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A construção identitária da sociedade portuguesa segundo José Mattoso. Uma proposta de tradução.

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Academic year: 2021

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Corso di Laurea Magistrale in

Lingue e Letterature Europee,

Americane e Postcoloniali

Tesi di Laurea

A construção identitária da

sociedade portuguesa segundo

José Mattoso

Uma proposta de tradução

Relatore

Ch. Prof. Vanessa Ribeiro Castagna

Correlatore

Ch. Prof. Carla Valeria Faria de Souza

Laureando

Alice Tiozzo Canella

Matricola 838513

Anno Accademico

2016 / 2017

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1

ÍNDICE

INTRODUÇÃO ... 2

CAPÍTULO I Origens de Portugal na obra do historiador José Mattoso ... 5

I.1 José Mattoso e o estudo da contrução identitária da nação portuguesa ... 5

I.2 A importância da Identificação de um País... 11

I.3 Traduzir José Mattoso ... 20

CAPÍTULO II Identificação de um País numa proposta de tradução ... 23

Apresentação ... 23

Costruzione identitaria di un Paese ... 26

CAPÍTULO III Teorias e prática do processo tradutório ... 107

III.1 A presença do tradutor no metatexto ... 107

III.2 A tradução especializada no domínio historiográfico ... 117

III.3 As escolhas tradutórias ... 125

III.3.1 Assimetrias entre sistemas linguísticos ... 125

III.3.2 Organização textual e opções estilísticas ... 127

III.3.3 Terminologia e normalização ... 131

CONCLUSÃO ... 136

(3)

2

INTRODUÇÃO

A tradução é um infinito desafio que coloca o tradutor em situações complicadas e o obriga a fazer escolhas por vezes difíceis, principalmente se se trata de um texto literário, no qual é o resultado artístico a ser posto em causa. No entanto, o objetivo do presente trabalho é pôr em luz as dificuldades e as fases tradutórias de uma categoria sobre a qual não se discute o suficiente: a tradução especializada. Esta área da tradução é o resultado de estudos realizados nas últimas décadas, com o aumento da troca informatizada das informações técnicas de um lado para o outro do mundo.

No nosso caso concreto, para aprofundar os estudos nesta área, escolheu-se abordar a tradução de uma obra ensaística de caráter histórico, de elevada importância académica no meio cultural português. A proposta de tradução, nomeadamente, é do texto vencedor do Prémio Alfredo Pimenta de História Medieval Identificação de um País — Ensaio sobre as origens de Portugal 1096-1325 do célebre historiador José Mattoso. No presente trabalho, vamos, em particular, refletir sobre a tipologia de texto e a melhor metodologia tradutiva a adotar e vamos propôr a tradução da obra para a língua italiana. Portanto, a nossa finalidade não é só apresentar uma tradução, mas aproveitar a experiência tradutória em função de um discurso mais amplo sobre as características da tradução especializada, para concluir fornecendo alguns exemplos explicativos da metodologia aplicada.

Por estas razões, este trabalho tem vários objetivos. O principal é apresentar a primeira tradução em italiano da obra de Mattoso, que proporcionaria ao público italiano uma elevada quantidade de informações de caráter histórico, totalmente ausente na bibliografia disponível em língua italiana. Em segundo lugar, numa perspetiva teórica, visamos analisar a categoria dos textos especializados na área dos estudos de tradução. Por fim, pretendemos evidenciar as características morfossintáticas das duas línguas envolvidas no processo, relacionando-as com as modernas teorias tradutórias.

O trabalho apresentado está estruturado em três capítulos dedicados respetivamente à apresentação do texto original de José Mattoso, à tradução inédita do mesmo para italiano e ao comentário à tradução. O primeiro capítulo é fundamental para conhecer, sob o ponto de vista crítico, a obra original, de modo que se possa compreender o meio cultural em que a mesma surgiu, qual o leitor alvo e o sucesso que registou. Portanto, neste primeiro capítulo explicitam-se as finalidades do ensaio e a metodologia aplicada por Mattoso, em particular a complicada tentativa de trazer à luz os elementos de caráter social que resultaram na

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3 descrição dos procedimentos iniciais de identificação do povo, na nação portuguesa. Em particular, o autor decide descrever a condição social portuguesa entre 1096 e 1325 para apoiar as suas teses na organização da sociedade portuguesa mais pobre, e também nas influências culturais e religiosas da época. No mesmo capítulo, faz-se também a descrição da organização do texto original e apresentam-se todas as suas características estruturais e formais, que fundamentam a proposta de tradução.

O segundo capítulo é dedicado à proposta tradutiva de alguns capítulos do volume I de Identificação de um País (1988). A seleção dos trechos seguiu uma regra temática que tentou apresentar, no conjunto, a composição e os papéis de cada camada social em relação com a outra. Nomeadamente, na primeira parte, trata-se maioritariamente das relações de dependência entre as diferentes camadas sociais, até explicar as diferentes tributações, as obrigações e os privilégios em relação ao sistema social em senhorios. Na segunda parte da obra selecionada para a tradução, as temáticas abrangidas enfrentam a função religiosa como elemento de agregação e a influência cultural e linguística da presença moçárabe no futuro território português. A organização do texto traduzido respeita o modelo original e apresenta as devidas alterações gráficas consequentes à seleção do texto.

O terceiro capítulo é dedicado ao comentário da tradução e às reflexões mais específicas sobre a tradução especializada de português para italiano. A parte inicial está totalmente dedicada a descrever as características do ensaio escolhido, desde questões mais gerais como o estilo do autor até às mais peculiares como a escolha do título, explicando, portanto, como foram reconhecidas e traduzidas no texto de chegada. Em seguida, trata-se da função do tradutor, da sua presença na tradução e da investigação pessoal implícita num trabalho de tradução especializada. Por seu lado, a segunda parte do capítulo final apresenta, de uma maneira muito mais específica e em pormenor, o comentário das escolhas adotadas durante a fase tradutiva, tendo sempre em conta o sistema de correspondências linguísticas entre as duas línguas neolatinas bem como das suas assimetrias. Enfrentam-se, ainda, as questões formais e terminológicas que afetam a tradução de um texto especializado.

A tradução especializada que vamos apresentar constitui, de facto, um desafio quer pela tipologia textual, quer pela temática tratada, quer pelo prestígio do prémio recebido, quer ainda pela complexidade da estrutura e do conteúdo da obra original. A metodologia de análise do texto e da tradução foram fundamentais para resolver as muitas problemáticas próprias de um trabalho de teor linguístico que, por sua natureza, não conhece traduções sem resíduos, equivalências terminológicas sempre perfeitas e tradutores invisíveis. Podemos

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4 resumir o sentido deste trabalho retomando a ideia que Umberto Eco expressou em Dizer quase a mesma coisa1, ou seja, a inexistência da tradução perfeita e a necessidade por parte do tradutor de negociar com o texto original e com o autor que está a traduzir, representando também os seus leitores, respeitando a língua, a cultura e as exigências comunicativas quer no contexto de partida, quer no de chegada.

1

(6)

5

CAPÍTULO I

As origens de Portugal na obra do historiador José Mattoso

I.1. José Mattoso e o estudo da construção identitária da nação portuguesa

Portugal não nasceu já com língua, tradições, religião e, especialmente, uma estrutura social bem definida. Contar a história, os eventos históricos e especificar as fronteiras de um território não justifica uma nação. A nacionalidade constrói-se com pessoas, relações sociais, com Oposição e Composição, citando os nomes dos dois volumes da obra estudada: Identificação de um País — Ensaio sobre as origens de Portugal 1096-1325 do historiador José Mattoso.

José Mattoso é um dos maiores historiadores medievalistas portugueses. Com este ensaio, tenta responder a uma ausência de escritos sobre a formação da nacionalidade na bibliografia portuguesa, por isso regressa aos primeiros anos da história de Portugal para apresentar a história feita por gente camponesa e privilegiada, por dificuldades, injustiças e tudo o que compõe a sociedade e o quotidiano. As relações entre as classes revelam as trocas, os estímulos e a composição da gente que constituiu o inicial Condado Portucalense. O trabalho de Mattoso não pretende definir quais são as parcelas que, somadas, dão a nacionalidade portuguesa, mas sim tirar uma fotografia da sociedade nos primeiros séculos de vida de Portugal, enquanto complexa e mutável por definição.

