Manfredo Tafuri: seus leitores e suas leituras
Desde seu início, a iniciativa foi concebida como uma
oportunidade para refletir sobre a recepção dos alunos ao
pensamento do teórico italiano Manfredo Tafuri, tema que,
até então, havia sido pouco explorado.
À luz do ponto de vista do que chamamos de ‘leitores e
lei-turas’, propôs-se partir do testemunho de quem “leu” Tafuri
diretamente, de perto, como seu aluno, mas também
da-queles que com ele se informaram e se formaram após a
sua chegada a Veneza. Esse duplo ponto de vista permitiu
oferecer ao leitor um olhar significativo sobre a evolução
do método historiográfico de Tafuri, recuperando a
meto-dologia de construção do pensamento de alguns de seus
cursos, além do conteúdo de suas aulas.
A segunda parte do seminário, ao contrário, propôs
des-tacar o diálogo de Manfredo Tafuri com arquitetos na
Itá-lia e no exterior. Duas décadas após a morte do teórico,
pareceu-nos interessante dar espaço também àqueles
que, ao longo desses vinte anos, tentaram, por sua vez,
uma primeira “leitura”, como estudiosos e não como
“tes-temunhas” ou “usuários” de alguns aspectos da jornada
intelectual de Tafuri e de sua abordagem da história e da
arquitetura contemporânea.
Em cada sessão, o moderador das intervenções foi um
brasileiro que teve a tarefa de promover uma reflexão
so-bre o impacto dos escritos e do pensamento de Tafuri no
Brasil, bem como sobre a rede de relações e trocas
cien-tíficas e intelectuais construídas em torno de seu método
e de seu trabalho.
Manfredo Tafuri: his readers and their readings Since its inception, the initiative was conceived as an opportunity to reflect on the students’ reception to the thought of the Italian theorist Manfredo Tafuri, a theme that had been little explored until then.
In the light of the point of view of what we call ‘readers and readings’, it was proposed from the testimony of tho-se who ‘read’ Tafuri directly, clotho-sely, as his student, but also from those who learned from him and graduated after the your arrival in Venice. This double point of view allowed us to offer the reader a significant look at the evo-lution of Tafuri’s historiographic method, recovering the methodology of thought construction of some of his cour-ses, as well as the content of his classes.
The second part of the seminar, by contrast, proposed to highlight Manfredo Tafuri’s dialogue with architects in Italy and abroad. Two decades after the theorist’s death, it seemed interesting to us also to give space to those who, in the course of these twenty years, attempted, in turn, a first “reading”, as scholars and not as “witnesses” or “users” of some aspects of Tafuri’s intellectual journey and his approach to history and contemporary architec-ture.
In each session, the moderator of the speeches was a Brazilian who had the task of promoting a reflection on the impact of Tafuri’s writings and thoughts in Brazil, as well as on the network of scientific and intellectual rela-tions and exchanges built around his method. and your work.
Manfredo Tafuri: I suoi lettori e le sue letture Fin dall’inizio, l’iniziativa è stata concepita come un’oppor-tunità per riflettere sull’accoglienza degli studenti al pen-siero del teorico italiano Manfredo Tafuri, un tema che fino a quel momento era stato poco esplorato. Alla luce del punto di vista di ciò che chiamiamo “lettori e letture”, è stato proposto dalla testimonianza di colo-ro che “hanno letto” Tafuri direttamente, da vicino, come suo studente, ma anche da coloro che hanno imparato da lui e si sono laureati dopo il il tuo arrivo a Venezia. Questo doppio punto di vista ci ha permesso di offrire al lettore uno sguardo significativo sull’evoluzione del meto-do storiografico di Tafuri, recuperanmeto-do la metometo-dologia di costruzione del pensiero di alcuni dei suoi corsi, nonché il contenuto delle sue lezioni.
La seconda parte del seminario, al contrario, ha proposto di evidenziare il dialogo di Manfredo Tafuri con gli archi-tetti in Italia e all’estero. Due decenni dopo la morte del teorico, ci è sembrato interessante anche dare spazio a coloro che, nel corso di questi vent’anni, hanno tentato, a loro volta, una prima “lettura”, come studiosi e non come “testimoni” o “utenti” di alcuni aspetti del viaggio intellettu-ale di Tafuri e del suo approccio alla storia e all’architettu-ra contempoall’architettu-ranea.
In ogni sessione, il moderatore dei discorsi era un brasi-liano che aveva il compito di promuovere una riflessione sull’impatto degli scritti e dei pensieri di Tafuri in Brasile, nonché sulla rete di relazioni e scambi scientifici e
intellet-tuali costruita attorno al suo metodo. e il tuo lavoro. Mario H. Simão D’AGOSTINO
Adalberto RETTO JR Rafael Urano FRAJNDLICH
ORGANIZADORES:
Mário Henrique Simão D’AGOSTINO
FAU USP Brasil
Adalberto da Silva RETTO JR
Unesp - Bauru Brasil Rafael Urano FRAJNDLICH
UNICAMP Brasil
PARTICIPANTES:
Adalberto da Silva RETTO JR
Unesp - Bauru Brasil Paolo MORACHIELLO
IUAV di Venezia Itália Andrea GUERRA
IUAV di Venezia Itália Luka SKANSI
IUAV di Venezia Itália
Mário Henrique Simão D’AGOSTINO
FAU USP Brasil Donatella CALABI
IUAV di Venezia Itália Christoph FROMMEL
Sapienza Roma Itália Rafael MOREIRA
Universidade Nova de Lisboa Portugal Carlos MARTINS
IAU USP SC Brasil Marco De MICHELIS
IUAV di Venezia Itália Guido ZUCCONI
IUAV di Venezia Itália Anne Marie SUMNER
Mackenzie Brasil Vittorio GREGOTTI
IUAV di Venezia Itália Paulo Mendes da ROCHA
FAU USP Brasil
Maria Cristina da Silva LEME
FAU USP Brasil Jorge LIERNUR
Uni. Torcuato Di Tella de B. Aires Argentina
Carlos SAMBRICIO
ETS UP de Madrid Espanha Daniel SHERER
Columbia University EUA Cibele RIZEK
IAU USP SC Brasil Marco BIRAGHI
Politecnico Milano Itália Rafael Urano FRAJNDLICH
UNICAMP Brasil Alberto ASOR ROSA
Sapienza Roma Itália Otília Beatriz Fiori ARANTES
FFLCH USP Brasil
ATAS DO
SEMINÁRIOINTERNACIONAL
PROCEEDINGS OF THE
INTERNATIONAL SEMINARATTI DEL SEMINARIO
INTERNAZIONALE
seus leitores e suas leituras
his readers
and their readings
I suoi lettori e le sue letture
MANFREDO
TAFURI
AT
AS DO
SEMINÁRIO
INTERN
A
CION
AL
PROCEEDINGS OF
THE
INTERNA
TIONAL
SEMINAR
ATTI DEL
SEMINARIO
INTERNAZIONALE
seus leitor es e suas leitur as his readersand their readings
I suoi lettori
e le sue letture
3 Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Uni-versidade de São Paulo
Pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade de São Paulo
Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista, FAAC-UNESP Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
Consenho Nacional de Desenvolvimento Científi-co e TecnológiCientífi-co
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, FAPESP
Projeto Gráfico: Érica Pereira Neves
Thiago Tomassine Duarte Vieira
Agradecimentos
Gostaríamos de expressar nossa sincera gratidão às
professoras Maria Ângela Faggin Pereira Leite e Maria
Cristina da Silva Leme que garantiram, nos seus
respec-tivos papéis institucionais de diretora e vice-diretora da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
de são Paulo - FAUUSP, a viabilização do evento.
Agradecemos ainda os colegas que tiveram papel
fundamental na consolidação e registro do seminário:
Donatella Calabi, Marco De Michelis, Guido Zucconi,
Otí-lia Fiori Arantes, Carlos Ferreira Martins, Antonio
Bruc-culeri, Eva Renzulli, Giulia Ceriani Sobregondi,
Alexan-dre Benoit, Paulo Vieira.
