracteriza toda a década de sessenta, marcado por uma «rapidíssima evolução tecnológica»2 e pelo predomínio do experimentalismo a todos

os níveis, como sinónimo de pesquisa e contaminação intelectual, dando azo a várias experiências vanguardistas de intermedialidade3 criativa por toda a Europa, sob o signo

da «arte como campo de possibilidades» (para usar a conhecida expressão de António

Università di Torino.

1 «Il “Surrealismo elettronico” di Herberto Helder», Antonio Tabucchi, Due figure della poesia

sperimen-tale in Portogallo, «Studi mediolatini e volgari», xxii, 1974, p. 167 [tradução nossa].

2 Carlos Mendes de Sousa, Eunice Ribeiro (org.), Antologia da Poesia Experimental Portuguesa. Anos

60-anos 80, Coimbra, Angelus Novus, 2004, p. 22.

3 O termo é de Manuel Portela: «Duas outras características formais e materiais explicam a naturalidade

com que muitos poemas parecem prestar-se a recriações e releituras digitais: a intermedialidade, em particu-lar a tripla codificação verbal, visual (que é tipográfica e topográfica) e sonora, que tende a associar a voz e a escrita em forma grafofonéticas; e a cinematicidade, isto é, a sugestão do movimento grafémico», Manuel Portela, Flash script poex: a recodificação digital do poema, «Cibertextualidades», 3, Porto, Universidade Fer-nando Pessoa, 2009, p. 45.

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antónio fournier 64

Aragão).1 Porém, o recurso do poeta italiano à inteligência artificial serviu a Helder

sobretudo como pretexto inspirador para potenciar a sua própria poética combinató-ria, tal como acontecerá, aliás, com os procedimentos de citação e recombinação de excertos alheios por ele usados quer em A máquina de emaranhar paisagens (1963), quer em Húmus (1967), desta feita, a partir da obra homónima de Raul Brandão. Sabemos, no entanto, que o experimentalismo,2 tal como antes o surrealismo,3 foram correntes

que Helder atravessou, sem nunca assumir uma verdadeira militância, ou seja, sem nunca se deixar enredar por aquilo que elas tinham provavelmente de mais limitador: a resposta política a um tempo histórico, com a sua consequente obediência a uma ortodoxia. Um indício desta não completa adesão é-nos dado na já citada nota que encerra Electronicolírica, que citamos na íntegra:

Em 1961 Nanni Balestrini realizou em Milão uma curiosíssima experiência. Escolhendo al-guns fragmentos de textos antigos e modernos, forneceu-os a uma calculadora electrónica que, com eles, organizou, segundo certas regras combinatórias previamente estabelecidas, 3002 combinações, depois seleccionadas.

O autor destes poemas aproveitou da referida experiência o princípio combinatório geral nele implícito. Assim, utilizando um limitado número de expressões e palavras mestras, pro-moveu a transferência ao longo de cada poema, sem no entanto se cingir a qualquer regra. Sempre que lhe apeteceu, recusou os núcleos vocabulares iniciais e introduziu outros novos, que passavam a combinar-se com os primeiros ou simplesmente entre si.

Devido ao uso de restrito número de palavras, as composições vinham a assemelhar-se, nes-te aspecto, a certos nes-textos mágicos primitivos, a certa poesia popular, a certo lirismo medieval. A aplicação obsessiva dos mesmos vocábulos gerava uma linguagem encantatória, espécie de fórmula ritual mágica, de que o refrão popular é um vestígio e de que é vestígio também o paralelismo medieval, exemplificável com as cantigas dos cancioneiros.

O princípio combinatório é, na verdade, a base linguística da criação poética.4

Não nos interessa aqui enquadrar ulteriormente Electronicolírica no âmbito do expe-rimentalismo português, relação já sobejamente estudada. Veja-se, a este propósito, os já citados Po-Ex. Textos teóricos e documentos da poesia experimental portuguesa e

An-tologia da Poesia Experimental Portuguesa5 ou o trabalho pioneiro de Pedro Barbosa

1 António Aragão, A Arte como «campo de possibilidades», in PO-EX. Textos teóricos e documentos da poesia

experimental portuguesa, Ana Hatherly, E.M. de Melo e Castro (org.), Lisboa, Moraes Editores, 1982, p.

102.

2 Como lembram, por sua vez, Carlos Mendes da Silva e Eunice Ribeiro, «Nomes como os de António

Ramos Rosa, Luiza Neto Jorge, Alexandre O’Neill, Jorge de Sena ou mesmo Herberto Helder e António Barahona da Fonseca, integrados ou integráveis nesta primeira «geração» experimental, só pontualmente se dedicaram ao experimentalismo, sendo discutível a sua inscrição como «poetas experimentais», o que em nada contraria a efectiva importância histórica das suas respectivas colaborações poéticas e/ou teóricas»,

Antologia da Poesia Experimental, cit., p. 43.

3 Como recorda Maria de Fátima Marinho, «a produção de Herberto Helder não se esgota nas suas

li-gações com o surrealismo, abrangendo uma área mais vasta que atinge entre outras a poesia experimental e concreta. É, contudo, importante ressaltar que o autor de Apresentação do Rosto é um dos casos em que o surrealismo português alcança um nível mais elevado. Talvez porque não é puro, talvez porque Herberto Helder nunca pretendeu, teoricamente, ser surrealista, mas o foi, frequentemente, na prática», Maria de Fátima Marinho, O Surrealismo em Portugal, Lisboa, incm, 1987, p. 289.