Este importantíssimo trabalho historiográfico junta-se a um rol de publicações históricas do mesmo autor, especializado de facto na época da Idade Média. José João da Conceição Gonçalves Mattoso nasceu em Leiria no dia 22 de janeiro de 1933 e desde sempre interessou-se por ciências humanas. Começou os estudos na Bélgica, graduando-interessou-se em História, e depois retirou-se para a ordem beneditina onde se tornou monge. Mais tarde, com 33 anos, doutorou-se em História Medieval na Universidade Católica de Lovaina. Em 1970 voltou definitivamente à laicidade para dedicar o resto da sua vida à investigação histórica, começando como assistente na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, até se tornar professor catedrático no Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH/NOVA), da qual foi também o diretor (1986-1988). Foi fundador do Instituto de Estudos Medievais (IEM) e, em 1985, recebeu o prémio de História Alfredo Pimenta em virtude da obra que propomos em tradução, inicialmente

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6 intitulada Quinas e Castelos — Identificação de um País. De modo a evitar confusões com uma publicação de 1948 com título similar, a obra foi renomeada para o título atual. José Mattoso foi nomeado diretor da Torre do Tombo pela qual atuou um plano pela reorganização dos serviços entre 1996 e 1998. Em 2002, após a independência de Timor-Leste, foi enviado para lá por Portugal, a fim de organizar e recuperar os Arquivos Históricos, Nacional e da Resistência. Portanto, teve um importantíssimo papel na defesa e proteção da cultura lusófona, também como diretor do trabalho da obra coletiva Património de origem portuguesa no mundo (2010).

José Mattoso é um historiador internacionalmente reconhecido e autor de muitas edições de caráter histórico, medieval e social, obras-primas em Portugal. Os numerosos trabalhos intelectuais direcionam-se sempre para a sua especialização sobre a Idade Média, na sua subtil sensibilidade pela estrutura social e a relevância dos estudos históricos do quotidiano. Em 1987, venceu o prémio Pessoa pelas suas prestigiosas investigações históricas e, em 1992, recebeu o título honorífico de Oficial da Ordem Militar de Santiago da Espada, vencendo ainda o Prémio Internacional de Genealogia Bohüs Szögyeny em 1991 e o Troféu Latino em 2007. Em 2012, o Prémio Nuno Viegas Nascimento escolheu-o pelo trabalho Património de Origem Portuguesa no Mundo: Arquitectura e Urbanismo. Património de influência Portuguesa e, no mesmo ano, nasceram pela Fundação para a Ciência e Tecnologia as bolsas de investigação José Mattoso, dedicadas aos estudantes de doutoramento e mestrado com projetos investigativos históricos na área do desenvolvimento da ciência em Portugal.

Atualmente, José Mattoso, como declarou durante a homenagem do lançamento das suas Obras completas em 2001, retirou-se da investigação científica utilizando esta última publicação como se fosse “o testemunho da própria vida”. Este volume torna-se simbólico porque sintetiza os seus trabalhos desde a tese de licenciatura de 1960 traduzida do francês, até à última investigação sobre o imaginário medieval de 1999, demonstrando assim a sua paixão pelo estudo de uma época que desempenhou um papel fundamental para a cultura e a identidade portuguesa. Recém-chegado da missão em Timor com vista à organização do arquivo histórico, o autor aproveitou o evento organizado pelo Círculo de Leitores para anunciar a sua retirada científica e começar um percurso de íntima reflexão e vida espiritual: “Agora, só quero desaparecer um pouco”. Mas, em 2007, venceu também o Prémio Troféu Latino recebido pela Organização Internacional União Latina que escolheu José Mattoso pelo “valor da sua obra de historiador de projeção nacional e internacional, com especial contributo

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7 para o conhecimento da identidade portuguesa e das raízes da Europa, com relevo para a componente latina”.

A sua extensa bibliografia de âmbito histórico sobre a Idade Média é prova da relevância intelectual histórica de José Mattoso no contexto português. Alguns exemplos das suas obras mais conhecidas são A nobreza medieval portuguesa (1981), Ricos-homens, infanções e cavaleiros (1982), Fragmentos de uma composição medieval (1987), O essencial sobre a formação da nacionalidade (1985) e, obviamente Identificação de um País (1985). Colaborou nas obras coletivas História da vida privada em Portugal, Património de origem portuguesa no mundo e coordenou a edição de História de Portugal (1993-1995). Mas, recentemente, o autor destacou-se por dar muita importância ao comportamento da sociedade em relação à história e como esta muda com a primeira. Um exemplo é a breve publicação de 1999, A Função Social da História no Mundo de Hoje, espelho de um processo reflexivo também presente em Identificação de um País.

Esta obra, ao contrário das outras, foca-se principalmente na composição social da sociedade portuguesa entre 1096 e 1325. Neste ensaio trata-se mais a relação entre camadas sociais, os invisíveis pormenores, palavras específicas, as injustiças dum País à procura duma maior estabilização. É claro que se trata de um texto dedicado a um público universitário, que pretende fornecer informações difíceis de entender sem uma profunda investigação. No prefácio do livro, o autor esclarece o intuito do trabalho: analisar com muita atenção as estruturas da organização social em conjunto com a mentalidade da época, tudo isso no interior das fronteiras nacionais. Identificação de um País trata de homens concretos, da sua maneira de pensar e de viver. O autor quer corresponder o ensaio à escola da “nova história”, portanto não trata o tema da nacionalidade considerando-o “fora de moda”, mas enfrenta-o sob o ponto de vista das estruturas e das inter-relações sociais dentro do fenómeno nacional, elemento ordenador do conjunto.

A obra que vamos apresentar foi publicada pela primeira vez em 1985 e quase imediatamente reeditada “para a completar com alguns dados bibliográficos, corrigir certos pormenores e acrescentar novas informações”, até chegar à última edição em 2015, depois de trinta anos, pelo Círculo de Leitores: a única edição publicada num único volume. O texto foi sempre publicado pela Editorial Estampa em dois volumes: o primeiro chamado Oposição, o segundo Composição. Como é evidente, José Mattoso adotou o critério da divisão em oposição-composição, também com a ajuda visual dada pela divisão em dois volumes, para tratar uma temática muito extensa e complexa utilizando um esquema claro para a organizar.

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8 Quer em filosofia, quer em psicologia, a metodologia de conhecimento por contraste ajuda no processo de entendimento e investigação.

O próprio título do ensaio explica o complicado projeto do historiador. A sociedade e a história são dois elementos que se unem indissoluvelmente na época e na maneira tratada. É, pois, evidente a complexidade da intenção. Os limites geográficos são essenciais para manter a coerência e encontrar uniformidades ou discrepâncias ao estudar a composição social e organizativa nos primeiros séculos de vida de Portugal. O segundo e importantíssimo limite que o autor colocou foi determinar os limites temporais na investigação, duas datas significativas para uma nação à procura de um rumo, uma identidade política, linguística, religiosa e, além disso, organizativa: o período entre 1096 e 1325.