Acknowledgments
We would like to express our most sincere gratitude to professors Ângela Faggin Pereira Leite and Maria Cristina da Silva Leme who, as dean and deputy dean of the Scho-ol of Architecture and Urbanism of the University of São Paulo, found a way to make this event possible.
We are also deeply thankful to other colleagues who had a fundamental role in the consolidation and recor-ding of the seminar: Donatella Calabi, Marco De Michelis, Guido Zucconi, Otília Fiori Arantes, Carlos Ferreira Mar-tins, Antonio Brucculeri, Eva Renzulli, Giulia Ceriani So-bregondi, Alexandre Benoit, Paulo Vieira.
Ringraziamenti
Vorremmo esprimere la nostra più sincera gratitudine ai professori Ângela Faggin Pereira Leite e Maria Cristi-na da Silva Leme che, come preside e vicepreside della Scuola di architettura e urbanistica dell’Università di San Paolo, hanno trovato un modo per rendere possibile ques-to evenques-to.
Ringraziamo anche i colleghi che hanno svolto un ruolo fondamentale nel consolidamento e nella registra-zione del seminario: Donatella Calabi, Marco De Michelis, Guido Zucconi, Otilia Fiori Arantes, Carlos Ferreira Mar-tins, Antonio Brucculeri, Eva Renzulli, Giulia Ceriani So-bregondi, Alexandre Benoit, Paulo Vieira.
8089 D’Agostino, Mário H. S.; Retto Júnior, Adalberto da S.; Frajndlich, Rafael U.
Manfredo Tafuri: seus leitores e suas leituras – São Paulo: FAU USP, 2018.
531 p; il.
Requisitos do Sistema: Internet ISBN: 978-85-8089-148-5
1. Teoria 2. História 3. Arquitetura I . Título.
CDD: 720 CDU: 720/49 Índice para catálogo sistemático
5 4 4 1 2 3 5I 5II O projeto histórico e a formação do historiador da
Arquitetura
The historical project and the formation of the Architecture historian
Il progetto storico e la formazione dello storico dell’architettura
O curso de “História e Conservação do Bem Arquitetônico: uma experiência constrastada”
Il corso “Storia e conservazione dei beni architettonici: un’esperienza contrastata”
Paolo MORACHIELLO - IUAV di Venezia, Itália
Ver a história. As lições didáticas de Manfredo Tafuri.
Vedi la storia. Le lezioni didattiche di Manfredo Tafuri
Andrea GUERRA - IUAV di Venezia, Itália
Algo além da arquitetura. Os anos de formação
Qualcosa oltre l’architettura. Gli anni formativi
Luka SKANSI - IUAV di Venezia, Itália 26
Apresentação Presentation
Presentazione
A construção de um programa: Manfredo Tafuri, seus leitores e suas leituras
The construction of a program: Manfredo Tafuri, his readers and their readings
Mário Henrique Simão D’AGOSTINO - FAU USP, Brasil Adalberto da Silva RETTO JR. - Unesp Bauru, Brasil Rafael Urano FRAJNDLICH - UNICAMP, Brasil 06
Sessáo de Encerramento Closing Session
Sessione Chiusura
Renascimento, Arquitetura e Cidade Renaissance, Architecture and City
Rinascimento, Architettura e Città
Os escritos de Tafuri sobre o Renascimento
Gli scritti di Tafuri sul Rinascimento
Donatella CALABI - IUAV di Venezia, Itália
Recordações dos anos de colaboração amigável com Manfredo Tafuri
Ricordi di anni di amichevole collaborazione con Manfredo Tafuri
Cristoph FROMMEL - Sapienza Roma, Itália
Tafuri e Portugal: uma recordação
Rafael MOREIRA - Universidade Nova de Lisboa, Portugal 160
Entre Leituras e Leitores Between Readings and Readers
Tra letture e lettori
“Manfredo Tafuri do Sul”
Jorge LIERNUR - Univ. Torcuato Di Tella de Buenos Aires, Argentina
“Manfredo Tafuri e uma viagem ao ‘Escorial’”
Carlos SAMBRICIO - ETS UP de Madrid, Espanha
A arquitetura desencantada. Tafuri leitor de Max Weber The disenchanted architecture. Tafuri reader of Max Weber Daniel SHERER - Columbia University, Estados Unidos
354
Entre Leituras e Leitores Between Readings and Readers
Tra letture e lettori
Manfredo Tafuri: história de desenvolvimento capitalista
Manfredo Tafuri: storia dello sviluppo capitalista
Marco BIRAGHI - Politecnico Milano, Itália
O Tempo na obra de Manfredo Tafuri
Rafael Urano FRAJNDLICH - UNICAMP, SP, Brasil
Entre Política e Arquitetura - Vídeoconferência
Tra politica e architettura - Videoconferenza
Alberto ASOR ROSA - Sapienza Roma, Itália
A Dialética Negativa de Manfredo Tafuri The Negative Dialectic of Manfredo Tafuri Otília ARANTES - FFLECH USP Brasil
Cidade e Arquitetura no Século XX
City and Architecture in the 20th Century
Architettura Città e architettura nel XX secolo
Manfredo Tafuri e a morte da arquitetura
Manfredo Tafuri e la morte dell’architettura
Marco de MICHELIS - IUAV di Venezia, Itália
Roma e Veneza: as duas cidades na sua biografia de Manfredo Tafuri
Roma e Venezia: le due città nella sua biografia di Manfredo Tafuri
Guido ZUCCONI - IUAV di Venezia, Itália 272
Tafuri e os arquitetos Tafuri and the architects
Tafuri e gli architetti
Vittorio GREGOTTI - Vídeoconferência
IUAV di Venezia348
Paulo Mendes da ROCHA
FAU USP, Brasil
58 114 214 248 310 350 372 374 404 448 472 474
7 6
Na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Univer-sidade de São Paulo – FAUUSP, entre os dias 23 e 25 de fevereiro de 2015, ocorreu um seminário sobre a obra de Manfredo Tafuri (1935-1994) e sua recepção por parte de colegas de sua geração, alunos e estudiosos, com o obje-tivo de atualizar uma trajetória intelectual à luz dos dile-mas contemporâneos.
O programa foi organizado em cinco sessões não cro-nológicas que partem de temas básicos suscitados por seu trabalho. Cada sessão contou com um moderador brasilei-ro que se incumbiu de fazer uma reflexão sobre o impacto da obra de Manfredo Tafuri no Brasil, revelar a rede de re-lações e os intercâmbios científicos construídos em torno do seu método historiográfico e produção.
Como escreve Howard Burns, Tafuri criou “um novo e fértil modo de fazer história da arquitetura – ou histó-ria tout court – que não ‘explica’ a arquitetura em termos de ‘contexto’, mas identifica a sua função fundamental no âmbito de um dado momento cultural e político e a sua interação com as outras forças culturais, pela qual não é
A construção de um programa:
Manfredo Tafuri, seus leitores
e suas leituras
The construction of a program:
Manfredo Tafuri, his readers and their
readings
La costruzione di un programma:
Manfredo Tafuri, i suoi lettori e
le sue letture
Mário Henrique Simão D’AGOSTINO Adalberto da Silva RETTO JR Rafael Urano FRAJNDLICH
TraduçãoTranslationTraduzione
Thiago Tomassine Duarte Vieira
RevisãoReviewRecensione
Anita Di Marco Ann Puntch
9 8
passivamente determinada”. 1
Na primeira sessão, intitulada “O Projeto Histórico e a Formação do Historiador de Arquitetura”, explorou-se a for-mação do Dipartimento di Analisi Critica e Storica (1976) da Universidade de Veneza que substituiu o antigo Istituto di
Storia dell’Architettura, dirigido por Bruno Zevi e depois por
Manfredo Tafuri, assim como o debate acerca do denomina-do Projeto Histórico, buscandenomina-do explicitar as repercussões de seus estudos por três gerações. A geração pioneira, repre-sentada pelo Prof. Paolo Morachiello, primeiro diretor do Departamento, mapeou fatos, ideias e debates que colabo-raram com a sua formação e consolidação, com claro intuito para a formação do historiador de arquitetura.
