Corso di Laurea magistrale in Lingue e
Letterature Europee, Americane e
Postcoloniali
Tesi di Laurea
Edição e receção de autores
angolanos em Portugal antes e
depois do 25 de abril:
o caso de Ondjaki
Relatore
Ch. Prof.ssa Vanessa Castagna
Correlatore
Ch. Prof. Alessandro Scarsella
Laureanda
Federica Lupati
Matricola 807949
Anno Accademico
2012 / 2013
Edição e receção de autores angolanos em Portugal antes e
depois do 25 de abril: o caso Ondjaki
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I
A literatura como instituição: problemas metodológicos
I.1 A literatura e as suas fronteiras: do fenómeno estético ao facto literário I.2 A teoria dos campos e a teoria polissistémica
I.3 A formação do sistema literário lusófono
I.4 Os estudos literários entre estudos culturais e estudos pós-‐coloniais
CAPÍTULO II
A instância de legitimação na receção de autores angolanos em Portugal
II.1 As Academias
II.2 Os programas de ensino básico e médio e o Plano Nacional de Leitura II.3 Os prémios literários, as revistas especializadas e os media
II.4 O cânone literário
II.5 A edição de autores angolanos antes do 25 de abril II.6. A edição de autores angolanos depois do 25 de abril II.7. Balanço editorial
CAPÍTULO III
O caso Ondjaki
III.1 Percurso de um jovem autor III.2 Há prendisajens com o xão
III.3 Bom dia Camaradas e Os da minha rua III.4 Quantas madrugadas tem a noite III.5 Os Transparentes: a sua obra-‐prima
III.6 Mercado editorial e construção da imagem pública III.7 Os prémios literários
III.8 Crítica e programas de ensino em Portugal III.9 Entrevistas e colaborações artísticas III.10 A presença nas redes sociais
APÊNDICE I
Entrevista inédita ao autor
APÊNDICE 2
Análise textual de Os da minha rua
CONCLUSÃO BIBLIOGRAFIA AGRADECIMENTOS
INTRODUÇÃO
O estudo das relações entre espaços culturais e da formação de identidades independentes, sobretudo após a queda dos grande impérios coloniais, é um fator comum a muitas áreas de investigação. Em particular, com o aparecimento dos Estudos Pós-‐coloniais e o consolidar-‐se dos Estudos Culturais, revisitaram-‐se muitas abordagens que, antigamente, impediram a correta perceção da real complexidade de dinâmicas que vão realizando-‐se e modificando-‐se desde os primeiros contactos entre áreas longínquas e diferentes. Desta forma, propuseram-‐se novas categorias interpretativas e de análise, que hoje constituem a bagagem teórica de referência da maior parte das novas propostas de pesquisa.
Para além disso, com o afirmar-‐se dos estudos de matriz social e a maior aceitação do seus estatuto científico, mudaram também as abordagens ao conceito e à análise em torno da literatura: assistiu-‐se, assim, a uma maior abertura teórica, pela qual, ao lado da observação das componentes textuais das obras, começaram a aparecer estudos de sistema e inspirados aos estudos sociais. A partir dos anos sessenta, estes contribuíram a uma ampliação do conceito de literatura, indagando as estritas relações que mantém com o ambiente histórico, social e ideológico à sua volta. Neste sentido, ambos os sistemas – o literário e o social – são caracterizados por uma natureza dinâmica, aberta e heterogênea, e é este dinamismo que lhe permite sobreviver e adatar-‐se continuamente um ao outro.
À luz das teorias dos estudos desenvolvidos nas áreas mencionadas, os espaços que hoje constituem a chamada Lusofonia, isto é, o conjunto político-‐ cultural dos falantes de português, também mostram um complexo mecanismo de relacionamento uns com os outros. A observação das mudanças históricas e sociais e do seu papel para com o aparecimento das ideologias que moldaram as mentalidades, mostrou que hoje os canais interpretativos ligados ao passado podem continuar a obstaculizar o avançar do diálogo entre Portugal e algumas áreas que antigamente estavam sujeitas à sua administração, mas que hoje se
encontram numa fase já avançada de emancipação e de construção da identidade nacional.