Como José Mattoso explica no terceiro capítulo do volume Oposição, no subcapítulo “O corte cronológico”, 1096 é o ano em que o Condado Portucalense passou a ser uma entidade política e a englobar duas unidades existentes até ali, mas que sempre tinham sido independentes uma da outra: o Condado Portucalense e Coimbra. Este ano não foi escolhido só por razões políticas, mas também pelas mutações importantes de âmbito económico, demográfico, sociocultural e militar que determinaram uma obrigação de reorganização em todos os campos. 1325 é o ano da morte do rei D. Dinis, mas foi escolhido também enquanto ano indicativo como terminal de um período de formação e constituição dos primeiros órgãos de Estado monárquico português. Portanto, encerra um período onde começaram as primeiras tentativas de centralização, mais decisivas nas épocas seguintes. Com a guerra civil de 1319-1324 terminou a última reação importante das antigas estruturas senhoriais e, até 1325, registaram-se poderes políticos que se podiam opor à tentativa de um processo de união. Então, o período entre 1096 e 1325 foi selecionado pelo autor como época do Portugal primordial, caracterizado pelo trabalho da classe nobre com vista a um ajuste centralizador interno e pela conquista da supremacia social no país. A periodização de José Mattoso indica uma época de mudanças em todos os aspetos. De facto, corresponde às lutas iniciais entre as forças locais contra os elementos unificadores. É claro que alguns eventos ou decisões aplicadas comportaram mudanças decisivas: as resistências locais, o processo de senhorialização, as fases da guerra externa, a coordenação por parte de um aparelho estatal.

De facto, o título por extenso Identificação de um País — ensaio sobre as origens de Portugal 1096-1325, sintetiza claramente o contexto da investigação, o espaço, o tempo e a tentativa de encontrar elementos para estudar a composição inicial e a construção identitária nos primeiros séculos da nação portuguesa. É evidente que, como já se aludiu, o ensaio tem

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9 um fim e uma fruição universitária, pela quantidade de material e precisão de referências, citações em latim e adaptações de português medieval, a complexidade da investigação e alusões a elementos não explicados no ensaio, tratando o leitor enquanto estudioso que não precisa de explicações ou explicitações sobre o tema. Este trabalho constitui uma excelente fonte de material para investigações posteriores, uma linha orientadora para o estudo da época e, por fim, uma magnífica tentativa de descrição social.

A estruturação do ensaio em dois volumes, Oposição e Composição, como se viu, confere um esquema ao discurso do autor. A intenção de definir por contraste ajuda o leitor a entender o contexto social, aparentemente simples, feito por senhores e “dependentes”, e aproxima-o das diferenças sociais nos primeiros duzentos anos de vida do país. Mattoso sensibiliza para a perceção da estrutura social diferente entre Norte e Sul, as Beiras e o Algarve, as romarias dos litorais e aquelas do interior, a força da religião cristã e as influências muçulmanas. O clima do norte rico em vegetação e serras contrasta com o sul pobre e pouco fértil. É claro que a natureza, a colocação geográfica, a religião e outros elementos compuseram a Oposição necessária para descrever a Composição coerente do perfil social do recém-nascido Portugal.

Pelo prestígio da autoria, a complexidade do objetivo, a recuperação de fontes e dados de fruição não fácil e, consequentemente, um público selecionado e de investigação, além da exclusividade da temática na bibliografia portuguesa, o ensaio Identificação de um País representa um texto crítico de referência no panorama intelectual histórico português. Para além disso, são muitíssimos os textos, as pesquisas e outros ensaios que têm esta obra como referência bibliográfica e de estudo. Há ensaios que não são propriamente de história, mas que se referem ao trabalho de Mattoso pela complexidade e pelas diferentes temáticas enfrentadas ao longo dos capítulos. Alguns exemplos são o ensaio de psicologia social State power and the genesis of Portuguese national identity de José Manuel Sobral2, e aquele de urbanismo de Luísa Trindade, Urbanismo na composição de Portugal3. Estas citações completaram o texto com diferentes objetivos: a primeira como suporte a uma descrição da formação inicial da sociedade nacional, a segunda utiliza as informações fornecidas para dar mais estabilidade ao próprio trabalho, aprofundando a situação urbanística de Portugal entre os séculos XI e XIV descrita por Mattoso ao retratar a geografia e a natureza, desenhando assim a distribuição urbana durante a época medieval.

2

J.M. Sobral, “State power and the genesis of Portuguese national identity”, in Power and Identity, New York, Psychology Press, 2015, pp. 31-49.

3

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10 Como já foi referido na introdução, o ensaio foi apreciado com entusiasmo pelo público português. De facto, a primeira edição de 1985 esgotou em pouco tempo e levou o trabalho do autor à segunda edição, a qual foi publicada nos primeiros meses do ano seguinte. O público português universitário, além de investigadores da área, constitui a maioria do público deste ensaio e é também por esta razão que o texto está presente em quase todas as bibliotecas universitárias e de investigação. Mas, infelizmente, o único trabalho de Mattoso traduzido é o artigo “As três faces de Afonso Henriques” publicado na revista Penélope, Fazer e Desfazer a História, traduzido para italiano por Rita Desti e com a integração das ilustrações de Carlo Zinelli4.

Na bibliografia histórica italiana está completamente ausente um texto que se possa pôr em paralelo com Identificação de um País. Encontram-se em língua italiana exclusivamente livros de formação universitária que tratam a Idade Média em Portugal, amiudadamente em comparação com outras regiões ou no quadro de um desenho comum da sociedade medieval. A tradução do livro de J. H. Saraiva, Storia del Portogallo (2004), trata da história de Portugal, ma, não fornece uma informação mais específica sobre a época medieval. Encontram-se obras coletivas, onde a situação portuguesa é colocada no plano de um discurso geral “europeu” ou de uma apresentação do contexto português, mas sem distinguir com tanto cuidado, por exemplo, todas as nuances sociais que existem na realidade, por exemplo, entre Trás-os-Montes e o Alentejo. Um exemplo disso são as páginas de Il Portogallo nel Medioevo na coleção em sete volumes de Stroria del mondo medievale5, onde se pretende dar uma imagem da realidade medieval portuguesa entre outras centenas de páginas dedicadas a zonas geográficas diferentes.

A bibliografia italiana necessita da tradução do ensaio de José Mattoso, quer pela ausência de informação tão minuciosa em italiano, quer pela esquematização dos caracteres estruturais da sociedade medieval portuguesa e a relação entre rei, senhores e “dependentes”. No estado atual, um leitor italiano está excluído do encontro com material interessante para investigações sociológicas, históricas, linguísticas e útil para comparações com outras terras europeias, para além de pesquisas peculiares sobre Portugal, evitando a tendência comum de associá-lo a características mais geralmente ibéricas durante a Idade Média. Nas estantes de história em língua italiana, encontram-se apenas dois livros de história

4

J. Mattoso, I tre volti dell’eroe fondatore, Verona, Colpo di fulmine, 1992.

5

E. Prestage, “Il Portogallo nel Medioevo”, vol. VII, pp. 576-610, in Storia del mondo medioevale, Milano, Garzanti, 1981.

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11 portuguesa: a Storia del Portogallo (2004) de José Hermano Saraiva6; e a Storia del Portogallo (1940) de Ferrarin7. Obviamente, estão longe de fornecer a mesma tipologia de informações de uma possível tradução de Identificação de um País.

Tratando da área de estudos lusófonos, o ensaio de Mattoso fornece dados e terminologia fundamentais para uma completa investigação histórica mas, ao mesmo tempo, enfrenta a complexa questão da nacionalidade através do quotidiano e, nas páginas selecionadas pela proposta de tradução, a temática estrutura-se entre a composição da sociedade, as ligações fiscais, os privilégios, a distribuição dos poderes entre conselhos e senhorios, mas com a tentativa de constituir, no fim, uma organização nacional apesar das diversidades intrínsecas. O trabalho de José Mattoso é complexo e fundamental ao fornecer uma base de estudo aos investigadores da Idade Média portuguesa, mas trata de uma temática que necessita de uma tradução italiana por ter um tema universal: a identificação nacional.

De facto, a obra Identificação de um País — ensaio sobre as origens de Portugal 1096-1325 exigiria uma versão italiana pela total ausência de informações históricas e sociais específicas que este ensaio vem colmatar sobre a tentativa inicial de formação nacional, originariamente percebida pelas classes mais altas, mas que aquelas mais pobres sofrem na organização fiscal, territorial, jurídica e mesmo religiosa.