Dois anos antes de sua morte, Manfredo Tafuri escreveu na introdução do livro “La piazza, La chiesa, Il parco” sobre o método que embasaria as novas pesquisas no âmbito ve-neziano: a relação entre filologia e análise historiográfica a partir de objetos pontuais – fragmentos, em um arco tem-poral que se dilata do século XIV ao XIX. O eixo que articula todos os escritos desse volume é a complexa relação entre ideia, texto e contexto, a partir de elementos pontualiza-dos, além da busca do método adequado para cada um, no decorrer da sua longa história. Na mesma introdução Tafu-ri faz indagações importantes de como as pesquisas foram abordadas: “Que filologia para este tema particular? Como submeter a crítica às fontes, uma vez reconhecida a sua
his-1 RETTO JR., Adalberto; BOIFAVA, Barbara. Donatella Calabi. Entrevista, São Paulo, ano 04, n. 015.01, Vitruvius, jul. 2003. Disponível em <http://www.vitru-vius.com.br/revistas/read/entrevista/04.015/3335>.
toricidade? Como fazer falar monumentos e documen-tos de arquivo para restituir um cenário significante, não isolado nos seus confins?”.2
A segunda geração foi representada pelo professor Andrea Guerra, um dos orientandos do primeiro ciclo do Doutorado em História da Arquitetura, e terceira, re-presentada pelo Prof. Luka Skansi, participante da última turma de alunos de Tafuri antes do seu falecimento, refletiu principalmente sobre a pesquisa comparada e o retorno do nosso personagem ao Renascimento, mo-mento em que a sua produção distanciava-se do projeto contemporâneo e voltava-se para os grandes mestres do passado, como Alberti, Raffaello, Sansovino, Palla-dio, Borromini e outros. A mediação do grupo foi feita pelo arquiteto e professor Adalberto Retto Jr., ex-aluno da FAU USP que participou como bolsista do CNPq, no doutorado sanduíche na Universidade IUAV de Veneza, na última turma de Doutorado do Projeto Histórico.
As outras sessões partiram de dois grandes temas – Renascimento e Arquitetura Contemporânea, que perpassaram os 23 livros de Tafuri. A segunda sessão, in-titulada “Renascimento, Arquitetura e Cidade”, abordou a importância dos estudos comparativos, a partir da elaboração de um mosaico de escolhas que pontuam as pesquisas de Tafuri, suas continuidades e inflexões, e discutiu questões em torno do “Longo Renascimento”,
2 RETTO JR., Adalberto. Os saltos de escala no estudo (e no projeto) da cidade e do território: indagações à luz do debate veneziano. Arquitextos, São Paulo, ano 11, n. 132.03, Vitruvius, maio 2011 <http://www.vitruvius. com.br/revistas/read/arquitextos/11.132/3897>.
11 10
considerado em uma perspectiva crítica que rejeita o mar-co temporal da maioria dos estudos historiográfimar-cos desse período.
Cacciari ressalta que o próprio título do livro “Ricerca del
Rinascimento: principi, città, architetti” é um exercício de
filologia viva, pois deixa de trabalhar com a pesquisa sobre o Renascimento para incorporar a “própria visão do Renasci-mento como pesquisa”3.
Os estudos de Morachiello e da professora Donatella Calabi, representante italiana no debate, sobre o coração comercial de Rialto e as bases teóricas das técnicas, sobre as relações entre o debate religioso, a vida civil, a expressão artística e o papel da imagem na Veneza dos séculos XV e XVI, fazem parte de um quadro único de referência então trabalhada nessa sessão.
O segundo palestrante, o professor Christoph Frommel, Diretor Emérito da ‘Biblioteca Hertziana’ de Roma, aprofun-dou-se no diálogo de Tafuri com os estudiosos da deno-minada Scuola Romana e do Centro Internazionale di Studi
di Architettura ‘Andrea Palladio’, na rediscussão de estudos
clássicos como aqueles de Rudolf Wittkower e Jacob Bur-ckhardt. A mediação coube ao professor Mário Henrique Simão D’Agostino, estudioso do Renascimento italiano e que, desde cedo, estabeleceu um diálogo intelectual com Manfredo Tafuri e sua obra.
3 RETTO JR., Adalberto. Marco Biraghi. Entrevista, São Paulo, ano 07, n. 028.01, Vitruvius, out. 2006. Disponível em <http://www.vitruvius.com.br/ revistas/read/entrevista/07.028/3300>.
A terceira sessão, intitulada “Cidade e arquitetura no século XX”, foi um aprofundamento sobre o historiador e sua análise da produ-ção arquitetônica contemporânea, explicitada nos livros “Architettura
italiana 1944-1981” (1986), “Teorie e Storia dell’Architettura” (1968),
“Progetto e Utopia” (1969 e 1972) e, ainda no “Storia dell’Architettura
Contemporanea”, escrito com Francesco Dal Co, em 1976.
Oito anos depois de sua chegada ao IUAV, Manfredo Tafuri fundou, em 1976, o Dipartimento di Analisi Critica e Storica sobre as cinzas do Istituto di Storia dell’Architettura dirigido por Bruno Zevi. A mudança sucessiva do nome do departamento que voltou à antiga denominação de Storia dell’Architettura mostra que os dois adjetivos, “Critica” e “Storica”, constituíam uma tautologia. Como sustentava Tafuri, “a história sempre teve uma função crítica”, logo “não existem críticos, somente historiadores” (Non ci sono
critici, solo storici). De fato, a nova denominação marcava a
pas-sagem para uma fase em que a “fecunda incerteza da análise” se contrapunha à certeza do projeto da denominada “Storia operativa
de Zevi”.4
Por sua vez, segundo Retto Jr., Jean Louis Cohen, que seguiu atentamente o âmbito intelectual veneziano, Italophilie (1984),
Dall’affermazione ideologica alla storia professionale (1999),
ex-plicita que, ao superar a questão da operatividade da história, a “Scuola di Venezia” consegue passar do estudo das conjunturas àquele das estruturas, posta como fundamento da historiografia dos “annales”: sem subscrever a causa da longa duração per se
4 RETTO JR., Adalberto; BOIFAVA, Barbara . Donatella Calabi. Entrevista, São Paulo, ano 04, n. 015.01, Vitruvius, jul. 2003. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/ read/entrevista/04.015/3335>.
13 12
stessa, mas propondo-lhes rearticulações diacrônicas que
fazem aparecer os ciclos estruturais segundo os quais a crise do capitalismo e da arquitetura se compõem e se correspondem.5
No mesmo artigo, Retto Jr. explicita que, nos anos de 1970, década que recebeu de Guido Zucconi a denomina-ção de ‘os anos de ouro da história urbana na Itália’, “um grupo de professores começa a delinear um modo novo e autônomo de se fazer história, no qual o termo ‘análi-se urbana’ deixa de ‘análi-ser sinônimo da “análi‘análi-se operantiva”, protagonizada por Saverio Muratori em seu “Studi per una
operante storia urbana di Venezia”(1953).
As reflexões de Tafuri sobre as correntes artísticas do século XX foram consideradas como uma ruptura epistemo-lógica no corpus da história da arquitetura contemporânea. Ao movimento moderno ele agregou um conjunto de dú-vidas que, vistas a partir das análises precedentes de Argan, Rogers ePaci, privilegiou os conflitos e destacou as aporias dos discursos das vanguardas, cujo poder desestabilizador foi descoberto depois dos anos de 1960: ele enfatizou as con-tradições entre as intenções e os projetos, as ideologias e as práticas.
Nessa sessão, utilizou-se novamente uma cronologia geracional com colaboradores diretos de Tafuri: Prof. Marco De Michelis e Prof. Dr. Guido Zucconi.
5 RETTO JR., Adalberto. Jean-Louis Cohen. Entrevista, São Paulo, ano 06, n. 024.01, Vitruvius, out. 2005. Disponível em < https://www.vitruvius.com.br/ revistas/read/entrevista/06.024/3312?page=1>.
A moderação da sessão coube ao Prof. Carlos Martins, do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP de São Carlos, que não somente é um leitor de Manfredo Tafuri como re-presenta um importante grupo de pesquisa e reflexão sobre a arquitetura moderna no Brasil.