4 Herberto Helder, Electronicolírica, Lisboa, Guimarães Editores, 1964, pp. 49-50.

5 Note-se a seguinte síntese: «Evoluindo inicialmente de um contexto de ditadura política até a um

período pós-revolucionário, o Experimentalismo nacional foi assumindo diferentes perfis e orientações poéticas: marcadamente linguístico numa primeira fase e vectorizado com frequência para os jogos

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combi-o princípicombi-o ccombi-ombinatóricombi-o em herbertcombi-o helder 65 reunido em A literatura cibernética i e ii, respectivamente de 1977 e de 1980,1 ou ainda o

fundamental e incontornável Arquivo Digital PO.ex, dinamizado por Rui Torres. Tam-bém não nos podemos esquecer, por outro lado, da leitura proposta por Pedro Eiras, para o poema «A menstruação quando na cidade passava»,2 a que nos voltaremos a

referir. Parece-nos, no entanto, mais oportuno dar a conhecer o poema italiano que inspirou Helder, sem nos determos demasiado – até porque nos falta a competência para tal – no emaranhado quanto sugestivo processo generativo que conduz à heresia de eliminar de uma vez só toda uma tradição de musas inspiradoras, para confiar à fria linguagem matemática as combinações aleatórias capazes de desencadear um determinado efeito poético.

Tape Mark é um poema combinatório composto em 1961 com o auxílio de um

cal-culador electrónico ibm, e publicado no ano seguinte no Almanacco Letterario

Bompia-ni, numa época de grande fermento e instabilidade cultural em Itália, em que já se

adivinhavam rupturas significativas, nomeadamente em relação aos modos de en-tender a poesia, dominantes até à segunda guerra mundial – a chamada poesia

erme-tica, purista e vertical e substancialmente pós-simbolista –, em favor de uma poesia

contaminada pela História e pela Ideologia, e aberta a outras formas de expressão resultantes quer do avanço tecnológico quer das profundas alterações socio-econó-micas desses anos. De resto, são anos marcados pelo estruturalismo e pela «morte do Autor», em que se começa também a teorizar a aplicação de conceitos matemáticos na construção de textos literários. Recorde-se, a este propósito, o abalo provocado nos participantes na Conferência Internacional de Genebra de 1965, pelo matemático Louis Couffignal quando este apresentou um texto automático gerado pelo cérebro electrónico Calliope e um poema do poeta surrealista Paul Éluard, sem revelar qual dos dois tinha sido produzido pelo Homem e qual pela Máquina.3 Relembrem-se

ain-da as experiências feitas em França, pelo grupo OuLiPo funain-dado por Raymond Que-neau e François Le Lionnais, em que militavam, entre outros, Perec e Calvino, ou em Itália pelo Gruppo 63, a que pertencia Balestrini, e cujo nome mais conhecido em Portugal talvez seja Umberto Eco.

O poema de Balestrini é o resultado da combinação de excertos provenientes do

Diário de Hiroshima de Michihiko Hachiya, de O mistério do elevador de Paul Goldwin

e do Tao Te Ching de Lao Tzé, três textos pertencentes a tradições literárias diferentes e a épocas diversas, tornados absolutamente contemporâneos uns dos outros (o facto de se utilizarem as respectivas traduções e não as línguas originais, também

contri-natórios e estruturais [...], passa a adoptar cada vez mais um visualismo declaradamente híbrido e translin-guístico até recorrer a métodos compositivos de explícita intenção ideológica, reutilizando a sensibilidade da colagem das artes visuais ou estratégias pós-modernas de intertextualidade e pastiche», Antologia da Poesia

Experimental, cit., p. 29. Helder terá aderido à primeira fase, afastando-se da segunda.

1 Veja-se também do mesmo autor: Pedro Barbosa, A Ciberliteratura – criação literária e computador,

Lisboa, Edições Cosmos, 1992.

2 «O poema gera a sua própria soberania abandonando o pensamento do analógico e do narrativo,

dei-xando que o leitor crie memórias do texto em liberdade vigiada», afirma Pedro Eiras no começo do seu comentário a «A menstruação quando na cidade passava». Cfr. Osvaldo Manuel Silvestre, Pedro Serra (org.), Século de Ouro. Antologia Crítica da Poesia Portuguesa do Século xx, Lisboa, Angelus Novus e Cotovia, 2002, p. 405.