I.2. A importância da Identificação de um Pais

Como se tentou demonstrar, José Mattoso é um historiador medievalista de fama internacional e um dos melhores intelectuais portugueses de hoje. A sua obra, Identificação de um País, necessitaria portanto de ser conhecida fora de Portugal por ser transmissora de conceitos e informações necessárias também a investigadores estrangeiros, para pesquisas quer de âmbito português, quer em geral sobre a construção da identidade nacional. A proposta de tradução apresentada a seguir surge do reconhecimento da importância nacional e internacional do texto, pelo prestígio do autor e, especialmente, pela temática enfrentada. Para além dos investigadores portugueses, há muitos outros historiadores interessados no caso lusófono. De facto, o texto encontra-se em diferentes bibliografias de ensaios, artigos,

6

J.H. Saraiva, Storia del Portogallo (trad. di Pasquale Sacco), Milano, Mondadori, 2004.

7

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12 teses de licenciatura ou livros. O ensaio enfrenta a primeira fase da organização nacional do país, a procura do equilíbrio político e social para uma construção identitária, que é uma temática interessante e com muitíssimos dados que a suportam. Identificação de um País é um ensaio complexo, mas estimulante quer a nível pessoal ou individual, sobre a própria identificação com a sociedade portuguesa, quer enquanto conceito universal, que pode ser estendido a todas as outras nações do mundo. Por essa razão, considera-se que seria pertinente uma tradução italiana, para que o ensaio se possa tornar consultável por muitos mais investigadores sem o obstáculo da língua.

Com a primeira proposta de tradução de um livro de Mattoso, especialmente do vencedor do Prémio Pimenta, dá-se a conhecer ao meio académico italiano um grande especialista de ciências sociais e um ensaio importante. É claro que propor uma tradução de um autor que só foi traduzido uma vez para italiano pode estimular mais curiosidade e, talvez, pode ser uma ótima ocasião para promover o interesse em conhecer outros trabalhos do autor. Atualmente, os únicos textos em Itália onde o ensaio proposto se encontra citado ou em bibliografia são as revistas especializadas em história medieval, como o boletim de bibliografia histórica Medioevo latino: bollettino bibliografico della cultura europea da Boezio a Erasmo (secoli VI-XV)8 que, com publicações periódicas sobre as bibliografias dedicadas à Idade Média, inclui Identificação de um País neste número com uma breve apresentação do texto mas, infelizmente, em português. O problema persiste porque, embora o texto tenha título italiano e seja publicado em Itália, neste caso a proposta do texto de Mattoso foi feita quase certamente pela redação do Porto do boletim. Portanto, continua a faltar uma ligação direta entre o ensaio e os leitores italianos, isto é, uma tradução italiana.

Não existe uma tradução italiana deste ensaio mas, como já foi dito, é possível encontrar ensaios que se referem à bibliografia de José Mattoso, quer como simples referência bibliográfica, quer com uma clara necessidade de o explicitar no discurso para conferir maior respeitabilidade à informação. Identificação de um País é um texto útil para diferentes disciplinas, tais como urbanismo e sociologia, como já vimos, mas também para o estudo da distribuição dos poderes e autoridades clericais9. De facto, especialmente os textos de temática religiosa encontrados desfrutam de toda a terminologia referida pelas inquisições

8

C. Leonardi e L. Pinelli, Medioevo latino: bollettino bibliografico della cultura europea da Boezio a Erasmo (secoli

VI-XV), Firenze, SISMEL-Edizioni del Galluzzo, 2007.

9

Cfr. H.V. Vilar e M.J. Branco, Ecclesiastics and political state building in the Iberian monarchies 13th-15th centuries,

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13 que se tornou, com o trabalho de Mattoso, informação de fácil fruição e mencionada num ensaio sem acessibilidade limitada.

Consultando os catálogos das bibliotecas nacionais italianas, a maioria do material em língua italiana que trata de história portuguesa é de história contemporânea e enfrenta o período ditatorial e a revolução do povo português, ou foca-se na fascinante época dos Descobrimentos. Sobre história medieval, há alguns livros da autoria José Mattoso mas, infelizmente, são em português, bem como os textos da historiadora portuguesa Virginia Rau10 e da arqueóloga Catarina Tente11. Mas, além desses textos, há algumas publicações sobre a arte, a cultura, a música portuguesa e, obviamente a literatura portuguesa. Contudo, é difícil obter o mesmo nível de qualidade informativa e quantidade de dados sobre a sociedade medieval portuguesa, como nos dois volumes de Mattoso, em língua italiana. Registam-se, ainda, artigos publicados em revistas italianas que citam Identificação de um País de Mattoso mas os mesmos não são em italiano. Alguns exemplos são, em inglês: Settlement and society in the Upper Mondego Basin (Centre of Portugal) between the 5th and the 11th centuries12; e em francês: Capitaux ecclesiastiques, croissance économique et circuits episcopaux dans la formation du Portugal, XIe-XIIIe siècles13.

Desenhando o mapa dos textos que os estudiosos italianos têm sobre a Idade Média portuguesa onde podem receber a mesma tipologia de informações do texto de Mattoso, observa-se imediatamente que são poucos. Os principais manuais de referência são Storia del Portogallo de Saraiva e o de Ferrarin, sob o mesmo título. Contudo, é claro que, se o leitor quer ir além da simples descrição dos eventos para conhecer a estruturação e a organização da sociedade portuguesa, necessitaria inevitavelmente de consultar Identificação de um País. O problema principal da bibliografia histórica italiana é que não apresenta a descrição da organização social enfrentando-a no âmbito das fronteiras portuguesas e tratando, logo, das diversidades, mas comete sempre o erro arrogante de querer descrever a sociedade medieval portuguesa limitando-se aos elementos em comum. Se recuarmos nos anos à procura de textos mais ricos em informações que possam ser postas em comparação com aqueles de Mattoso, além de breves capítulos enciclopédicos, a nossa pesquisa terá um destino

10

Exceto V. Rau, Affari e mercanti in Portogallo dal 14. al 16. Secolo in Economia e Storia, Milano, Giuffrè, 1967.

11

C. Tente, A ocupação alto medieval da encosta noroeste da Serra da Estrela, Lisboa,Instituto Português de Arqueologia, c2007.

12

Idem, “Settlement and society in the Upper Mondego Basin (Centre of Portugal) between the 5th and the 11th centuries” in Archeologia Medievale, n. XXXIX, 2012, pp. 385-398.

13

S. Boissellier, “Capitaux ecclesiastiques, croissance économique et circuits episcopaux dans la formation du Portugal, XIe-XIIIe siècles”, in Religione e istituzioni religiose nell’economia europea, 1000-1800, n. 43, 2012, pp. 345-360.

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14 dececionante. Um exemplo são os três volumes dedicados à história de Portugal na continuação de Compendio della storia universale antica e moderna14 datados de 1824, onde o período organizativo dos primeiros séculos do nascimento do Condado Portucalense está resumido numa página. Um outro exemplo é Historia del regno di Portogallo15, publicado em 1646 e, é claro, está disponível em poucas bibliotecas e com exclusividade de consulta. Por último, é necessário sublinhar a inevitável distância linguística presente nos últimos dois textos dados como exemplo.

Portanto, as publicações presentes em italiano que dedicam espaço só à história medieval portuguesa são raras e, na maioria dos casos encontrados, estão incluídas em coletâneas enciclopédicas ou tratam do assunto de modo geral para fins práticos. No primeiro caso, todas as obras consultadas referem informações genéricas e o estudo não se enfoca em questões peculiares, mas há a tendência, pela mesma fisicidade do texto, em comparar os eventos de Portugal com a história dos outros países, originando, porém, uma descrição por comparação. Os textos com publicação mais recente que tocam, de qualquer maneira, nas mesmas temáticas de Identificação de um País, não têm o objetivo de tratar de Portugal no específico mas sim de descrever uma época com características comuns. Continuando com uma pesquisa mais temática, sobre a época medieval, quer La grande storia del Medioevo16 de Gatto, quer I mille anni del Medioevo17 de Piccinni, limitam-se a descrever os eventos históricos, tratando os acontecimentos portugueses em relação ao reinado de Castela ou ao fenómeno da Reconquista e à presença moçárabe na Península Ibérica. Nos textos de história medieval, trata-se geralmente de história portuguesa em relação à luta de independência do reinado castelhano e, com a instauração da mesma, os acontecimentos portugueses tornam-se cada vez menos citados e há a tendência de cair num discurso ibérico geral.