A quarta sessão, denominada “Tafuri e os Arquitetos”, explorou o diálogo entre os profissionais. É fato que o en-contro de Tafuri com Bruno Zevi foi determinante para as suas novas escolhas, e que o confronto entre os dois assumiu grande importância em meio à discussão da denominada his-tória operativa. Nesse sentido, apesar de a formação de Man-fredo Tafuri ter sido iniciada como colaborador de grandes arquitetos do cenário italiano e de, em 1960, ele assumir a cadeira de professor assistente universitário ao lado de Sal-vatore Greco – docente do curso de Composizione
Archite-ttonica, em momento posterior, ele motivou os
arquitetos--historiadores a tomarem distância do métier de projetista, como forma de evitar que a “fecunda incerteza da análise” fosse maculada pela certeza da proposição projetual. Man-fredo Tafuri encorajou e promoveu a formação de espe-cialistas em materiais, estruturas, métodos arqueológicos, história das técnicas e das representações, de modo a obter figuras competentes às quais delegaria, também, trabalhos de restauro e preservação do patrimônio.
Dessa forma, Tafuri estabeleceu intenso diálogo com arquitetos do IUAV vinculados à escola morfológica, com raízes no trabalho de Saverio Muratori, como Aldo Rossi e Vittorio Gregotti, entre outros, e além-mar, como Rafael
15 14
Moneo e Peter Eisenman, que o levaram a tecer algumas definições, tais como : “Eisenman é um terrorista formal”; Meyer é um “mecânico das funções”; Graves é um “polissígni-co”. A moderação da quarta sessão foi feita pela professora Anne Marie Sunmer, que trouxe Paulo Mendes da Rocha, arquiteto e prêmio Pritzker 2006, para falar do historiador ita-liano.
A quinta e última sessão dividiu-se em dois tipos de lei-tores externos ao contexto veneziano: os primeiros tiveram uma interlocução direta com Manfredo Tafuri, como Jorge Liernur, da Universidad Torcuato Di Tella de Buenos Aires, Car-los Sambricio, da Escuela Técnica Superior de Arquitectura da
Universidad Politécnica de Madrid, Rafael Moreira, da
Universi-dade Nova de Lisboa/CHAM, Centro de HumaniUniversi-dades, NOVA FCSH/UA; os segundos correspondem a estudiosos que não tiveram uma relação direta com Tafuri, mas que trabalha-ram alguns aspectos do seu percurso intelectual e da sua abordagem em relação à história da arquitetura contempo-rânea: Prof. Marco Biraghi, do Politecnico di Milano, o Prof. Daniel Sherer (Columbia University), e no contexto brasilei-ro, o Prof. Rafael Urano Frajndlich (FEC-Unicamp), autor do mais recente trabalho, no país, sobre o historiador romano, intitulado “Manfredo Tafuri: o tempo da cidade longínqua”.
A mediação da mesa coube à professora Maria Cristina da Silva Leme, da FAU-USP que, além de trabalhar com cir-culação de ideias na área de urbanismo, estabeleceu um efetivo intercâmbio com o IUAV, pela assinatura de convênio entre as duas instituições. A segunda sessão foi mediada pela professora Cibele Saliba Risek, do IAU-USP de São Carlos.
O fechamento do evento contou com a presença de dois dos maiores intelectuais da atualidade: o professor Alberto Asor Rosa, da Universidade de Roma La Sapienza, que abordou o tema Entre Polí-tica, e a professora Otília Beatriz Fiori Arantes, FFLCH-USP, com o tema A Dialética Negativa de Tafuri.
17 16
Tafuri’s studies for three generations. The pioneer genera-tion, represented by the first director of the Department, Prof. Paolo Morachiello, mapped the facts, ideas and debates that contributed to its formation and consolidation, with the clear objective to train architectural historians.
Two years before his death, Manfredo Tafuri wrote in the introduction to “La piazza, La chiesa, Il parco” on the method that would underlie new investigations in the Venetian con-text: the relationship between philology and historiographi-cal analysis from single objects - fragments, in a temporal arc that extends from the fourteenth to the nineteenth century. The axis that articulates all the writings of this volume is the complex relationship between idea, text and context, based on single elements, as well as the search for the appropriate method for each one, throughout their long history.
In the same introduction, Tafuri asks important questions about how researchers approached their investigations: “What is the philology for this particular topic? How can we submit critiques to sources once their historicity is recogni-zed? How can we possibly make monuments and archives speak in order to restore a significant scenario, not isolated within its own confines?2
The second generation was represented by Professor An-drea Guerra, one of the students of the first cycles of the Doc-toral Program in History of Architecture, and the third was represented by Prof Luka Skansi, a member of Tafuri’s last class before his death. They reflected mainly on the
compara-2 RETTO JR., Adalberto. The scale jumps in the study (and in the project) of the city and the territory: questions in the light of the Venetian debate. Architext, São Paulo, year 11, n. 132.03, Vitruvius, May 2011. Available at <http://www. vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.132/3897>.
The construction of a program:
Manfredo Tafuri, his readers and their readings
The School of Architecture and Urbanism of the Universi-ty of São Paulo – FAU/USP, from February 23-25, 2015 hosted a seminar on the work of Manfredo Tafuri (1935-1994) and its reception by the colleagues of his generation, students and researchers, in order to update an intellectual trajectory in the light of contemporary dilemmas.
The program was organized in five non-chronological ses-sions based on themes derived from his work. Each session had a Brazilian moderator who was responsible for replica-ting the impact of Manfredo Tafuri’s work in Brazil, revealing the network of relationships and scientific exchanges built around his historiographic method and production.
As Howard Burns writes, Tafuri created “a fertile new way of making architectural history - or tout court history - that does not ‘explain’ architecture in terms of ‘context’, but iden-tifies its fundamental role within a given sociopolitical mo-ment and its interaction with other cultural forces, although such interaction does not passively determine it.1
The first session, titled “The Historical Project and the Ar-chitectural Historian’s Education”, explored the origins of the Dipartimento di Analisi Critica and Storica (1976) of the Uni-versity of Venice, which replaced the former Istituto di Storia dell’Architettura, directed by Bruno Zevi and later by Man-fredo Tafuri. It also explored the debate about the so-called Historical Project, seeking to explain the repercussions of
1 RETTO JR., Adalberto; BOIFAVA, Barbara. Donatella Calabi. Interview, Sao Pau-lo, year 04, n. 015.01, Vitruvius, Jul. 2003. Available at <http://www.vitruvius. com.br/revistas/read/entrevista/04.015/3335>.
19 18
and the sixteenth centuries, are part of a unique frame of reference then considered in this session.
The second speaker, Professor Christoph Frommel, Direc-tor Emeritus of the Hertzian Library in Rome, deepened Tafu-ri’s dialogue with the researchers of the so-called Scuola Ro-mana and the Centro Internazionale di Studi di Architettura ‘Andrea Palladio’, in revisiting classical studies such as those of Rudolf Wittkower and Jacob Burckhardt. The mediation fell to Professor Mario Henrique Simão D’Agostino, an Italian Renaissance researcher, who from an early age, established an intellectual dialogue with Manfredo Tafuri and his work.
The third session, titled “City and Architecture in the Twentieth Century”, was a deeper look at the historian and his analysis of contemporary architectural production, as seen in the books “Architettura italiana 1944-1981” (1986), “Teorie and Storia dell’Architettura” (1968), “Progetto and Utopia” (1969 and 1972) and further, in the “Storia dell’Ar-chitettura Contemporanea”, written with Francesco Dal Co, in 1976.
Eight years after his arrival at the IUAV, Manfredo Tafuri founded, in 1976, the Department of Critical and Historical Analysis (Dipartimento di Analisi Critica e Storica) on the ashes of the Istituto di Storia dell’Architettura directed by Bruno Zevi. The successive change in the name of the de-partment that recuperated the old name of Storia dell’Archi-tettura shows that the two adjectives, “Critica” and “Storica”, constitute a tautology. As Tafuri maintained, “history has always had a critical function,” so “there are no critics, only historians” (Non ci sono critici, solo storici). In fact, the new denomination marked the passage to a phase in which the “ fruitful uncertainty of the analysis” was in opposition to the tive research and our subject’s return to the Renaissance, at
a time when his production moved away from contemporary design and turned to the great masters of the past, such as Alberti, Raffaello, Sansovino, Palladio, Borromini, and others. The group was mediated by architect and professor Adalber-to RetAdalber-to Jr., a former student of FAU USP who participated as a CNPq scholarship student at the sandwich doctorate at the IUAV University of Venice, in the last group of the Historical Project Doctoral Program.