3 Pedro Barbosa, A literatura cibernética 1. Autopoemas gerados por computador, Porto, Edições Árvore,

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buiu para tal) e recombinados através de um mecanismo aleatório de distribuição citacional, constituído por sintagmas formados por duas ou três unidades métricas, caracterizadas por um código de entrada e outro de saída, que indicavam as possibi-lidades sintácticas de ligação. Introduzidas estas coordenadas no computador, Bales-trini obteve um poema de seis estrofes de seis versos cada, com cada verso de quatro unidades métricas, sendo cada estrofe formada por uma diferente combinação parcial do texto. O autor introduziu a posteriori pequenos ajustes gramaticais e acertos de pontuação mínimos.1 Eis o poema:

Tape Mark La testa premuta sulla spalla, trenta volte

più luminoso del sole io contemplo il loro ritorno,

finché non mosse le dita lentamente e mentre la moltitudine delle cose accade, alla sommità della nuvola

esse tornano tutte alla loro radice e assumono la ben nota forma di fungo cercando di afferrare. I capelli tra le labbra, esse tornano tutte

alla loro radice, nell’accecante globo d fuoco

io contemplo il loro ritorno, finché non muove le dita lentamente, e malgrado che le cose fioriscano assume la ben nota forma di fungo cercando di afferrare, mentre la moltitudine delle cose accade. Nell’accecante globo di fuoco io contemplo

il loro ritorno quando raggiunge la stratosfera

mentre la moltitudine delle cose accade, la testa premuta sulla spalla, trenta volte più luminose del sole

esse tornano tutte alla loro radice, i capelli tra le labbra assumono la ben nota forma di fungo. Giacquero immobili senza parlare, trenta volte più luminose del sole essi tornano tutti

1 Nanni Balestrini, Tape Mark i, in Almanacco Letterario Bompiani, Milano, 1962, p. 145 (reunido

suces-sivamente em Nanni Balestrini, Antologica. Poesie 1958-2010, Milano, Mondadori, 2013, pp. 26-27). Eis uma possível tradução do poema, indicando-se, entre parênteses e só na primeira estrofe, as fontes utilizadas: A cabeça comprimida contra os ombros (Goldwin), trinta vezes / mais luminoso que o sol (Hachiya), eu contemplo o seu regresso (Lao Tzé), / até que imóveis os dedos lentamente (Goldwin) e, enquanto a mul-tidão / das coisas acontece (Lao Tzé), no cimo da nuvem (Hachiya) / elas regressam todas à sua raiz (Lao Tzé) e tomam / a bem conhecida forma de cogumelo (Hachiya) tentando agarrar (Goldwin). // Os cabelos nos lábios, elas regressam todas / à sua raiz, no ofuscante globo de fogo / eu contemplo o seu regresso, até mexer os dedos / lentamente, e embora as coisas floresçam / assume a conhecida forma de cogumelo, tentando / agarrar enquanto a multidão das coisas acontece. // No ofuscante globo de fogo eu contemplo / o seu regresso ao alcançar a estratosfera enquanto a multidão / das coisas acontece, a cabeça comprimida / contra os ombros: trinta vezes mais luminosas que o sol / elas regressam todas à sua raiz, os cabelos / nos lábios assumem a bem conhecida forma de cogumelo. // Jazeram imóveis sem falar, trinta vezes / mais luminosos que o sol eles regressam todos / à sua raiz, a cabeça comprimida contra os ombros / assumem a bem conhecida forma de cogumelo tentando / agarrar, e embora as coisas floresçam / expandem-se rapidamente, os cabelos nos lábios. // Enquanto a multidão das coisas acontece no ofuscante / globo de fogo, elas regressam todas à sua raiz, / expandem-se rapidamente, até que imóveis / os dedos lentamente ao alcançar a estratosfera / e jaz imóvel sem falar, trinta vezes / mais luminoso que o sol tentando agarrar. // Eu contemplo o seu regresso, até que imóveis os dedos / lentamente no ofuscante globo de fogo, / elas regressam todas à sua raiz, os cabelos / nos lábios e trinta vezes mais luminosos que o sol / jazeram imóveis sem falar, expandem-se / rapidamente tentando agarrar o cimo.

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alla loro radice, la testa premuta sulla spalla assumono la ben nota forma di fungo cercando di afferrare, e malgrado che le cose fioriscano si espandono rapidamente, i capelli tra le labbra. Mentre la moltitudine delle cose accade nell’accecante globo di fuoco, esse tornano tutte alla loro radice, si espandano rapidamente finché non mosse le dita lentamente quando raggiunse la stratosfera, e giacque immobile senza parlare, trenta volte più luminoso del sole cercando di afferrare.

Io contemplo il loro ritorno, finché non mosse le dita lentamente nell’accecante globo di fuoco,

esse tornano tutte alla loro radice, i capelli tra le labbra e trenta volte più luminoso del sole giacquero immobili senza parlare, si espandono rapidamente cercando di afferrare la sommità.1

Como explica Sergio Francioni em Arte combinatoria. Tape mark i e Tristano di Nanni

Balestrini:

cada sintagma tem a sua rigorosa literalidade, mas a sua união sintáctica “casual” desencadeia significados inusuais, insólitos, fora do comum. É em vão que o leitor se interroga sobre o sentido global do texto. Um poema deste tipo requer da sua parte uma disposição diferente da tradicional [...]. O leitor tradicionalmente está à espera que o poeta não lhe dificulte a tarefa de compreender aquilo que diz através de uma construção que seja pelo menos linear do ponto de vista sintáctico. O poeta tradicional respeita e satisfaz esta expectativa. O poeta de van-guarda, ao invés, propõe uma montagem de segmentos linguísticos, dispostos segundo linhas a-sintácticas, nos quais as relações lógicas normais são pulverizadas ou abolidas.2