Dentro do vocabulário que o estudos pós-‐coloniais revisitaram, a dicotomia centro/periferia revela-‐se muito útil para explicar em que tipo de dinâmica estas áreas ainda se encontram: se se considerar a palavra “centro” a partir do seu significado etimológico, isto é do latim centrum, que vem por sua vez do grego
kèntron, “pico/ponta”, particípio passado do verbo kentéo, “picar”, notar-‐se-‐á que
conceptualmente nasce relacionada à ponta dum compasso, à volta do qual se constrói um outro espaço, uma periferia. Este segundo termo, por sua parte, etimologicamente provém do grego peri + fèrein, “levar à volta de”, e representa portanto uma área cuja existência está ligada à formação duma circunferência, a partir dum centro.
Assim, a imagem da circunferência criada por estes dois termos resulta bastante pertinente a uma possível definição da ampla área lusófona espalhada pelo mundo, ao mesmo tempo oferecendo a muitos investigadores uma oportunidade para explicar algumas relações de dependência que, historicamente, até pela sua natureza, este espaço heterogêneo propõe. Contudo, o objetivo das pesquisas que se concentram em áreas ainda pouco compreendidas deveria ser de não contribuir à difusão de categorias demasiado fechadas, pois estas acabariam por interferir com a perceção global dos mecanismos culturais, políticos, económicos que os caracterizam.
Portanto, com a ideia da circunferência aqui proposta quer-‐se fazer principalmente referência à circulação de bens materiais e culturais que este espaço comum possibilita, condiciona, apresenta, sob as vestes mais diversas. Aliás, os contatos que Portugal continua a ter com os seus ex-‐domínios africanos – justificados pelo uso duma mesma língua e dum passado “comum” – podem funcionar como ponto de partida para propor possíveis respostas a dúvidas e perguntas sobre o papel desempenhado pela área ocidental frente à área oriental desta extensão. Particularmente interessante é a observação da receção das obras literárias de autores angolanos em Portugal, com especial releve da sua edição
antes e depois do 25 de abril, e das rupturas ou continuidades que a sua perceção manifesta.
A organização desta pesquisa, portanto, prevê um primeiro capítulo, em que são apresentados os recursos teóricos e metodológicos considerados de referência para poder esclarecer alguns postulados fundamentais na análise do campo literário enquanto microcosmo sociocultural, sujeito a lutas internas e a constantes câmbios e adatações à sociedade, salientando alguns acontecimentos particularmente relevantes na formação da identidade nacional portuguesa e na definição da sua relação com o Outro. O segundo capítulo concentra-‐se numa observação mais pormenorizada da receção de autores homeoglotas, considerando para isso as reações das instâncias literárias que intervêm na sua legitimação, e a sua edição antes e depois do 25 de abril. Para o terceiro capítulo, finalmente, escolheu-‐se propor o estudo dum caso em particular, o do jovem angolano Ondjaki, considerado interessante à luz das observações levantadas nos capítulos anteriores sobretudo pela positiva receção da sua obra a que se assiste em Portugal, também através de mecanismos legitimadores menos tradicionais, que facilitam a sua projeção mediática, hoje tão determinante.
Fornecem-‐se, aliás, como material integrativo à pesquisa, duas apêndices: na primeira transcreve-‐se a entrevista inédita ao autor, realizada por mim em fevereiro de 2013, em que interroguei Ondjaki sobre o seu percurso editorial e pedi-‐lhe para dar uma sua opinião sobre as relações editoriais existentes hoje dentro do mundo lusófono; na segunda propõe-‐se uma análise textual de apenas uma obra, que se destaca pela receção particularmente positiva recebida. O estudo inspirou-‐se num tipo de interpretação desconstrutivista da generosa posição do autor, que, não obstante isso, continua a estar exposto a contradições.
Em conclusão, nesta pesquisa tentou-‐se empreender uma crítica não dogmática do material literário, das dinâmicas de mercado e do contacto cultural que Portugal demonstra ter com Angola, tentando fornecer algumas hipóteses interpretativas cujo objetivo é de participar da desconstrução do império de categorias que ainda hoje continua muito presente nas diversas esferas da vida
social portuguesa. Com grande respeito pelos autores, pelos críticos e pelos editores, o trabalho inspirou-‐se na forte vontade de ultrapassar os frágeis limites e as evidentes contradições que os sistemas socioculturais portugueses ainda manifestam, bem conscientes de que estes não são os único responsáveis pelas dificuldades comunicativas relevadas entre os espaços tomados em consideração.