The other sessions came from two major themes - Renais-sance and Contemporary Architecture, which surveyed Tafu-ri’s twenty-three books. The second session, “Renaissance, Architecture and the City” addressed the importance of com-parative studies, from the elaboration of a mosaic of choices that mark Tafuri’s research, its continuities and inflections, and discussed issues around the “Long Renaissance”, consi-dered from a critical perspective that rejects the time frame of most historiographical studies of this period.
Cacciari points out that the very title of the book “Ricerca del Rinascimento: principi, città, architetti” is an exercise in living philology, since it ceases to work with research on the Renaissance to incorporate its “own vision of the Renaissance as research”. 3
The studies by Morachiello and Professor Donatella Cala-bi, the Italian representative in the debate, on Rialto’s com-mercial center and the theoretical bases of techniques, on the relationship between religious debate, civic life, artistic expression, and the role of image in Venice in the fifteenth
3 RETTO JR., Adalberto; Marco Biraghi. Interview, São Paulo, year 07, n. 028.01, Vitruvius, out. 2006. Available at <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/ entrevista/07.028/3300>.
21 20
certainty of the project of the so-called Storia operativa of Zevi”.4
On the other hand, according to Retto Jr., Jean Louis Cohen, who closely followed Venetian intellectual develop-ments, Italophilie (1984), Dall’affermazione ideologica alla storia professionale (1999), explains that by overcoming the operativity of history, the Scuola di Venezia manages to move from the study of states to that of structures, a passage that underlies the history of the french review “Les Annales”. And he achieved this without espousing the “long duration” (per se stessa) for its own sake, but by proposing diachronic rearticulations that bring about structural cycles, in which the crises of capitalism and architecture were reflected and linked.5
In the same article, Retto Jr. explains that in the 1970s, the decade called “the golden years of urban history in Italy” by Guido Zucconi, “a group of teachers began to delineate a new and autonomous way of making history, in which the term ‘urban analysis’ is no longer synonymous with ‘operati-ve analysis’, featured by Sa‘operati-verio Muratori in his ‘Studi per una operantiva storia urbana di Venezia’ (1953).
Tafuri’s reflections on the artistic currents of the twen-tieth century were considered as an epistemological ruptu-re in the corpus of the history of contemporary architecturuptu-re. To the modern movement he added a set of doubts that, as seen from the previous analyzes of Argan, Rogers, and Paci
4 RETTO JR., Adalberto; BOIFAVA, Barbara. Donatella Calabi. Interview, Sao Pau-lo, year 04, n. 015.01, Vitruvius, Jul. 2003. Available at: <http://www.vitruvius. com.br/revistas/read/entrevista/04.015/3335>.
5 RETTO JR., Adalberto. Jean-Louis Cohen. Interview, São Paulo, year 06, n. 024.01, Vitruvius, Oct. 2005. Available at < https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/ entrevista/06.024/3312?page=1>.
prioritized the conflicts and highlighted the contradictions of the avant-garde discourses, whose destabilizing power was discovered after the 1960s: he emphasized the contradictions between intentions and projects, ideologies and practices.
In this session, a generational chronology was used again with Tafuri’s direct collaborators: Prof. Marco De Michelis and Prof. Dr. Guido Zucconi. The moderator was Prof. Carlos Martins, from the USP São Carlos Institute of Architecture and Urbanism, who is not only a reader of Manfredo Tafu-ri, but also represents an important research and reflection group on modern architecture in Brazil.
The fourth session, titled “Tafuri and the Architects”, ex-plored the dialogue between professionals. It is a fact that Tafuri’s meeting with Bruno Zevi was decisive for his new choices, and that the confrontation between the two assu-med great importance in the midst of the discussion of the so-called operative history. In this sense, although Manfredo Tafuri’s education had started as a collaborator of great ar-chitects of the Italian scene and, in 1960 and despite being an assistant professor alongside Salvatore Greco - lecturer of the Composizione Architettonica program, sometime la-ter, he motivated historian-architects to distance themselves from the drafter’s métier as a way to prevent the “ fruitful uncertainty of analysis” from being marred by the certainty of the design proposition. Manfredo Tafuri encouraged and promoted the training of specialists in materials, structures, archaeological methods, and the history of techniques and representations, in order to obtain skilled professionals to whom he would also delegate works of restoration and pre-servation of heritage.
23 22
IUAV architects linked to the morphological school, rooted in the work of Saverio Muratori, such as Aldo Rossi and Vittorio Gregotti, among others, and overseas those such as Rafael Moneo and Peter Eisenman, who led him to make some sta-tements, such as: “Eisenman is a formal terrorist”; Meyer is a “mechanic of functions”; Graves is a “polysignic”. The fourth session moderator was Professor Anne Marie Sunmer, who brought Paulo Mendes da Rocha, architect and 2006 Pritzker Prize winner, to speak on the Italian historian.
The fifth and final session was divided into two types of readers outside the Venetian context: the first kind had a direct dialogue with Manfredo Tafuri, including Jorge Lier-nur, from Torcuato Di Tella University in Buenos Aires, Car-los Sambricio, from the Advanced Technical School of Archi-tecture at the Polytechnic University of Madrid, and Rafael Moreira, New University of Lisbon/CHAM, Humanities Center, NOVA FCSH/UA. Sambricio and Moreira correspond to rese-archers who did not have a direct relationship with Tafuri, but worked on some aspects of his intellectual path and his approach to the history of contemporary architecture: Prof. Marco Biraghi of the Politecnico di Milano, Prof. Daniel She-rer (Columbia University), and in the Brazilian context, Prof. Rafael Urano Frajndlich (FEC-Unicamp), author of the most recent work in the country on the Roman historian, entitled “Manfredo Tafuri: the Time of the Faraway City”.
The mediator was Professor Maria Cristina da Silva Leme, from FAU USP, who, in addition to working with the exchan-ge of ideas in the area of urbanism, established an effective exchange with the IUAV by signing an agreement between the two institutions. The second session was mediated by Professor Cibele Saliba Risek, from the IAU-USP of São Carlos.
The closing of the event was attended by two of today’s greatest intellectuals: Professor Alberto Asor Rosa, from the La Sapienza University, in Rome, who addressed the topic, “Between Politics and Architecture”, and Professor Otília Be-atriz Fiori Arantes, from FFLCH-USP, with the theme Tafuri’s Negative Dialectic.
24
1ªsessão
session
sessione
O projeto histórico e
a formação do
historiador da
Arquitetura
O curso de “História e Conservação do Bem Arquitetônico: uma
experiência contrastada”
The course “History and Conservation of
Architectural Good: a Contrasted Experience”
II corso “Storia e conservazione della proprietà architettonica: un’esperienza contrastata
27 26
O curso de “História e
Conservação do Bem
Arquitetônico: uma experiência
contrastada”
The course “History and Conservation of
Architectural Good: a Contrasted
Experience”
II corso “Storia e conservazione della
proprietà architettonica:
un’esperienza contrastata”
Paolo MORACHIELLO
TraduçãoTranslationTraduzione
Marisa Barda
RevisãoReviewRecensione
Anita Di Marco
“A verdadeira terra dos bárbaros não é aquela Que nunca conheceu a arte,
Mas aquela que, repleta de obras-primas, Não sabe nem apreciá-las, nem conservá-las.”