A legitimidade de tal operação decorre, como se viu, das possibilidades que a tec-nologia oferece à criação literária, mas é também resultante de um imaginário cul-tural marcado pela consciência dos perigos da manipulação das massas através da linguagem por parte de sistemas autoritários que conduziram ao desastre da Segunda guerra mundial, bem como pelo horror apocalíptico de um novo desastre nuclear – veja-se, por exemplo, o livro de Karl Jaspers, A Bomba Atómica e o Futuro do Homem (traduzido, de resto, em Portugal em 1958 por Luiz Pacheco, o primeiro editor de Helder). Balestrini alude, a este respeito, à «multidão das coisas que acontecem» em simultâneo e que põem em crise as certezas de qualquer consciência individual peran-te um mundo caótico, ameaçador e em perene mudança. A subversão dos códigos de sentido tradicionais obtida pela experiência generativa equivale, também por isso, a uma declaração política alinhada com o movimento de neo-vanguarda a que perten-ce o poeta italiano: tem um valor de resistência à língua estereotipada do consumis-mo em que, segundo o autor, o italiano se havia tornado.

Herberto Helder tomou conhecimento desta experiência através do amigo António Aragão, que estava na altura em Roma a estudar técnicas de restauro, e entrara em

1 Nanni Balestrini, Alfredo Giuliani, Gruppo 63. L’antologia, Torino, Testo & Immagine, 2002, pp.

35-36.

2 https

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contacto com esse grupo de poetas de neo-vanguarda e nomeadamente com o pró-prio Balestrini, ficando entusiasta do projecto e aderindo ao mesmo.1 Porém, Helder

embora não recorrendo a um computador (embora se saiba que tenha tentado, sem sucesso, contactar um laboratório de cálculo em Portugal), não deixou de compreen-der o potencial da experiência, estudou o mecanismo de distribuição dos sintagmas no poema generativo e recorreu ao mesmo princípio combinatório como modelo de funcionamento poético, ou seja, introduziu esses dados na sua própria «máquina líri-ca», para ver que resultados obtinha, sendo nesse sentido e apenas neste, experimen-talista. O autor recorre àquilo a que chama, como vimos, «palavras mestras» (como se vê claramente no poema «Joelhos, salsa, lábios, mapa», em que o título substantivo funciona como refrão, com sucessiva variação dos vocábulos reiterados), distribuídas por cada um dos dez poemas do livro ou transitando de poema para poema, através de um sistema de permutas e procedimentos combinatórios inter e intra-textuais».2

A este propósito, não será despiciendo recordar o que o autor afirmou na famosa auto-entrevista As turvações da inocência, publicada no jornal Público em 1990: «Ler bem um poema é poder fazê-lo, refazê-lo: eis o espelho, o mágico objecto do reco-nhecimento, o objecto activo da criação do rosto. O eco visual se quanto a rostos fosse apenas tê-los fora e ver. Porque o mostrado e o visto são a totalidade daquilo que se mostra e vê – o nome: revelação».3 A importância aqui dada à revelação desloca

claramente o fulcro da atenção do meio mecânico para a esfera da magia, cara ao autor para o qual interessa, sobretudo, o paradoxal efeito de antigo obtido a partir do novo. Mas há neste livro de Helder procedimentos que recordam também as associa-ções involuntárias típicas do surrealismo, movimento que de resto desde sempre se interessou pela magia (recorde-se o interesse que despertou um livro como Totem e

Tabu de Freud), com inesperados efeitos de sentido obtidos através do curto-circuito

entre uma sintaxe regular e uma semântica ininteligível (veja-se em Electronicolírica, versos como, por exemplo: «As árvores crescem nos satélites russos» ou «Descobri que tinha asas como uma pera / que desce»).4

Segundo Tabucchi, a experiência de Helder assinala justamente a morte e a ultra-passagem do surrealismo em Portugal. Como é dito logo no início do já citado artigo «Il surrealismo elettronico di Herberto Helder», «também em Portugal, última praia do credo bretoniano, o Surrealismo já perdeu a sua frescura original: esgotada a sua função histórica, perdida a sua força de impacto e de escândalo que tinha marcado o seu nascimento, vegeta hoje na ressaca da glosa escolástica. E é justamente nesta bo-nança [...] tranquila, que se verifica a “traição” ao surrealismo histórico. É disso prota-gonista um dos seus mais amados filhos adoptivos, o madeirense Herberto Helder».5

1 «Recentemente contactámos em Itália com Nanni Balestrini e a sua poesia electrónica. Ele próprio nos

explicou tudo o que se passava e imediatamente fomos seduzidos pela experiência em língua portuguesa. Com a colaboração do poeta N. Balestrini e dum programador de cérebro IBM construímos mais de três mil variações do mesmo grupo de versos. A regra de partida forneceu um princípio que originou a possibi-lidade. Em seguida o cérebro ibm tentou todas as combinações», António Aragão, A Arte como «campo de possibilidades», in PO-EX. Textos teóricos e documentos da poesia experimental portuguesa, cit., p. 105.

2 Rui Torres, Poesia Experimental e Ciberliteratura: uma literatura marginal izada, in Idem (org.), Poesia

Experimental. Portuguesa. Cadernos e Catálogos, 1, p. 118 [texto disponível online].