CAPÍTULO I
A literatura lusófona como instituição:
problemas metodológicos
I. 1 A literatura e as suas fronteiras: do fenómeno estético ao facto literário
Dada a sua complexa estrutura e a sua natureza volátil, a literatura tem tido ao longo dos séculos e conforme as épocas e os observadores, interpretações e enfoques muito diferentes. Na tentativa de estabelecer “as fronteiras que delimitam o fenómeno literário; ou, por outras palavras, indagar o que cabe e o que não cabe dentro do campo literário”1, é necessário partir do pressuposto que essas “fronteiras” são fluidas, heterogéneas e até dinâmicas, permitindo desta maneira a existência de situações híbridas e enriquecedoras. Os hibridismos povoam também a própria estrutura interna da obra literária, pois esta, tendencialmente, invade e é invadida por territórios alheios e contíguos, e é nesta ótica que serão apresentadas as teorias de sistema.
Para se oferecer uma definição desta área de criação humana, segundo a maioria dos pensadores e investigadores do século passado, é necessário ter em conta um conjunto de componentes bem diferenciadas, que, por essa mesma razão, estão ligadas entre si por relações dinâmicas. Tvetan Todorov começa a sua reflexão acerca da noção de literatura duvidando da legitimidade dessa noção e oferecendo uma brevíssima panorâmica do próprio termo:
Nas línguas europeias, a palavra “literatura”, no seu sentido atual, é muito recente: data apenas do século XIX. Tratar-‐se-‐ia pois de um fenómeno histórico e de modo algum “eterno”? Por outro lado,
1 C. REIS, O conhecimento da literatura. Introdução aos estudos literários, Coimbra, Livraria Almedina, 1995, p. 19.
numerosas línguas (de África, por exemplo) não conhecem o termo genérico para designar todas as produções literárias.2
O que move o autor é a ideia de que não é por uma palavra existir, ou por estar na base de uma série de instituições, que a sua noção se torna evidente, sendo portanto necessário procurar as razões da sua existência algures. Neste sentido ele afirma que “uma noção pode ter direito a existir, sem que uma palavra precisa do vocabulário lhe corresponda”3, e no caso da literatura isso é dado pelo emprego que as pessoas fazem dela:
[...] Parece incontestável, o facto de uma entidade “literatura” funcionar ao nível das relações intersubjetivas e sociais. (...) O que é que se prova com isso? Que num sistema mais vasto, que é esta sociedade, esta cultura, existe um elemento identificável a que nos referimos através da palavra literatura.4
Esta ideia “funcional” do texto literário indica que este vive graças ao uso que as pessoas fazem dele: sem um leitor, o texto não existiria; sem um editor, uma distribuição e uma certa crítica, as palavras acabariam por ser manchas e signos em papéis brancos. A palavra escrita precisa de quem a lê, e põe-‐se em relação com um conjunto de fatores que, na realidade, vivem fora dela. As teorias de Todorov permitem portanto expor algumas considerações preliminares que antecipam as teorias de sistema e introduzem a estrita interdependência entre produção literária e sociedade.
Antes de passar às teorias mais recentes, é necessário tecer algumas observações sobre a estrutura dos textos considerados literários e sobre a sua patente e indubitável dimensão estética – reconhecida como tal também pelo próprio escritor. Nela cabem uma particular produção de significados e de mensagens, através do que é fundamentalmente um fenómeno de linguagem, isto