(Marcel Proust) A formação
Não sei se Manfredo Tafuri tinha em mente esta pas-sagem de Proust quando concebeu no I.U.A.V. (então Insti-tuto Universitário de Arquitetura de Veneza) um curso de graduação com a expressa finalidade de criar um profundo núcleo de conhecimento, seja das intenções formais, seja das características mais íntimas de uma construção ma-terial do patrimônio arquitetônico, herdado pela história, e sua consequente e rigorosa conservação. De qualquer forma, parece que ele se inspirou nas palavras do escritor francês.
par-29 28
ticular, aliás, único: único pela sua morfologia, pela sua história e pela riqueza e variedadede seu patrimônio ar-quitetônico. Riqueza e variedade que devem – ou deveriam – ser preservadas e conservadas com o máximo respeito pelo original, portanto, com organicidade e sabedoria de ação; sabedoria de ação baseada no minucioso conheci-mento analítico das estruturas originais, do comporta-mento estático e dinâmico, das modificações e das marcas nelas deixados – inevitavelmente – pelo tempo e pelo homem. Desde a proto-história até o século XVIII, nas ter-ras da península e das ilhas onde se criaram numerosíssi-mas comunidades e sucessivos estados que, reunificados no século XIX, formaram a atual Itália, surgiram edifícios de todos os tipos e feitios, em quantidade quase hiper-bólica; edifícios de dimensões, equipamentos e materiais diversos. Edifícios e complexos de edifícios situados em contextos físicos muito diferentes: na rocha sólida, nas colinas mais macias, nas planícies inundáveis, em terrenos recuperados e saneados e até mesmo em águas salobras. No decorrer do tempo e das eras, nos diversos solos da península e das maiores ilhas, foram sendo construídos pelos homens do neolítico, pelos etruscos, gregos, roma-nos, bizantiroma-nos, germânicos, normandos, sarraceroma-nos, por cidadãos das comunas, de reinos medievais, das Senho-rias e das Republicas renascentistas, pelos mais modernos reinos Sabaudo e Borbonico e (se quisermos exagerar), pelo dramático século XX. A cada época correspondiam não apenas concepções e criações formais distintas, mas também técnicas, procedimentos e tradições construtivas
diferentes e, mesmo, os materiais empregados, obtidos de lugares próximos à construção ou mesmo distantes.
Agredido pelo tempo, pelas forças e pelas catástrofes naturais, mas igualmente, senão mais ainda pela mão do homem ou pelos danos provocados por eles no passar dos séculos, o imenso, variado e articulado patrimônio arqui-tetônico, único no mundo, que as últimas gerações italia-nas herdaram e as futuras herdarão necessita (ou melhor, necessitaria) de cuidados periódicos regulares, manuten-ção constante, protemanuten-ção atenta e absoluta. Caso contrário, a Itália merece plenamente o título proustiano de nação “bárbara”. Nas faculdades italianas de arquitetura e no nosso Instituto Universitário de Arquitetura de Veneza, no período de Manfredo Tafuri e do departamento de Histó-ria da Arquitetura dirigido por ele, funcionavam apenas dois cursos de restauro previstos pela programação dos estudos. Poucos e, de qualquer maneira, insuficientes para compreender com seriedade os inúmeros conhecimentos e ciências necessários para atuar para a conservação do material do antigo sem alterá-lo, traí-lo ou destruí-lo, um antigo tão variado quanto presente em toda a parte. Pou-cos para lidar, seriamente, com a enorme responsabilida-de da conservação na Itália e, talvez, papel bem mais di-fícil e delicado que a própria construção do novo, ao qual arquitetos recém-formados das Faculdades de Arquitetura e de Engenharia costumam se dedicar principalmente.
No final do século XX e inicios dos anos 2000, para nós, membros do Departamento de História de Veneza faltava, de modo geral, com relação à proteção do imenso
patri-31 30
mônio histórico, uma cuidadosa preparação específica e a paixão necessária, resguardada pela indispensável expe-riência do canteiro de obras ou, nos raros casos em que ambas existiam, eram quase exclusivamente o resultado de uma programação totalmente voluntária e pessoal, enquanto que, quase sempre, imperava a superficialidade ou, no caso, a iniciativa, a ocasião e o sucesso pessoal. Diante da enorme e delicada responsabilidade, para Man-fredo Tafuri e para o departamento – pois estudávamos e ensinávamos as obras realizadas desde a antiguidade até os dias de hoje – parecia, finalmente, necessário preen-cher a grave lacuna.Assim, instituiu-se um grupo encar-regado de estudar e elaborar um currículo adequado de estudos nas Faculdades de Arquitetura – e, obviamente, em primeiro lugar, no nosso Instituto – capaz de formar aquela figura imaginada, e até então inexistente, que sou-besse unir rigorosamente o pleno conhecimento dos edifí-cios históricos, a partir de sua estrutura, com a capacidade de elaborar estratégias e formas de intervenção – seja de conservação, de complementação, ou de restauração – minimamente invasivas, o mais possível fiéis às técni-cas originais de construção. Não um projetista que, em trechos inexistentes, se sobrepunha criando (aliás, foram raros os que souberam fazê-lo: Carlo Scarpa e Franco Albi-ni permanecem ainda úAlbi-nicos nessa área), porém, uma figu-ra – talvez mais modesta – perfeitamente fiel à história, minuciosa na análise detalhada das partes e do todo, com profundo e detalhado conhecimento dos sistemas estáti-cos e dos materiais antigos, escrupulosa na predisposição
e na realização em canteiro de obras de um projeto de verdadeira e quase absoluta conservação.
O grupo trabalhou com entusiasmo e, finalmente, con-seguiu produzir um programa de estudos que, acrescen-tando novas matérias especificas, históricas e científicas, a nosso ver, não esquecia nada do que era necessário: das mais sofisticadas análises físicas, químicas e estáticas aos mais elaborados, respeitosos e mínimos procedimentos de intervenção, para não subverter o antigo, protegendo-o o mais possível.
Foi um período muito fértil e trabalhoso, cujo resulta-do nos pareceu quase emocionante (ao menos para os res-tauradores do Departamento e para os historiadores que haviam trabalhado ali). Findo o longo período de direção de Tafuri (e, infelizmente, com o aparecimento dos primei-ros sintomas de agravamento de seus problemas de saú-de) coube a mim, seu sucessor na direção do Departamen-to de História, o papel de traduzir em realidade prática o projeto para abrir e introduzir no I.U.A.V. um novo “Curso de Graduação em História e Conservação”– História e Con-servação dos chamados bens arquitetônicos – aproveitan-do, obviamente, as consultorias quase contínuas com ele e, muitas outras com os poucos arquitetos-restauradores (poucos, mas ótimos profissionais que quase represen-tavam o nosso modelo), que tinham preferido aderir ao Departamento de História em vez do de Restauro. Estu-damos longa, atenta e escrupulosamente e, elaboramos um currículo especial de estudos a ser inserido no plano didático de nosso Instituto – capaz de formar a figura que
33 32
havíamos imaginado, até então, quase inexistente. Instituímos e abrimos, no Instituto Universitário de Arquitetura, um curso especifico a ser chamado Curso de Graduação em História e Conservação dos Bens Arquite-tônicos e Ambientais, com docentes contratados tanto no próprio IUAV como outros profissionais renomados de fora do Instituto.
O melhor modo para entrar logo na estrutura do proje-to desejado consiste, sem nenhuma dúvida, em ilustrar o conjunto das matérias e suas finalidades e, portanto, dos cursos que constituíam o plano didático dos quatro anos de estudo.
O plano didático e de formação
Disciplinas do primeiro ano
1. Características tipológicas e morfológicas da arqui-tetura: descrição e instrumentos de interpretação das ló-gicas de composição e das vontades expressivas na base das configurações arquitetônicas próprias dos vários pe-ríodos históricos: desde o mundo antigo até o moderno e contemporâneo.
2. Química e conservação dos materiais: conhecimento da composição química dos materiais de construção mais comuns nas construções históricas, a fim de exercer a es-colha certa para a conservação.
3. Instruções de matemática: obtenção dos
instrumen-tos analíticos e geométricos necessários para calcular o trabalho e a consequente resistência das estruturas his-tóricas.
4. História da arquitetura antiga: criações do mundo mesopotâmico, egípcio, greco-helenístico, romano, tardo romano, paleocristão, bizantino.
5. Tecnologia da arquitetura: estudo das característi-cas mecânicaracterísti-cas dos materiais de construção mais usados nas idades antiga e moderna e estudo das técnicas cons-trutivas fundamentais.