3 Herberto Helder, As turvações da inocência, «Público», 4/12/1990, p. 29. Veja-se também «A Phala», n.

20, Out-Dez 1990, p. 31. 4 Herberto Helder, Electronicolírica, cit., pp. 14 e 26. 5 Antonio Tabucchi, Due figure della poesia sperimentale in Portogallo, cit., p. 168 [tradução nossa].

(13)

o princípio combinatório em herberto helder 69 Para Tabucchi, Electronicolírica «respeita aparentemente a tradicional linha surrealista da escrita automática», mas «diferencia-se profundamente dela»1 ao afirmar «a sua

auto-suficiência de combinação alquímica: fórmulas rituais e mágicas não preocupa-das com ideologias, não confortapreocupa-das por esperanças ou éticas, fechapreocupa-das nos

alambi-ques da linguagem».2 Os alambiques da linguagem. Eis aqui o âmago da máquina lírica

de Helder: a destilação da experiência generativa de Nanni Balestrini numa poética combinatória pessoal, semelhante a uma «fórmula ritual mágica». Depois do ómega lírico, Helder recompõe os nexos de sentido e volta ao alfa iniciático, ou seja, a uma memória primordial que é também e sobretudo a sua. Recordemos outra passagem da já citada auto-entrevista de Helder:

Não sou moderno, eu. A ênfase sublinha por um lado o carácter extremo da poesia e por outro lado a sua natureza extremamente dúbia de prática destruidora e criadora, e o segredo jubilatório dessa duplicidade; sublinha também, escandalosamente, o sentido não-intelectual, supra-racional, corporal, do poder da imaginação poética para animar o universo e identificar tudo com tudo. A cultura moderna tornou-se incapaz de tal ênfase, pois trata-se de uma cultu-ra alimentada pelo cultu-racionalismo, a investigação, o utilitarismo. Se se pedir à cultucultu-ra moderna para considerar o espírito enfático da magia, a identificação do nosso corpo com a matéria e as formas, toda a modernidade desaba. Porque o espírito enfático existe pela subtracção dos elementos em que se funda essa cultura. É forçoso ir longe, aos recônditos do tempo, ir beber nas noites ocultas. Parece que a física, agora, começa a trabalhar no sentido da pergunta poé-tica: as coisas têm entre si relações de mistério, não relações de causa e efeito.3

Daí que algumas dessas «palavras mestras» – casa, neve, menstruação, mãe, cravos, figos,

raparigas – mais do que meras peças de um mosaico combinatório de valor

experi-mental (ou seja, baseado na criação de novas relações de causa e efeito), remetam directamente para «o sistema de imagens fundamentais»4 da própria poesia

herber-tiana: são aquilo a que se poderia chamar o seu «alfabeto apocalíptico» (para citar o título de um livro de Edoardo Sanguineti,5 companheiro de aventura de Balestrini). É

exemplar, a este propósito, o poema A menstruação quando na cidade passava,6 no qual

são evidentes os já aludidos processos técnicos de reiteração e recorrência que reme-tem para a poesia trovadoresca medieval – o refrão, o paralelismo (com e sem varia-ção) e o leixa pren – cruzados com mecanismos de matriz surrealista, a que se referiu Tabucchi, mas também com procedimentos interseccionistas, como aliás também já foi notado por Pedro Eiras.7

Mas há também, segundo cremos, uma intertextualidade mais subtil e alusiva, para que remete a insistência na insólita «palavra mestra» neve, já presente em Fonte II, um dos mais conhecidos poemas herbertianos: referimo-nos concretamente à Balada da

neve de Augusto Gil, um poema do reportório tradicional português, com a sua toada

encantatória, que qualquer mãe do tempo em que Helder era criança, conhecia e re-citava de cor aos filhos. Trata-se portanto, quanto a nós, de uma remota memória

in-1 Ivi, p. 170 [tradução nossa]. 2 Ivi, p. 171 [tradução e sublinhados nossos]. 3 Herberto Helder, As turvações da inocência, cit., p. 30.

4 Idem, Photomaton & Vox, Lisboa, Porto Editora, 20156, p. 22.

5 Cfr. Edoardo Sanguineti, Alfabeto apocalittico (1982), in Il gatto lupesco. Poesia (1982-2001), Milano,

Feltri-nelli, 2002, pp. 79-101. 6 Herberto Helder, Electronicolírica, cit., pp. 20-24. 7 Pedro Eiras alude, a este propósito, à «perpetuação infiel da máquina interseccionista pessoana». Cfr.

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fantil encapsulada no processo combinatório herbertiano. Versos como «Batem leve, levemente / como quem chama por mim. / Será chuva será gente? / Gente não é, certamente, / e a chuva não bate assim» ou «A neve caía / do azul cinzento do céu, / branca e leve, branca e fria...» ressoam como uma recordação agridoce, em versos como «No sorriso louco das mães batem as leves / gotas de chuva» (Fonte ii) ou « Ba-te-me à porta, em mim, primeiro devagar [...] É uma doce pancada à porta, alguma coisa / que desfaz e refaz um homem» (As musas cegas vii), mas também em dois dos poemas mais significativos de Electronicolírica: «Alguém falava: neve» (A menstruação

quando na cidade passava) e «Era a neve que nunca mais acabava.» (A bicicleta pela lua

dentro – mãe, mãe –). Por detrás do aparente jogo experimental, os poemas deste livro

deverão, quanto a nós, ser lidos como «engenhosas “canções de eco”» que remontam a uma memória infantil e em particular à casinfância, esse «lugar sobrecarregado», que em Helder precisa de ser constantemente confirmado.