2 T. TODOROV, Os géneros do discurso, Lisboa, Edições 70, 1981, p. 13. 3 Ibid., p. 14.
é, a chamada linguagem literária. Como obra de arte ela consegue vencer a lógica referencial entre as palavras e a realidade, para se vestir daquela polissemia e liberdade que lhe permitem alcançar o seu estatuto. Neste sentido, como atividade intencional e finalística, a escrita literária tem potencialidades cognitivas e de representação, e pode ser entendida como:
[...] prática dotada de um certo índice de especificidade técnica, empreendida por um sujeito que a leva a cabo num contexto cultural a que dificilmente é indiferente e assumindo uma atitude diversa da de outros sujeitos quando enunciam outras linguagens.5
Nesta definição, muito geral, de prática literária, ao conceito de “especificidade técnica” corresponde o uso consciente duma linguagem fortemente conotada, rica em associações, ambígua, expressiva e pragmática ao mesmo tempo, uma linguagem que se refere a um mundo de ficção, de imaginação, sendo a “ficcionalidade” o seu traço distintivo. Esta definição pode resumir-‐se com as palavras de Roland Barthes que, ao falar de estilo, afirma:
[...] Sob a forma de estilo, forma-‐se uma linguagem autárquica que já mergulha apenas na mitologia pessoal e secreta do autor, nesta hipofísica da fala, onde se forma o primeiro par das palavras e das coisas, onde se instalam de uma vez para sempre todos os grandes temas verbais da sua existência. Apesar do seu requinte, o estilo tem sempre qualquer coisa de bruto: é uma forma sem destino, é o produto de um impulso, não de uma intenção, é como uma dimensão vertical e solitária do pensamento.6
O estilo representa uma das realidades da obra literária, a moldura intangível que contorna todas a mensagens nela contidas e que assenta numa linguagem vivida e construída de forma arbitrária. Pode ser entendido como a marca de reconhecimento e diferenciação que dá a cada produto literário uma
5 C. REIS, op. cit., p. 105.
irrepetível unicidade e que o torna reconhecível como tal, e juntamente com ele o seu autor.
Estilo, linguagem, mensagem, textos, são alguns dos diferentes estratos que constituem a obra de arte literária, cujo valor estético funciona como elemento aglutinador, e cuja estrutura é constituída pelas unidades de sentido, i. e., as palavras. Roman Ingarden esclarece bem a sua estruturação:
A estrutura específica da obra de arte literária reside, a nosso ver, no facto de ser uma produção constituída por vários estratos
heterogéneos. Os estratos singulares distinguem-‐se entre si:
primeiro, pelo respectivo material característico, de cujas particularidades resultam qualidades especiais de cada estrato; segundo, pela função que desempenha cada um deles, quer em relação aos outros estratos, quer à estruturação de toda a obra.7
Segundo a teoria de Ingarden, esta multiestratificação prevê um conjunto de elementos fundamentais e absolutamente necessários para que se conserve a sua unidade intrínseca e se mantenha o seu carácter fundamental. O autor identifica quatro estratos em particular: o das formas significativas verbais e das produções fónicas de grau superior erguidas sobre elas; o das unidades de significação de diverso grau; o dos múltiplos aspetos esquematizados, as continuidades e as séries de aspetos; e, finalmente, o estrato das objetividades apresentadas e os seus destinos. Estes elementos de base, dotados de funções e peculiaridades, conferem às obras, juntamente com os que com eles se relacionam, a sua qualidade estética e criam aquele valor polifónico tão caraterístico desta tipologia de produtos. Como diz o mesmo autor:
[...] A diferença do material e dos papéis (ou funções) dos estratos singulares é, ao mesmo tempo, a razão por que a obra na sua totalidade não é um produto monótono mas possui carácter polifónico essencial. [...] Por sua vez, cada um destes estratos tem
a sua própria multiplicidade de qualidades que levam à constituição de qualidades específicas de valor estético com que se constitui uma qualidade de valor polifónica e todavia una do todo.8
Embora ainda esteja muito ligada à dimensão textual da obra literária, a teoria formulada por Ingarden patenteia claramente que a própria obra é o resultado da relação entre vários elementos e que estes lhe conferem uma estrutura pouco estática e com certeza não monótona: as características predominantes do texto literário parecem mesmo ser a polifonia e multiestratificação, inseparáveis do seu elemento central, as palavras.
Ultrapassadas as teorias e as posições que se concentravam exclusivamente no texto e na coleção positivista de dados, e com o avançar dos estudos de matriz social, também a interpretação do conceito de literatura se viu alargada em direção a visões sistémicas mais amplas, que a põem em estrito contacto com os contextos que a produzem e para os quais é produzida. Roland Barthes, numa das suas muitas intervenções, propõe uma definição de literatura em que sinteticamente mostra a sua dupla natureza, isto é, o seu ser ao mesmo tempo obra e instituição:
A literatura apresenta-‐se-‐nos como instituição e como obra. Como instituição, congrega todos os usos e práticas que regulam o circuito da coisa escrita numa dada sociedade: estatuto social e ideológico do escritor, modo de difusão, condições de consumo, sanções da crítica. Como obra, é essencialmente constituída por uma mensagem verbal, escrita, dum certo tipo.9
Com esta definição, Barthes põe em destaque a necessidade de uma revisão e até revolução das posturas ditas tradicionais, dada a sua natureza multifacetada: a retórica, ou poética, permite analisar a obra de arte através da sua mensagem verbal para colher a sua essência e originalidade, mas também podem ser utilizadas