É para os estudantes e os estudiosos que querem ir além da macro-história ibérica que os trabalhos de Mattoso se tornam essenciais. Toda a carreira do ex-professor catedrático foi à volta da Idade Média mas, em particular, sobre os aspetos quotidianos da vida civil. Alguns exemplos de publicações com temática ligada à investigação da organização da vida quotidiana durante o período medieval português são Ricos-homens, infanções e cavaleiros: a nobreza

14

D. Bertolotti, Storia di Portogallo dai primi tempi sino ai dì nostri, continuação de Compendio della storia

universale antica e moderna, Milano, Società Tipografica de’ Classici Italiani, 1824.

15

G.B.B. Avogadro, Historia del regno di Portogallo, Lione, D.G., 1646.

16

L. Gatto, La grande storia del Medioevo, Roma, Newton Compton Editori, 2012.

17

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15 medieval portuguesa nos séculos XI e XII18, O essencial sobre a cultura medieval portuguesa (séculos XI a XIV)19 ou A nobreza medieval portuguesa. A família e o poder20. Mas nenhum destes se pode equiparar a Identificação de um País. O autor juntou em quase mil páginas muito do que escreveu nos outros livros, mas reorganizou-o com uma nova temática e um insólito objetivo: justificar o inicial sentimento nacional naquele período que sucedeu ao seu nascimento. Existe outro livro de Mattoso que trata da identidade nacional mas que foi publicado bem longe do ano em que venceu o prémio: A identidade nacional21. Não obstante a rica história editorial do autor, este último ensaio resulta no mais exaustivo além da complexidade do intento e, por esta razão, torna-se num dos textos de referência sobre a temática da formação da identidade nacional e, sob o ponto de vista da seleção em função da tradução, é fundamental para integrar os textos italianos que nem mencionam a questão da organização social e os movimentos verticais entre as classes.

Todas estas características no âmbito português tornam-se mais importantes na proposta editorial italiana, porque esta é totalmente débil ao fornecer ensaios e textos de estudo sobre a questão portuguesa tratada por Mattoso. Por essas razões, traduzir Identificação de um País para italiano teria um propósito funcional, propondo um texto de micro-história ausente na catalogação italiana. De facto, é um texto rico em informações não comuns de encontrar nos livros de história, estando ligado estritamente à vida de todos os dias, condenando assim uma metodologia de estudo anacrónica que tenta encontrar os traços comuns da história, mas que promove um estudo que evidencia as diferenças internas da sociedade que elevou os eventos políticos, as decisões económicas e o movimento centralizador. Deste modo, o autor pretende, através das guerras, das tradições religiosas e do fundamental objetivo político de centralização, justificar a Composição nacional com a Oposição dos contrastes internos.

Por todas essas razões, parece-nos evidente que o ensaio vencedor do Prémio Pimenta, Identificação de um País, merece uma proposta de tradução para a língua italiana. Na seguinte proposta de tradução, em particular, foram selecionados alguns capítulos com base nas temáticas. O método de seleção aplicado baseou-se na curiosidade e na atenção às condições sociais da faixa mais baixa da organização real, por isso a secção traduzida trata em pormenor

18

J. Mattoso, Ricos-homens, infanções e cavaleiros: a nobreza medieval nos séculos XI e XII, Lisboa, Guimarães Editores, 1985.

19

Idem, O essencial sobre a cultura medieval portuguesa (séculos XI a XIV), Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1993.

20

Idem, A nobreza medieval portuguesa. A família e o poder, Lisboa, Editorial Estampa, 1994.

21

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16 dos componentes do grupo dos “dependentes”, a complexa organização tributária, a função religiosa e os prestígios reservados aos intermediários do rei. Os parágrafos selecionados fazem parte do volume Oposição e compõem um importante testemunho para uma específica descrição das condições do povo campesino, escravo das taxações e das liberdades arbitrárias do próprio senhor da terra.

A seleção proposta abrange, na primeira parte, todas as categorias que compõem a mutável formação do reinado organizado em senhorios, e, na segunda, em conselhos. Diferentes organizações têm diferentes composições e problemáticas sociais. A primeira parte da tradução foi extraída do terceiro capítulo, “Os dependentes”, o qual se divide em dois subcapítulos, “As categorias” e “Solidariedades campesinas”. Na secção “As categorias”, José Mattoso desenrola as diferentes figuras sociais presentes em Portugal durante a Idade Média, enfrentando com atenção todos os elementos que compõem a estrutura abaixo do senhor. Esta primeira parte do discurso refere-se quase exclusivamente às regiões do Norte (como Trás-os-Montes e Minho). É importante a ordem de apresentação dos herdadores, dos colonos, dos servos e escravos, dos intermediários e dos assalariados. Os primeiros dois compõem a maioria desta secção porque constituem o grupo mais numeroso: os herdadores, quem gere a terra do senhor, dos quais é necessário esclarecer o estatuto e, os colonos, os trabalhadores da terra, dos quais o autor elenca e explica as diferentes taxações e as injustiças sofridas. Informação igualmente importante, talvez menos comum, são as partes dedicadas às condições dos escravos mouros, os intermediários e todos os outros que não podem ser colocados num grupo social.

No subcapítulo “Solidariedades campesinas”, o autor traça as linhas das relações verticais, o fenómeno da senhorialização, a situação das comunidades dependentes do rei ou do senhorio e o problema da sucessão na linha do parentesco. Esta secção do ensaio é necessária para descrever e investigar os movimentos verticais e as ambições do povo português, que tenta fugir às leis rigorosas dos campos através do encontro. Tal encontro era possível utilizando os espaços religiosos, as igrejas, mas, neste caso, foi aprofundado especialmente o caso das romarias. Pela forte função social, as últimas páginas do capítulo foram dedicadas ao evento religioso que se torna numa função mais propriamente social na visão de Mattoso. É claro que esta parte é necessária para que o leitor entenda a estratificação social e os movimentos entre as camadas para desenhar a sociedade portuguesa na sua complexidade.

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17 Na parte B do volume Oposição, “Os concelhos”, foram selecionados os capítulos “O espaço” e “As categorias sociais” para uma continuação da seleção temática inicial em conformidade com o objetivo de aprofundar o tema da composição social. No primeiro subcapítulo, a introdução de caráter geográfico é necessária para entender a diferente distribuição das terras do Sul de Portugal. Aqui começam as primeiras oposições sobre a distribuição territorial, a divisão em concelhos, a quantidade de produção agrícola e mão de obra. Sucessivamente, o parágrafo dedicado ao encontro entre Cristianismo e Islão explica com clareza as problemáticas do Sul que as regiões do Norte não tinham e, ao mesmo tempo, a composição urbana, cultural, religiosa e linguística. As páginas dedicadas ao estado da questão muçulmana são ricas em informação que desenha uma composição social peculiar no Sul, onde o Islão está misturado com a radicalizada cultura civil e religiosa cristã desde quando Portugal era Lusitânia. Mas esta união difícil de imaginar fornece traços na história toponomástica, toponímica além das técnicas agrícolas e do léxico de referência. No final, trata-se também da colocação social dos Judeus.

O último grupo selecionado é o dos “Cavaleiros-vilãos” para integrar melhor o panorama da estratificação da comunidade da época. Analisa-se a composição da classe e os seus privilégios e fortunas singulares, além das diferentes posições no meio urbano, campesino ou de categoria inferior. No final, dedica-se espaço aos papéis menores na composição social (hortelãos, colaços, jugueiros etc.) e às tipologias de concelhos, ordem administrativa fundamental para a gestão régia das terras sem gerência senhorial.