«Mas que recursos se utilizam para obter essa confirmação?», pergunta o autor na já referida entrevista, para imediatamente dar a resposta: «A forma é o conteúdo, sabe-se, o estratagema do eco representa a atitude total do autor perante [os] sentidos do seu poema, os sentidos do poema no mundo, a vida pessoal na vida».1 Assim, na

nota final de Electronicolírica, em que é explicitada a ligação à experiência generativa de Balestrini, Helder, ao aludir a processos mnemónicos, não está a falar de meros aspectos técnicos, mas da sua própria memória como substância poética (aquilo a que ele chama «escrever para trás numa espécie de engolfamento memorial»2), e ao

se referir à «aplicação obsessiva dos mesmos vocábulos», não está simplesmente a fa-lar de processos combinatórios, mas sobretudo das suas próprias obsessões autorais. Basta recordar algumas passagens de Apresentação do Rosto (1968) para perceber como a escolha das «palavras mestras» a serem misturadas no alambique da linguagem que é Electronícolírica, nada tem de aleatório: recorde-se que o motivo da menstruação é aí central,3 como o é, por exemplo, o motivo das estátuas, também referido em

Photomaton & Vox,4 ou outros motivos como os do peixe e da areia,5 para já não falar,

obviamente, da mãe, a «palavra mestra» herbertiana, por excelência.6

1 Herberto Helder, As turvações da inocência, cit., p. 31. 2 Ivi, p. 29. 3 Veja-se o assombro perante a descoberta do sangue menstrual da irmã: «Havia no soalho, junto da

cadeira, uma pequena mancha de sangue. E ao longo do quarto, até a porta, um rasto de pingos de sangue. E havia no corredor, ao longo do corredor – havia sangue. Acerca das ameixas já eu sabia tudo, pensa ele. [...] Quanto ao sangue da irmã de doze anos que de repente pára de comer ameixas e olha a parede e fica em pânico e grita e atrai as mulheres e é arrastada para o fundo da casa – começo a saber uma pequena coisa», Herberto Helder, Apresentação do Rosto, Lisboa, Ulisseia, 1968, p. 60 sgg.

4 A referência às estátuas em Apresentação do Rosto, «Penso nas estátuas brancas, com seus olhos

desprovi-dos de pupilas. Colocadas assim nas trevas, essas estátuas ressaltam com uma doçura dolorosa e intempesti-va e parecem indicar outro tempo: a luz, ou a treva maior, aquela que nem somos capazes de presumir.» (p. 134), encontra eco na citação de uma passagem da carta de Lord Chandos a Lord Verulam no texto «(carta do silêncio)»: «senti-me como um homem encerrado num jardim povoado de estátuas sem olhos», Her-berto Helder, Photomaton & Vox, cit., p. 169.

5 Veja-se o surrealismo erótico da seguinte passagem: «O teu retrato parece uma colina de areia que

caminha para os lados nocturnos, não é fixo e fascina – como um peixe dança pelas águas geladas. Quando se dobra para trás, quente ainda o coração, pequena colina de areia sentada sobre si mesma como uma cabra, uma rosa – vem o dia que se mete para dentro e leva-o consigo», Herberto Helder, Apresentação

do Rosto, cit., p. 190.

6 Uma das passagens de maior pathos talvez seja esta: «A mãe é aquela face do enigma, no centro do

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o princípio combinatório em herberto helder 71 Valerio Magrelli publicou há alguns anos um livro intitulado Nero sonetto solubile. Nele, o poeta e ensaísta italiano reflecte sobre a persistência no imaginário cultural ocidental dos versos do soneto Recueillement de Baudelaire, reconstruindo os motivos do «seu imenso potencial transmissivo», que os levam a reaparecer «dissolvidos» em várias formas e em vários contextos, literários ou não: em Valéry, Michaux, Céline, Prévost, Colette, Nabokov, Beckett, Queneau, Perec, Houellebecq ou, finalmente, no último sms enviado pela actriz Marie Trintignant à mãe antes de ser morta pelo namorado, o cantor do grupo musical francês Noir Désir.1 O mesmo se poderá dizer

da solubilidade intrínseca do poema herbertiano, para a qual remetem, de resto, as imagens de fertilidade do fluxo menstrual nele presentes. As mesmas confirmam que há nesse poema algo não só profundamente enfático mas também potencialmente

fecun-dante, que não se esgota num mero jogo combinatório.2

É disso prova, de resto, o facto de A menstruação, quando na cidade passava ser o único poema de Helder que Antonio Tabucchi traduz e inclui na antologia La parola

interdetta (1971), dedicada aos poetas surrealistas portugueses.3 Como também o é

a coincidência de esse mesmo poema ser utilizado pelo artista plástico José Barrias para pintar em 1994 a fachada da galeria Porta 33, no Funchal. Ou ainda o facto de ser também essa a composição escolhida e comentada por Pedro Eiras em Século de Ouro.