8 Ibid., p. 45.
9 R. BARTHES, A análise retórica, in AA.VV., Literatura e sociedade, Editorial Estampa, Lisboa, 1973, p. 39.
perspetivas teóricas de matriz sociológica para estudar o produto literário e a sua fruição.
A este propósito, Carlos Reis oferece uma pragmática definição de literatura, entendida como instituição:
Falar de literatura como instituição corresponde inevitavelmente a projetar, sobre o fenómeno literário, conotações (nem todas positivas) que envolvem o termo. De facto, a expressão “instituição” [...] pode sugerir mentalidades e comportamentos eminentemente estáticos, fortemente hierarquizados e pouco propensos à inovação; por outro lado, também é certo que a feição institucional de certas entidades confere-‐lhes solidez histórica, bem como reconhecimento público, fatores decisivos para a sua afirmação no plano social. (...) Quando mencionamos o carácter institucional da literatura ou quando falamos em instituição literária estamos desde logo a remeter para práticas e para sujeitos que asseguram ao fenómeno literário a sua feição de estabilidade e de notoriedade pública.10
São portanto os canais de transmissão, tais como as revistas, os júris, as universidades, etc. que fazem parte da instituição literária. Estes canais são as entidades que consagram as obras como sendo literárias e que participam na sua transmissão ao grande público, e é nesta ótica que são evidenciados alguns mecanismos sociais que contribuem para a sua legitimação a fim de que estas mesmas fiquem na memória coletiva. Carlos Reis identifica nas academias e na mentalidade académica um primeiro fator importante de institucionalização da literatura, na medida em que lhe assegura uma certa estabilidade, notoriedade e, através da escolha e da análise de determinadas obras em lugar de outras, difusão.
Outro mecanismo que à sua maneira procura exercer uma função de validação institucional das obras literárias é constituído pelos prémios literários, que adquiriram outra dimensão e alcance quando, com o estabelecimento da propriedade literária no século XIX, a literatura passou a ter também um certo valor
de troca. Todavia, hoje os prémios literários “podem ser entendidos como uma extensão das instituições que os concedem”11, estando ao mesmo tempo sujeitos a forças e a interesses que transcendem a simples função judicativa das obras.
A crítica literária e quem a pratica também desempenham um papel importante, dado que este tipo de atividade acaba por exercer alguma influência, particularmente hoje em dia, sobre o devir da literatura, sobretudo quando quem fala tem certa autoridade e peso institucional. O autor explica como esta é uma atividade relativamente recente e estritamente ligada aos mecanismos do mercado e à sua interferência na produção literária, sobretudo na configuração dos gostos, afirmando por fim que com a crescente especialização metodológica e graças ao rápido avançar dos estudos literários, a atividade crítica e, consequentemente, o seu papel e o seu peso na sociedade, sofreu alterações.
No que diz respeito à especialização metodológica, o sistema de ensino é uma forte instância de validação institucional. A literatura representa um apoio na transmissão de conceitos e saberes, e é neste sentido que nascem os chamados textos “normativos”, escolhidos porque representam a identidade cultural que se pretende veicular e difundir. Este discurso está estritamente relacionado com a dimensão sociocultural do fenómeno literário e portanto
Os programas escolares, enquanto documentos com força normativa que o Estado estipula, constituem em princípio testemunhos reveladores de uma consciência cultural e nacional que procura afirmar-‐se como legítima.12
Ao falarmos de literatura como instituição ou, por outras palavras, ao observarmos os diferentes fatores que institucionalizam as obras literárias, não podemos deixar de mencionar Robert Escarpit, que, nos anos 70, contribuiu de forma substancial para o desenvolvimento dos estudos da chamada sociologia da