6. Laboratório de análise dos materiais, disciplina re-lacionada à Tecnologia da arquitetura: experimentação e constatação das características técnicas e mecânicas dos materiais de construção mais difundidos nas construções antigas e modernas.
Disciplinas do segundo ano
1. Arquivística e ciências auxiliares da história (50 ho-ras): fundamentos de arquivística e de paleografia para poder orientar-se na pesquisa e, sucessivamente, na inter-pretação dos documentos relativos às construções histó-ricas (criação, manutenção, restauração parcial ou total).
2. Informática aplicada (50 horas): fundamentos teóri-cos e exercícios de campo em pesquisa de arquivística, em noções e prática de paleografia.
3. Petrografia aplicada (100 horas): estudo mineralógi-co e petrográfimineralógi-co dos materiais e características química
35 34
dos mesmos, conhecimento dos processos de degradação com a finalidade de preparar a sua conservação.
4. Levantamento da arquitetura (100 horas): aprendi-zagem das técnicas de levantamento analítico e proce-dimentos para representação gráfica visando ao conheci-mento completo e detalhado da edificação.
5. História da arquitetura medieval: estudo da arquite-tura compreendida entre o período tardo antigo e o início do Renascimento.
6. Teorias e técnicas de construção durante seu desen-volvimento histórico: estudo e experiências do comporta-mento estático e dos sistemas de resistência das constru-ções pertencentes aos períodos históricos acima citados.
7. Laboratório de análise dos materiais (25 horas), dis-ciplina relacionada à Petrografia aplicada: métodos de análise das características técnicas e mecânicas das cons-truções antigas e modernas.
Disciplinas do terceiro ano
1. Características construtivas das edificações históri-cas (100 horas): análise dos sistemas estruturais, das téc-nicas e dos materiais nas edificações históricas.
2. Legislação dos bens culturais (100 horas): funda-mentos jurídico-administrativos relativos à tutela e à con-servação dos denominados “Bens Culturais” (ou seja, do patrimônio artístico).
3. Problemas estruturais dos monumentos e das
edi-ficações históricas (100 horas): estudo do funcionamento estático e da segurança estrutural com a finalidade de se realizarem intervenções de adequação, consolidação e, no caso, de reabilitação estrutural.
4. História da arquitetura, curso monográfico (100 ho-ras): estudo de um período ou episódio circunscrito da ar-quitetura com aprofundamento dos métodos de leitura e de interpretação das formas.
5. História da arquitetura moderna (100 horas): a ar-quitetura do período desde o “Renascimento” ao final do século XVIII.
6. Tecnologia da recuperação de bens arquitetônicos (100 horas): conhecimento dos materiais normal e, às ve-zes, excepcionalmente usados na recuperação e na con-servação de edificações históricas.
7. Construções de alvenaria e construções de madei-ra (100 homadei-ras): conhecimento do comportamento estático das principais estruturas descontínuas usadas nas edifica-ções históricas.
8. Laboratório de reabilitação estrutural e fundações (25 horas): estudo do comportamento estrutural das cons-truções históricas com o objetivo de conservação de seu estado e à possível reabilitação (disciplina relacionada aos problemas estruturais dos monumentos e da edifica-ção histórica).
37 36
Disciplinas do quarto ano
1. Política do ambiente (100 horas): instrumentos ne-cessários para a compreensão, avaliação e análise econô-mica das políticas de proteção e tutela do patrimônio ar-tístico, arquitetônico e ambiental elaborado por entidades públicas.
2. Estimativas e contabilização das obras (100 horas): teoria e prática da avaliação do patrimônio arquitetônico com relação aos valores de mercado e de custo, e ao valor de uso social e a formação de um juízo quanto à conveni-ência das intervenções e das políticas no setor público e no privado.
3. Instalações técnicas (100 horas): fundamentos de física, problemas relativos à inserção de instalações nos edifícios históricos e projeto das instalações para prote-ção das obras de arte.
4. Restauro arquitetônico (50 horas): projeto de inter-venções para conservação e definição dos procedimentos dos canteiros de obras.
5. Testes experimentais, fiscalização e controle das construções (50 horas): avaliação experimental das carac-terísticas mecânicas dos materiais de construção, monito-ração e controle das construções para o estudo do com-portamento ao longo do tempo.
6. História da arquitetura contemporânea (100 horas): principais construções e realizações arquitetônicas do sé-culo XIX aos dias de hoje no mundo.
7. Técnica de controle ambiental (50 horas):
caracte-rização microclimática do ambiente e sua relação com a degradação e conservação dos materiais.
8. Teorias e história do restauro (50 horas): fundamen-tos teóricos das atividades de restauração ao longo do tempo até os dias de hoje.
9. Laboratório de monitoração e controle das constru-ções (25 horas): estudo da monitoração e dos controles necessários para reconhecer o comportamento estrutural das construções históricas e da evolução de tal comporta-mento ao longo do tempo com monitoração adequada das construções (disciplina relacionada a testes experimen-tais, fiscalização e controle das construções).
10. Laboratório de síntese final coma participação de mais docentes preparando a Tese de Graduação (em uma das disciplinas acima descritas).
O início, os primeiros sucessos e as causas do rápido fechamento do curso
Com tais conteúdos e organização parecia-nos, aliás estávamos seguros, de ter construído uma máquina bem estruturada, uma resposta séria ao amadorismo de mui-tos engenheiros–arquitemui-tos sem conhecimento da história e sem experiência. E, de fato, por mais de cinco anos, o curso foi uma máquina eficiente: número calculado de ins-critos, ótimos docentes – dentre eles, alguns arquitetos e engenheiros formados nas superintendências ou auto-didatas por escolha própria e, desde o início da carreira,
39 38
dedicados ao estudo e restauro de estruturas antigas –, plena participação de personalidades altamente qualifi-cadas mediante encargos temporários de ensino, de supe-rintendentes de monumentos quase com o aval (na época acreditávamos) da aprovação das instituições nacionais, a atividade e o apoio de um invejável e muito bem equipado laboratório de petrografia de fama internacional, contri-buições temporárias de personagens influentes no setor do restauro, visitas guiadas a vários monumentos, perío-dos de treinamento em importantes canteiros de obras em vários lugares da Itália.
Era um programa específico, completo, desafiador e prático que nenhuma outra universidade em tal setor já tinha configurado, aprofundamento das ciências afins e conhecimento das tradições construtivas no decorrer da história. E mais, quando o curso já funcionava, há alguns anos, o Ministério Italiano da Universidade e da Pesqui-sa, com base em resultados de uma comissão nacional do trabalho, encarregada de organizar um Novo Sistema das Faculdades de Arquitetura, reconheceu, oficialmente, o Curso de Graduação em História e Conservação formata-do exatamente como o curso veneziano e, com o Decreto Ministerial do dia 19 de julho de 1993, instituiu o título de Doutor em História e em Conservação dos Bens Arquite-tônicos e Ambientais para todos os que haviam obtido tal formação. Era um verdadeiro reconhecimento.
Mas após a satisfação da vitória (ou, ao menos, o que assim me parecia) que a qualidade e a articulação de nos-so projeto tinha provocado, veio a desilusão, os primeiros
sinais da derrota.
Não tínhamos considerado a força daquilo que nosso Curso, cientificamente vitorioso, teria suscitado no estado de coisas, nos estatutos consolidados; não tínhamos ima-ginado os conflitos de interesse corporativo que o curso teria criado. Nós, historiadores, não tínhamos considerado a complexidade da história; nós, historiadores, enfrenta-mos a negatividade da história. Nossos graduados, que não eram doutores em arquitetura, não tiveram a possibi-lidade de ter acesso ao exame da Ordem dos Arquitetos. Apesar dos elogio feitos ao seu percurso de estudos que resultou no título de Doutor em História e Conservação (conservação, note-se, implica idoneidade e a capacidade de conservar) não podiam, de fato, assinar um projeto de restauro nem serem responsáveis por um canteiro de obra. De fato, não podiam ser totalmente donos e responsáveis pelo seu próprio trabalho. Tínhamos sido absolutamente ingênuos – ou estúpidos – em acreditar nos valores in-trínsecos das coisas; foi um golpe muito duro, tanto quan-to, ingenuamente, inesperado. Na realidade para olhos habituados a verem os interesses das partes e o tenso equilíbrio existente entre elas, era facilmente previsível; o fato revelou o erro puramente político-estratégico que, no entusiasmo, tínhamos cometido.