Antologia crítica da poesia portuguesa do século xx, de 2002.4 E, para comprovar

ulterior-mente o imenso potencial transmissivo deste texto herbertiano, diga-se que o mesmo foi enviado a Nanni Balestrini, o poeta italiano que tinha inspirado a combinatória autoral de Electronicolírica.5 Lembrámo-nos de lhe pedir a opinião acerca do poema

de Helder e perguntar se não gostaria de fechar o círculo, ou seja, de fazer o mesmo que o poeta português tinha feito, mas em sentido contrário, isto é, inspirar-se no poema A menstruação, quando na cidade passava para submetê-lo a uma combinatória generativa. Eis a sua resposta, de 24 de Agosto de 2017:

Gentile Antonio Fournier,

il mio esperimento Tape Mark 1 del 1961 ha avuto principalmente un valore sperimentale. Avrebbe avuto un valore compiutamente estetico se il processo combinatorio fosse stato

caminhar lentamente com a sua festa negra: o segredo que se não revela, o amor maldito, incesto, canto da sua glória tenebrosa», ivi, p. 100.

1 «Insomma, più che formulare riflessioni di tipo analitico, gli scrittori nei quali mi imbattevo avevano

inserito la composizione nel vivo delle loro opere, procedendo a interventi di autentica riattivazione. Tratto dal patrimonio letterario, Recueillement tornava dunque a incrementarlo; innestati sul tronco di nuovi testi, i suoi versi riprendevano a fiorire», Valerio Magrelli, Nero sonetto solubile. Dieci autori riscrivono una poesia

di Baudelaire, Roma-Bari, Laterza, 2010, p. vi.

2 Como observa Álvaro Seiça, Electronicolírica «redirecciona o fluxo combinatorial em dois sentidos. Por

um lado revela a influência de poemas computacionais, embora redireccione o seu fluxo de volta para o plano não-computacional da reescrita combinatória humana. Por outro reforça igualmente o fluxo oposto, já que posteriormente influenciou poemas computacionais – pensemos nas obra de Pedro Barbosa e de Rui Torres», Electronicolírica de Herberto Helder e Combinatória PO.EX [Recensão crítica] http ://po-ex.net/taxo- nomia/transtextualidades/metatextualidades-alografias/alvaro-seica-electronicolirica-de-herberto-helder--e-combinatoria-po-ex-recensao/

3 Cfr. La parola interdetta. Poeti surrealisti portoghesi, a cura di Antonio Tabucchi, Torino, Einaudi, 1971,

pp. 276-281.

4 Osvaldo Manuel Silvestre, Pedro Serra (org.), Século de Ouro, cit., pp. 402-404.

5 O poema de Electronicolírica enviado a Balestrini foi justamente A menstruação, quando na cidade passava,

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antónio fournier 72

eseguito dalla mia mente, anziché da un calcolatore elettronico, che comunque non ne è l’autore.

Ritengo che il processo combinatorio della poesia di Helder che mi ha mandato, pur ispira-to formalmente da Tape Mark 1, sia staispira-to eseguiispira-to dalla mente del poeta, non da uno strumen-to elettronico, ottenendo così un valore unicamente estetico.

Si tratta dunque di due operazioni e di due prodotti totalmente diversi, soltanto superficial-mente simili. I processi combinatori sono una costante tradizionale della poesia.

La sua richiesta di un intervento mi fa molto piacere, ma l’unico modo per chiudere il cerchio, come lei dice, sarebbe che io componessi con un mezzo elettronico un rifacimento della poesia di Helder (se lo facessi a mano, cioè con la mente, sarebbe una banale inutile imitazione). Cosa realizzabile, ma che richiede un po’ di tempo perché dovrei incaricare un informatico di predisporre il programma. Un mese o forse più potrebbero essere necessari, dato anche che siamo in agosto. Mi dica se sarebbe compatibile con i tempi della sua rivista. Con i più cordiali saluti

Nanni Balestrini

Na breve reflexão que faz, Balestrini estabelece inequivocamente uma linha de demar-cação entre a esfera da criatividade humana e o campo de acção da máquina, ou seja, entre valor experimental e valor estético, como aliás sempre fez.1 Mas, acima de tudo,

está perfeitamente ciente de que o produto de um computador não é arte, porque lhe falta aquilo que, em Helder, apesar do jogo combinatório levado às últimas conse-quências, subjaz, ou seja, o sentimento do tempo (a relação profunda com as imagens fundantes de uma memória intransferível). Por isso, não deixando de reivindicar para si a paternidade do recurso à inteligência artificial,2 Balestrini não renega nem se furta

à possibilidade de diálogo com Helder, porque apesar da mediação de uma Máquina (considerando o hiato de mais de cinquenta anos que vai do sistema analógico utili-zado em 1961 para gerar Tape mark i, e o digital a que recorreu em 2017 para recriar o poema helderiano), o poeta italiano sabe que a fruição está sempre da parte de quem lê e atribui inteligibilidade a uma relação motivada fora da esfera artificial.