No seu todo, as componentes foram selecionadas para construir uma descrição em detalhe de todas as nuances da estratificação social. Entender o complexo equilíbrio que cresce juntamente com a consciência nacional é difícil, mas este ensaio propõe uma metodologia de estudo eficaz para enfrentar a temática. O volume Oposição estrutura-se numa introdução geral da ordem jurídica e organização territorial da área portuguesa, depois foca-se nas diferentes classes sociais e nas relações que se criam entre elas (parte proposta em tradução) e o capítulo final dedicado a amplos discursos culturais, sociais, bélicos e económicos. Esta secção final confere valor autêntico ao título ao ensaio, especialmente pela escolha da palavra Identificação porque, enfrentando estas temáticas mais em pormenor, consegue traçar uma linha de comunidade ao longo de Portugal entre 1096 e 1325 e as características em comum que conseguem descrever o país. A constante luta entre oposições produz o volume seguinte: Composição. O processo investigativo, ao definir os contrastes e os pontos em comum no seio da primordial sociedade portuguesa é fundamental para uma

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18 compreensão mais completa das informações e para organizar as respostas a uma questão mais ampla: justificar o nascimento do sentimento nacional que, inicialmente, era sentido quase exclusivamente pelas classes mais próximas do rei, mas que precisa de ser explicado para o demonstrar nos séculos seguintes.

É notável, na obra de Mattoso, o trabalho de pesquisa entre a inumerável quantidade de material fornecido por ambientes religiosos, os quais custodiavam bibliotecas e registos, material necessário à integração das fontes inquisitórias, que são testemunhos principais enquanto fontes de dados numéricos registados, da correspondência da lei no quotidiano e, característica mais interessante, contam a situação real da sociedade através do submetido, sem a intenção de excluir o que não fazia parte da organização régia. As exceções constituem a força do primeiro volume do ensaio. Tornam-se verificadores da história, conferem às leis e aos eventos todas as nuances da vida real. Este balanço de informações compõe um retrato equilibrado ao descrever as oposições interiores à sociedade dos senhorios.

O segundo volume, Composição, tem menos texto porque é composto, em grande parte, pela parte integrativa dos mapas e pelas referências bibliográficas e de suporte ao texto. Além da utilização ao longo de todo o ensaio de partes de textos antigos em original, encontra-se na encontra-secção final do volume Composição uma porção dedicada à documentação gráfica útil para uma melhor compreensão da época, que constitui uma integração do trabalho. Ao longo do texto, segundo o caso, o autor decide colocar em nota uma sugestão de referência a este material. A documentação gráfica final é composta quase totalmente por mapas e, em menor número, por gráficos. Esta parte integrativa, que constitui um apoio constante ao longo da leitura, pode ser dividida numa parte temática inicial e numa parte com informações peculiares das regiões na parte conclusiva. O grupo maior de materiais é aquele dos mapas que mostram ao leitor uma visão geral sobre Portugal inteiro, tratando temáticas de costume social que, visivelmente, se podem mais facilmente distinguir com base nas zonas e nas razões explicadas. Alguns exemplos são a idade média do casamento feminino, as tipologias de instrumento para a pesca e agricultura, os domínios, as propriedades clericais e a rede viária. Os mapas são muito pormenorizados, referindo por exemplo a distribuição dos domínios de Egas Moniz ou as localidades mencionadas na lei de 1290 sobre os tabeliães, sendo que cada mapa refere os nomes de todas as aldeias em detalhe.

O ensaio está estruturado em quatro grandes argumentações: as mutações, a monarquia, a centralização e o regnum. O primeiro capítulo dedica-se à natural mutação da sociedade com o passar dos séculos, com temáticas próximas daquelas tratadas no primeiro

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19 volume como as diferenças demográficas, o desenvolvimento da tecnologia, da economia e, ainda, aspetos culturais. Os outros capítulos dedicam mais espaço às decisões políticas de centralização, à organização do governo central e local, à figura carismática do rei e à relação com a religião. Por fim, descreve o território português e a distribuição das paróquias, além da reorganização em províncias e regiões, para unificar simbolicamente o tema enfrentado nas páginas conclusivas dedicadas aos símbolos de Portugal. Utilizando esta organização no ensaio, o autor descreve, no volume dedicado à Composição, os elementos sociais que se tornaram decisivos para uma união que era inicialmente uma decisão política mas que, com a sua aplicação, abraçou todos os aspetos da comunidade portuguesa, desde a organização do território até ao quotidiano. Na origem da vontade centralizadora e, também, unificadora dos costumes e das oposições citadas na primeira parte de Identificação de um País, há o rei.

A escolha das passagens a traduzir foi feita a partir do quotidiano, uma parte da história raramente tratada porque feita de detalhes e informações peculiares que diferem de freguesia para freguesia. José Mattoso é um investigador amante dos pormenores que, no seu todo, fazem a diferença. Ele está apaixonado pela vida dos homens humildes, sem títulos nem dinheiro, porque ele também se sente um deles. Por essa razão, o ensaio começa com a descrição das estruturas sociais dos homens em que se baseia a pesada organização das terras, descrevendo as problemáticas, a mentalidade e o valor religioso diferentes mas na base da construção de um único reino. De facto, a verdadeira Identificação é entender as distinções que ainda hoje se sentem entre as várias regiões de Portugal, como a questão da diferença linguística, mais galega ao Norte, mais moçárabe ao Sul. Originalmente as divergências eram mais evidentes e mais radicadas na cultura das regiões por encontros históricos diferentes ainda demasiado recentes. Por essas importantes descontinuidades, quer culturais, quer sobre as problemáticas territoriais, a esquematização da composição social, da distribuição dos poderes e uma única força centralizadora debilitam as exceções locais.

A seleção dos capítulos centrais como proposta de tradução implica pouquíssimas referências históricas em termos políticos, mas exclusivamente informações essenciais para a compreensão real dos movimentos sociais, os quais constituem o verdadeiro espírito da descrição, de qualquer modo limitada, das características estruturais da sociedade portuguesa. Para o segundo volume, portanto, a apresentação da organização social da época, tratado no primeiro, representa uma base da qual se pode partir para refletir sobre a composição da nacionalidade de modo a chegar à sua identificação. As diferentes problemáticas na horizontal, ao mudar da geografia entre regiões, e os contrastes e as injustiças que se encontram na

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20 vertical, entre camadas sociais e o papel que cada pessoa tinha, são forças que anulam a oposição interna durante eventos históricos que tornam as fronteiras da natureza naquelas de uma nação.

I.3 Traduzir José Mattoso

A edição de referência utilizada para tradução é a do volume Oposição da terceira edição de 1988. Esta edição reproduz também o prefácio à segunda, relevante sob o ponto de vista da composição textual. De facto, a partir da segunda edição de janeiro de 1986, como já foi dito, o texto foi integrado e ampliado, deixando as novas integrações do ensaio reconhecíveis visivelmente graças à adoção de um tamanho tipográfico mais pequeno. Só a última edição de 2015 pela editora Temas e Debates recorreu ao recente “acordo ortográfico”. Identificação de um País é um ensaio e, pela sua própria forma, o autor utiliza a primeira pessoa singular e exprime ideias e considerações pessoais, além de razões justificadas, para sustentar a sua tese e conseguir, nesse caso, fornecer uma descrição do nascimento, por contraste, do primordial sentimento nacional. No nosso caso, a autoridade do papel cultural de José Mattoso na área de estudos históricos portuguesa permite ao mesmo exprimir posições pessoais sobre algumas questões incertas. De facto, esta premissa fica expressa no prefácio onde, referindo-se à sua intenção de homenagear Alfredo Pimenta, a autor afirma: “Não creio que ponha em causa a sua memória apresentar, como homenagem, uma obra com cujas teses ele decerto não concordaria”22. Coloca-se aqui esta referência para sublinhar a forte posição pessoal de competência histórica que o autor assume desde as primeiras páginas da obra e que se encontra ao longo de todo o ensaio.