Procuramos ajuda. Com dificuldade, recebida de um dos mais proeminentes funcionários do Ministério Italia-no das obras Públicas, a única instituição que poderia, se quisesse, resolver ou propor a solução, colocamos a questão com a esperança de ajuda. Não foi assim: apesar
41 40
de apreciarem e reconhecerem o título pessoal do nosso curso de estudos, a autoridade consultada disse-nos, cla-ramente, que talvez a questão tivesse alcançado um re-sultado positivo se tivéssemos achado uma personalidade política com “ombros fortes” (palavras textuais), alguém que tivesse força e autoridade de romper os entraves dos direitos considerados ameaçados e fazer aceitar a admis-são dos nossos graduandos em um Exame da Ordem que legitimasse a responsabilidade do próprio trabalho. Não havia nenhuma consideração para a validade intrínseca do curso. A resposta da “política” e a força do “estado de fato” foi funesta e o curso se tornava inútil, quase paradoxal. Não se reconhecia nenhum direito de exercitar a profissão sem a subordinação a um arquiteto normal, cujos estu-dos, absolutamente, não coincidiam com as finalidades e procedimentos da verdadeira, bem fundamentada, sábia e responsável ação de conservação e restauro. Nesse meio tempo, infelizmente, antes de iniciar, no novo curso, as esperadíssimas aulas de História da Arquitetura Moder-na (do século XV ao XVIII), as quais seriam realizadas por Manfredo Tafuri, ele veio a falecer sem a satisfação de ver realizada uma sua ideia.Continuamos da mesma forma. Mas, era inevitável, com o entusiasmo abatido e o per-curso, profundamente enfraquecido. Não muito tempo de-pois, superando o descontentamento e a derrota, ganhan-do não poucas, mas amarguradas resistências internas, a maioria do Conselho de docentes decidiu fechar o Curso, excluindo-o do Estatuto de nossa Universidade (que, por sua vez, em seu conjunto nunca mostrou nenhuma
par-ticular solidariedade). A proposta feita pelo importante dirigente ministerial a nós, docentes e responsáveis pelo curso, nos pareceu indigna e, por orgulho, jamais procu-ramos esse tal “paladino” político. Por outro lado, prova-velmente, jamais o teríamos encontrado para realizar uma ação destinada a sacudir o equilíbrio e os interesses do sistema existente. Sim, foi uma verdadeira derrota, mas por causa de um conservadorismo próprio de quem não pretende, de forma alguma, minar o equilíbrio existente por causa de uma visão cínica da política de alguns al-tos, muito altos funcionários. Foi uma derrota, mas agora, decorridos muitos anos, estou convencido de que a der-rota também foi consequência de nossa miopia, por não considerarmos de forma correta as inércias da história e, por que não, até mesmo pelo pecado do orgulho. Comete-mos o erro de acreditar que o valor da substância de uma ideia teria comportado, por si só, sua realização. Não foi nada assim. Talvez, aliás com certeza, nós, do novo curso tenhamos tido pouca inteligência estratégica, e não leva-mos em conta as intrincadas realidades do nosso país (o que já é uma grande culpa); éramos historiadores mas não entendemos o contexto histórico no qual agíamos e a for-ça política corporativa das diversas ordens. Agimos como se as ideias encontrassem força em si próprias (o grave erro dos iluministas). Para prosseguir talvez devêssemos ter transformado nosso curso em um Curso de aperfei-çoamento destinado a engenheiros e arquitetos (o que consistiria em nove anos de estudos). O impulso tinha se apagado, mas não era esse nosso objetivo, nem tínhamos
43 42
mais forças ou, pelo menos, a convicção de enfrentar novo encargo. Comemoramos as últimas graduações e, amargu-rados, fechamos o curso dando fim ao projeto.
Compartilhando as mesmas ideias e apreciando nos-sas tentativas, talvez, outros encontrem a força não só de tentar outra vez, mas também, agora o sabemos, a for-ça e o inicial apoio político, ambos necessários para dar saltos mais equipados e seguros. Afinal, é para isso que servem as vanguardas, a ingenuidade e, as experiências negativas. Estas últimas, principalmente, são mais uteis à história que as vitoriosas.
Quero concluir com essa esperança.
The course “History and Conservation of Architectural Goods: a Contrasted Experience”
“La vera terra dei barbari non è quella che non ha mai conosciuto l’arte, ma quella che, disseminata di capolavori, non sa né apprezzarli né conservarli”
45 44
La formazione
Non so se Manfredo avesse in mente il passo di Proust quando la concepì ma è certo che la sua idea di creare allo I. U. A.V. (allora Istituto Universitario di Architettura di Venezia) un Corso di Laurea propriamente finalizzato alla profonda conoscenza sia degli intenti formali sia delle caratteristiche più intime della costruzione materiale del patrimonio archi-tettonico ereditato dalla storia e alla conseguente sua rigo-rosa conservazione sembra ispirarsi alle parole dello scrittore francese.
L’Italia è in Europa e nel mondo un paese del tutto par-ticolare, anzi unico: unico per la sua morfologia e per la sua storia e, unite ad esse, per la ricchezza e la varietà del suo patrimonio architettonico che possiede. Una ricchezza e una varietà che devono – o dovrebbero – essere preservate e conservate con il massimo rispetto possibile dell’originale e quindi con organicità e sapienza d’azione; sapienza d’azione fondata sull’analitica minuziosa conoscenza delle strutture originarie, del comportamento statico e dinamico, dei muta-menti e delle tracce lasciate – inevitabilmente – in esse dal tempo e dagli uomini. Dalla protostoria sino al XVIII secolo, nelle terre della penisola e delle isole ove si crearono nume-rosissime comunità e successivi numerosi stati che, riunifi-cati nell’800, formarono l’Italia attuale, crebbero in numero quasi iperbolico edifici d’ogni genere e fattura, dalle diverse dimensioni, dai diversi impianti, dai diversi materiali. Edifici e complessi edilizi situati in contesti fisici molto vari: sulla solida roccia, sui più cedevoli colli, sulle pianure
alluviona-li, sui terreni bonificati, persino nell’acqua salmastra. Nello scorrere del tempo e delle ere nei diversi suoli della penisola e delle isole maggiori costruirono via via uomini dell’eneoli-tico, Etruschi, Greci, Romani, Bizantini, Germanici, Normanni, Saraceni, cittadini dei Comuni e dei Regni medievali, delle Signorie e delle Repubbliche rinascimentali, dei più moderni Regni Sabaudo e Borbonico e (se vogliamo abbondare) del drammatico XX secolo. Ad ogni epoca corrisposero non solo concezioni e creazioni formali ma anche tecniche, procedure e tradizioni costruttive diverse come diversi furono i mate-riali da costruzione, tratti dai luoghi vicini o prossimi o fatti giungere da lontano.
Insidiato dal tempo, dalle forze e dalle catastrofi naturali ma forse, in ugual modo, se non maggiormente, dalle mano-missioni o dai danni arrecati dagli uomini nel corso dei secoli, l’immenso, vario, articolato patrimonio architettonico unico al mondo che le ultime generazioni italiane hanno ereditato e le future erediteranno, necessita (o, meglio, necessiterebbe) di cure periodiche regolari, manutenzione costante, protezio-ne vigile ed assoluta. Altrimenti l’Italia si merita appieno il titolo proustiano di nazione “barbara”.
Nelle Facoltà di Architettura italiane e nel nostro Istituto Universitario di Architettura di Venezia, al tempo di Manfredo e del Dipartimento di Storia dell’Architettura da lui diretto, erano operanti solo due Corsi di Restauro previsti dall’ iter di studi: pochi e comunque insufficienti ad abbracciare seria-mente le moltissime conoscenze e le molte scienze necessarie ad agire per la conservazione materiale dell’antico senza al-terarlo, tradirlo o distruggerlo, un antico tanto vario quanto