Parece-nos oportuno introduzir aqui o conceito de transdução tal como foi articu-lado por Lubomír Dolezel em Poetica Occidentale,3 ou seja, como processo de

transfe-rência de alguns componentes de um sistema poético para outro – o qual, recorde-se, já na sua génese se socorria dessa possibilidade de recodificação – sobre o qual a fonte perdeu qualquer tipo de controle. Na sua tentativa de conciliar as teorias do texto (primado da mensagem, rasura do referente, típicas dos anos sessenta) com as teo-rias do leitor (desconstrução, estética da recepção, precursoras do actual relativismo cultural), Dolezel aplica o conceito de transdução à comunicação literária ao conce-bê-la como transformação de informação em forma de energia, através de múltiplas cadeias de transmissão. Para o teórico checo, os textos literários só existem como

1 Veja-se a seguinte reflexão, datada de 1961: «È necessario far notare la sostanziale differenza con altre

prove sul linguaggio svolte nell’ambito della cibernetica. Qui infatti non è stato posto il problema di otte-nere dalla macchina una imitazione di procedimenti propriamente umani, ma sono state semplicemente sfruttate le capacità del mezzo elettronico di risolvere con estrema rapidità alcune complesse operazioni inerenti alla tecnica poetica», Nanni Balestrini, Tape Mark I, in Almanacco, cit., p. 145.

2 Considere-se a equação proposta por Pedro Barbosa: concepção humana: repertório + algoritmo

matemá-tico versus realização maquinal: computação electrónica + execução. Cfr. Pedro Barbosa, A literatura cibernética i, cit., p. 67.

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o princípio combinatório em herberto helder 73 artefacto estético enquanto forem objecto de circulação activa, o que permite toda e qualquer forma de metamorfose da energia literária, algo que, nos parece, está muito próximo do pensamento de Helder e de Balestrini. A fractura intrínseca do circuito segmentado da comunicação literária, entre a sequência emissor-mensagem, única e irrepetível, e o segmento mensagem-receptor, plural e virtualmente infinito, cria entre eles uma distância ilimitada – temporal, espacial ou cultural – que torna lícitos todos os possíveis (desde a paráfrase, citação, tradução, plágio, à própria leitura crí-tica), inclusive a possibilidade de praticar um novo dialogismo, já não filológico mas electrónico ou digital. A 21 de Outubro de 2017, Balestrini enviava outro email, com o seguinte conteúdo:

Caro Antonio Foumier,

allego il link della macchinetta con cui si possono fare combinazioni con i versi di Helder so-netti sempre diversi, ne allego anche qualche esempio.

Veda come meglio utilizzare il tutto per la sua rivista.

Mi ha fatto molto piacere collaborare, grazie e molti buoni saluti. Nanni Balestrini

O link é este: http ://www.nannibalestrini.info/wp-content/nanni/machinapoe-sia-2017-10-13/autoversi.html. Qualquer leitor poderá aceder à «máquina lírica» con-cebida por Balestrini a partir dos versos de Helder, e recriar um número virtualmente infinito de autopoemas combinatórios, gerados por uma sempre fértil «Menstruação electrónica». Eis os primeiros três sonetos generativos enviados pelo autor:

la mestruazione elettronica omaggio a herberto helder gli alberi soffiavano dentro i frutti c’era qualcuno che parlava così

i musi coronati spiavano il tempo sensibile quando nella città passava l’aria

le macchine si consumavano in silenzio si alimentavano di mirabili silenzi infrangevano la testa delle statue qualcuno parlava nelle caverne bianche il bambino abbatteva la bocca nera scorreva un endecasillabo antico le vacche passavano attraverso i violini il fuoco si consumava in silenzio Passavano scoppiando nell’aria nelle case ridevano i bambini

qualcuno parlava nelle caverne bianche si alimentavano di mirabili silenzi il fuoco si consumava in silenzio le vacche passavano attraverso i violini scorreva un endecasillabo antico il bambino abbatteva la bocca nera nella pagina di questo amore antico infrangevano la testa delle statue Passavano scoppiando nell’aria

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antónio fournier 74

le macchine si consumavano in silenzio c’erano garofani nella neve

c’era qualcuno che parlava così

i musi coronati spiavano il tempo sensibile quando nella città passava l’aria

si alimentavano di mirabili silenzi nella pagina di questo amore antico le mele scoppiavano sul tetto Passavano scoppiando nell’aria le macchine si consumavano in silenzio c’erano garofani nella neve

c’era qualcuno che parlava così

i musi coronati spiavano il tempo sensibile le ragazze mangiavano fichi

ridevano con i loro polmoni di spugna era il tempo della mestruazione un pesce scorreva nell’ombra nelle case ridevano i bambini le finestre cantavano la loro canzone Nanni Balestrini 2017

Abstract

Electronicolírica (1964) assinala um dos primeiros momentos em Portugal em que alegadamen-te se recorre à combinatória computacional enquanto “base linguística para a criação poéti-ca”, experiência que Antonio Tabucchi não hesitou em apelidar de “surrealismo electrónico”, distanciando-o porém das livres associações e dos automatismos característicos do surrealis-mo. O livro, escrito numa época em que Herberto Helder aderira ao experimentalismo, foi directamente influenciado, como nos é dito no posfácio, pelas experiências efectuadas por Nanni Balestrini com um calculador electrónico, de que resultaram os poemas generativos Tape Mark 1 (1961) e Tape Mark 2 (1962). O presente ensaio procura aprofundar a relação entre a proposta generativa do poeta italiano e a “máquina lírica” do autor português.

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composto in carattere serra dante dalla

fabrizio serra editore, pisa · roma.

stampato e rilegato nella

tipografia di agnano, agnano pisano (pisa).

*

Marzo 2018

(cz 2 · fg 13)

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