A linguagem utilizada pertence ao campo histórico. Por essa razão, a terminologia é específica, as referências não se tornam sempre explícitas e as teses propostas têm de ser confrontadas com aquelas já propostas por outros historiadores de renome como Virginia Rau, Alexandre Herculano ou Alfredo Pimenta. Supõe-se que o leitor deste ensaio tenha um elevado grau cultural porque, na referências aos textos originais são utilizadas passagens no latim original mas, transcritas segundo as normas do Centro de Estudos Filológicos. Esta decisão sobre a reprodução dos textos antigos é explicitada pelo autor na página dedicada às

22

Idem, Identificação de um País — Ensaio sobre as origens de Portugal 1096-1325, Lisboa, Editorial Estampa, 1988, p. 20.

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21 advertências iniciais, em conjunto com a nota sobre a colocação da documentação gráfica e da bibliografia no final do segundo volume. Além dessas anotações, nas advertências o autor reitera a razão da alteração do título da obra, na edição à nossa disposição, presente já no prefácio.

Com efeito, é característica do ensaio histórico a presença de uma linguagem técnica, que com frequência utiliza latinismos e arcaísmos e que, nos capítulos selecionados, corresponde pela maioria dos casos aos nomes das categorias sociais e das diferentes taxações que, pela conotação universitária do texto, nem sempre são explicados. Também por essa razão é evidente que, para Mattoso, o leitor modelo é de instrução superior, é um estudante ou um investigador que não precisa sempre de suportes à leitura, como a tradução a partir do latim. Isso não significa, evidentemente, que o suposto leitor italiano do ensaio de Mattoso tenha de conhecer a língua portuguesa.

A complexidade da tradução de um ensaio histórico é, à partida, encontrar correspondências entre a linguagem específica portuguesa e a língua italiana setorial. É necessário sublinhar o facto de o ensaio escolhido tratar de um contexto histórico português e, por essa razão, é claro que as palavras escolhidas têm de ser bem ponderadas porque, enquanto representantes de uma pontual realidade histórica, têm de ser a exata equivalência, sem nuances de influência italiana, pois isso comportaria uma incoerência no texto vertido. A palavra traduzida tem de conservar todo o sentido e a especificidade daquela época histórica, para evitar a perda de significado no processo de tradução. Neste caso é necessário que o tradutor tenha uma bagagem cultural específica sobre o conteúdo que vai analisar e um encontro inicial com todas as palavras técnicas que podem causar problemas mas, no caso de não existir uma correspondência, considerar a hipótese de utilizar a expressão na língua de origem23. No caso de Identificação de um País, à característica do contexto histórico tratado prende-se que as palavras utilizadas concirnam à realidade histórica portuguesa daquela época e daquela zona geográfica, tornando assim a linguagem setorial ainda mais ligada à temática do ensaio. Além dos obstáculos lexicais, é importante evidenciar as numerosas referências intertextuais, que constituem uma rede fixa de correspondências internas, não explícitas e que é suposto serem claras para os leitores além do tradutor.

Sob o ponto de vista da complexidade da estrutura do ensaio, adiciona-se a citação integral das fontes. As fontes mais importantes para a investigação são os documentos das

23

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22 inquirições e a importantíssima obra Portugaliae Monumenta Historica de Herculano24. Na tradução proposta, as fontes foram organizadas de acordo com a seleção do texto. No final do segundo volume da obra original, as fontes distribuem-se em documentação gráfica, lista dos textos citados por meio de siglas e bibliografia final. Em Costruzione identitaria di un Paese as fontes foram selecionadas segundo os capítulos selecionados e com base no uso que o leitor pode fazer durante a leitura ou em função da investigação. Por estas razões, na tradução não se apresentam as fontes gráficas por razões contextuais, uma vez que o texto traduzido não precisa, pelas temáticas selecionadas, do suporte gráfico. As obras que foram escolhidas pelo autor para serem citadas no texto através do uso das siglas foram citadas seguindo o mesmo critério, mas, na página final dedicada à referência completa dos textos siglados, as siglas foram selecionadas a partir da sua ocorrência no texto traduzido, de modo a constituírem um instrumento útil e coerente com o texto proposto. A bibliografia final relativa à tradução é também resultado de uma seleção da de origem seguindo as indicações dadas pelas notas presentes no prototexto. Adotando esta metodologia, o leitor pode encontrar a referência das fontes pertinentes ao metatexto, a lista das siglas é reduzida e a bibliografia torna-se funcional às temáticas enfrentadas. Este trabalho confere à tradução uma coerência final inclusive na citação das fontes.

24

A. Herculano, Portugaliae Monumenta Historica. Leges e Consuetudines, 1 vol. e 1 fasc. do vol. II publ., Lisboa, Academia das Ciências, 1856-1868.

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23

CAPÍTULO II

Identificação de um País numa proposta de tradução

APRESENTAÇÃO

O presente capítulo é dedicado ao trabalho de tradução do ensaio Identificação do País. Ensaio sobre as origens de Portugal 1096-1325, a partir da seleção de alguns capítulos da importante obra de José Mattoso, estruturada em dois volumes. A seleção dos capítulos, nomeadamente o capítulo III da parte A e o primeiro capítulo da parte B, seguiu algumas temáticas de interesse e apresenta-se aqui seguindo a ordem em que consta no texto-fonte. Essa organização visa garantir ao leitor do texto-alvo uma leitura fluida.

Para tal, alterou-se a numeração dos capítulos em conformidade com a seleção realizada, como se pode verificar pelo sumário (“Sommario”) do texto-alvo. Da mesma forma, as siglas e as fontes bibliográficas referidas respeitam a seleção temática dos capítulos, mantendo porém a organização gráfica dada pelo autor à exceção das notas (“Note”), que convertidas de notas de rodapé em notas finais por necessidades de layout do presente trabalho.

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24

SOMMARIO

Prefazione ... 26 Prefazione alla seconda edizione ... 28 Avvertenze ... 28 CAPITOLO 1 - DIPENDENTI ... 29 1.1. Le categorie... 29 1.1.1. “Herdadores” ... 29 L’antica libertà ... 29 La situazione nel 1258 ... 30 Degradazione ... 31 Livellamento ... 33 Varianti regionali ... 33 Giudici ... 34 Stabilizzazione dello status ... 34 1.1.2. Coloni ... 35 Definizione ... 35 Terminologia ... 36 Rendite ... 37 Varianti regionali ... 38 Manodopera ... 39 Poteri della signoria ... 40 Livellamento ... 41 1.1.3. Servi e schiavi ... 42 Coloni di origine servile fino la fine del XII secolo ... 42 Schiavi mori ... 43 Coloni mori ... 44 Manodopera ... 45 1.1.4. Intermediari ... 46 Influenza della città ... 46 Amministratori ... 47 Giudici ... 47 Locatari ... 48 1.1.5. Salariati e altri ... 49 Cabaneiros ... 49 Giovani braccianti ... 49 Cacciatori e apicoltori... 50 Pastori ... 50 1.2. Solidarietà contadine ... 51

1.2.1. Limiti delle relazioni verticali ... 51 1.2.2. Parentela... 54 Successione unilineare ... 54 Aggregati familiari ... 55 Seconde nozze ... 56 1.2.3. Comunità rurali e acquisizione dello status di signore ... 57 Forme di organizzazione comunitaria ... 57 Disgregazione ... 58 Cronologia e varianti regionali ... 60 Distretti dell’area signorile ... 62 Comunità dipendenti da una signoria privata ... 64 Comunità dipendenti dal re ... 65 Comunità e condizioni geografiche ... 66 Azione vincolante della parrocchia ... 67 Confraternite ... 69 1.2.4. Oltre la comunità: i pellegrinaggi ... 69 Suddivisione ... 69

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Santuari e pellegrinaggi ... 70 Funzione sociale ... 72 Rappresentazioni mentali. La festa ... 72

CAPITOLO 2 - Lo spazio ... 74 2.3. La Cristianità e l’Islam ... 76

Lo stato dell’arte ... 76 Mozarabi: la repressione ... 77 Mozarabi: la resistenza ... 78 Estensioni della cultura mozarabe ... 79 Toponimia ... 80 Mozarabi: portatori della cultura araba ... 80 I mozarabi sulla zona di confine ... 81 Dubbi e problemi ... 83 L’influenza araba ... 84 Cultura scientifica e letteraria ... 85 Civiltà urbana ... 86 Vita militare ... 87 Vita marittima ... 87 Allevamento ... 88 Istituzioni municipali ... 88 Tecniche agricole ... 89 Antagonismi. Spirito crociato ... 89 Evangelizzazione ... 91 Giudei ... 91

NOTE ... 94 SIGLE ... 99 BIBLIOGRAFIA ... 101

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Costruzione identitaria di un paese

Prefazione

La stupenda realtà delle cose È la mia scoperta di tutti i giorniI

Alberto Caeiro

Questo libro nasce da una insoddisfazione: quella di non incontrare nella storia portoghese attuale risposta alle molte domande che la moderna scienza storica non può smettere di fare. Ho provato a pronunciare le mie e ordinarle in un insieme che costituisse una visione globale della Storia del Portogallo nei suoi due primi secoli.

La mia curiosità è diretta specialmente verso gli uomini concreti, il loro modo di vivere e di pensare. Le istituzioni, le strutture, le formazioni sociali ed economiche mi interessano per ciò che ci possono rivelare. Ma ciò che mi attrae del passato medievale è la mentalità: come vedevano gli uomini il mondo e come si organizzavano per dominare la realtà in quell’epoca così diversa dalla nostra? La mentalità mi pare, inoltre, una delle chiavi più decisive per la comprensione delle strutture. Spiegare tutto ciò nell’indefinibile zona in cui questa e quelle si relazionano tra di loro, all’interno del quadro nazionale, è l’obiettivo di questo saggio.

Il tema principale, il fenomeno della nazionalità, che tanto appassionò gli uomini nella prima metà del Novecento, è un po’ fuori moda. Non interessa molto alla “nuova storia”. Nonostante ciò, non lo si può ignorare quando si prende un paese come unità di osservazione. Scelto il quadro, deve essere il fenomeno nazionale l’elemento ordinante dell’insieme.

Devo confessare che non sono colpito, come è accaduto a molti miei predecessori da più di tre decenni, da un senso di angoscia o di esaltazione emotiva riguardo al fenomeno dell’identità portoghese e del nostro destino storico. La nazionalità è un dato che definisce me stesso, e per questo mi interessa, ma non costituisce per me un valore assoluto. Credo di poterla esaminare con una certa freddezza, al contrario di ciò che è accaduto ad Alfredo Pimenta, lo storico che voglio omaggiare, in onore del centenario della sua nascita. Non ritengo di mettere in discussione la sua memoria presentando, come omaggio, un’opera con le cui tesi non concorderebbe. Ciò che importa, dopotutto, non sono le idee. Ho molte ragioni personali per apprezzare maggiormente i valori che riconosco in lui che l’identità ideologica. Mi riferisco all’impegno che ha messo nei suoi impegni politici, alla passione che ci ha messo in questo mondo per ogni cosa. Sono grato nel riconoscere il suo talento, la sua capacità critica, la sua determinazione, la sua onestà intellettuale.

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27 Di fatto, più che esaltare la patria, mi interessa la relazione interpersonale tra portoghesi. Finito di scrivere, mi chiedo se il tema scelto e la maniera in cui l’ho trattato non siano frutto delle mie domande rispetto alle divergenze politiche e a tutto ciò che attualmente divide il popolo portoghese, e che sembra ancora essere lungi dal risolversi. La risposta del passato medievale, per lo meno quella che ho sentito, è questa: il Portogallo è irriducibile e al contempo uno e multiplo. La Storia ci invita a vivere con le scomodità che ne conseguono e a trarne qualche vantaggio.

Come si vedrà, attribuisco un ruolo di grande importanza, nell’identificazione di un paese, alla diversità nazionale, all’opposizione tra la popolosa, accidentata e conservatrice zona settentrionale e quella meridionale, caratterizzata invece da un ambiente urbano, piatto e progressista. Non è solo la geografia umana, come ha dimostrato Orlando Ribeiro, che invita a riconoscere la composizione reale del paese: ma anche la Storia. E, se le due aree persistono nel mantenersi unite, bisognerà capirne il come e il perché, nonché il costo della loro fusione in un unico organismo politico, una Nazione.

Ho esagerato? Ho interpretato bene? Ho trovato indizi significativi? Mi sono lasciato illudere, nonostante tutte le precauzioni? Sono pienamente convinto allo stesso tempo della coerenza e della verosimiglianza della mia proposta e dell’impossibilità di ridurre il reale a formule discorsive. Le “parole” non saranno mai “cose”. Credo di aver trovato quelle che esprimono il modo in cui ho capito, o come credo di aver capito, ciò che c’è di reale nei vestigi del passato. Ma come sembra pretenzioso aver detto l’ultima parola! I centenari versi resuscitati da Umberto Eco nel suo romanzo, stat rosa pristina nomine, nomina nuda tenemus, esprimono bene ciò che questo libro deve limitarsi ad essere: un insieme di parole.

La mia tesi è così fragile, così provvisoria, così illusoriamente armata come la rosa del Piccolo Principe. Vuole sedurre, e per questo cura la propria armonia; mi piacerebbe, quindi, essendone capace, badare alla sua bellezza. Ma rinuncia alle spine di un’educazione pesante o all’apparatodi un vasto enciclopedismo. Non pretende, dunque, di risolvere nulla. È un modo di vedere la realtà, non di dominarla. Mi piacerebbe solo rivelarne alcuni aspetti. Costruire una rete, illusoria, di una possibile coerenza, che non la possa sostituire. Vorrei piuttosto, dopo aver attratto gli sguardi su un aspetto del reale, che si spegnesse su se stessa per lasciar vedere la “stupenda realtà delle cose”.

Parede, 13 aprile 1985 José Mattoso

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Prefazione alla seconda edizione

La ricezione di quest’opera, esaurita in pochi mesi da parte del pubblico, ha costituito per me un incoraggiamento, ma anche un’esigenza. Approfitto, quindi, della seconda edizione per integrare con alcuni dati bibliografici, correggere certi dettagli e aggiungere nuove informazioni su alcuni punti già trattati, ma poco approfonditi. La produzione medievalista, soprattutto in Spagna, è molto abbondante e innovatrice, esige un rinnovamento costante di ciò che si scrive, con la conseguenza di diventare in poco tempo inattuale.

Colgo questa occasione anche per aggiungere, alla fine del secondo volume, una conclusione generale dell’opera, richiesta dal carattere che ho voluto dare al saggio. Mi era parso, in precedenza, dispensabile, alla fine di un testo che ritenevo abbastanza chiaro ed esplicito. Ma certe reazioni della stampa e di alcuni amici e il fatto che io stesso avevo potuto lasciar maturare alcune idee di carattere generale, mi portano ora a pensare diversamente. Tenterò, dunque, di chiarire alcune idee che si possono facilmente perdere lungo le molte pagine in cui l’informazione si mescola con l’interpretazione.

Con ciò non voglio dotare la mia rosa di nuove spine per difendersi da eventuali minacce. La sento tanto fragile quanto prima, ma ora più fiduciosa del suo potere seduttore. Voglio solo regalarla per non perderne la freschezza.

Parede, 11 novembre 1985 José Mattoso

Avvertenze

I testi in portoghese medievale trascritti in queste opere non riproducono la forma in cui vennero pubblicati o come sono in originale. Per facilitarne l’utilizzo, sono stati trascritti secondo le norme del Centro de Estudos Filológicos elaborate sotto l’orientamento del Prof. L.F. Lindley Cintra e pubblicate nel Boletim de Filologia, 22 (1973), pp. 417-425.

Per la stessa ragione, ho introdotto maiuscole e punteggiatura nei testi latini citati, poiché non avevano né le une né l’altra dove erano stati pubblicati.

La documentazione grafica è pubblicata alla fine del secondo volume di quest’opera, così come la bibliografia delle opere citate sempre in maniera abbreviata, nelle note, e la traduzione delle sigle utilizzate.

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