literatura. Este particular campo de investigação nasce em meados do século
11 Ibid., p. 29. 12 Ibid., p. 38.
passado, quando se começou a processar uma verdadeira revisão crítica do saber sociológico, que até àquele momento tivera um sentido enciclopédico e não se especificara em relação aos diferentes objetos de estudo. Com o avançar das técnicas e dos métodos adotados, alguns dos campos de investigação foram-‐se tornando autónomos, abrindo caminho a estudos como o estudo em questão; pode-‐se, aliás, afirmar que isso depende do facto de o século XIX ter estado mais interessado na dimensão social da literatura, enquanto o século XX apresentou um maior interesse pela dimensão sociológica. De facto, segundo Roland Barthes:
Existem, evidentemente, duas sociologias da literatura. Uma delas é a sociologia digamos da comunicação, da difusão, da aceitação, da influência no leitor das instituições culturais [...]. A outra é uma sociologia da criação, do facto estético.13
Alguns sociólogos, portanto, endereçaram os eixos das suas pesquisas para outros campos e delinearam dentro destes a possibilidade de ter diferentes perspetivas de observação. Robert Escarpit iniciou os seus estudos no campo da literatura comparada, mas empreendeu e orientou pesquisas sociológicas, interessando-‐se sobretudo pela sociologia do leitor. Assim o autor esclarece as razões da sua escolha:
[...] Pessoalmente fui para a sociologia da literatura para me desembaraçar das próprias noções de obra e de criador que bloquearam o pensamento literário durante demasiado tempo. É por isso que substituí, na minha terminologia, a noção de obra pela noção de facto
literário. O facto literário é a troca, a comunicação, é o movimento do
autor ao público.14
13 R. BARTHES, op. cit., p. 26-‐27.
14 Intervenção de R. ESCARPIT no debate transcrito em AA.VV., Literatura e sociedade, Editorial Estampa, Lisboa, 1973, p. 29.
Ao introduzir a noção de facto literário, Robert Escarpit recolhe todas as dinâmicas e os papéis que constroem uma obra literária e a põem em comunicação com a sociedade real a que se dirige, afirmando que:
Todo o facto literário pressupõe escritores, livros e leitores, ou, de uma maneira geral, criadores, obras e um público. Constitui um circuito de trocas que, por meio de um sistema de transmissão extremamente complexo, dizendo respeito ao mesmo tempo à arte, à tecnologia e ao comércio, une indivíduos bem definidos numa colectividade mais ou menos anónima.15
O facto literário, desta forma, constitui um dos meios pelos quais uma sociedade pode até tomar consciência de si mesma, uma consciência, contudo, que na maioria dos casos é desestruturante e que pode ser uma ameaça à sua ordem e ao seu equilíbrio, sendo por isso difícil observá-‐la. Finalmente, ele refere:
O facto literário apresenta-‐se-‐nos segundo três modalidades principais: o livro, a leitura e a literatura. Na linguagem corrente empregam-‐se frequentemente estes termos como equivalentes. No entanto, as três noções apenas em parte se podem confundir e os seus limites são muito imprecisos.16
O que interessa a Robert Escarpit é o circuito de trocas que subjaz ao produto literário, isto é, o sistema de produção da obra e os seus participantes. No seu livro
Sociologia da literatura, após esta divisão do facto literário em livro, leitura e literatura, procede à sua descrição e a uma análise histórica das mudanças sofridas
pelos três ao longo dos séculos. Contudo, o propósito de Escarpit é traçar as linhas metodológicas de referência para quem se interessa por estes estudos, úteis na altura da sua publicação dado o seu estado ainda pouco avançado e as muitas dúvidas sobre a sua cientificidade. Todavia, estamos ainda perante uma tentativa de
15 R. ESCARPIT, Sociologia da literatura, Lisboa, Arcádia, 1969, p. 9. 16 Ibid., p. 29.
sistematizar um saber instável e pouco alcançável, cuja mobilidade cria muitos desafios, até que, segundo Giovanni Ricciardi:
As diferentes tentativas científicas têm confirmado a dificuldade e a quase impossibilidade de constituir uma ciência da sociologia da literatura.17
Falar de “facto literário” é referir-‐se ao contínuo e incessante fluir de estímulos e reações entre autor-‐obra-‐público e ambiente social, estrutura política e económica, dado que está efetivamente sempre em comunicação com o resto dos agentes da sociedade, traduzindo as suas mensagens e vivendo sob a sua influência. Por outras palavras:
a expressão “facto literário” acentua as relações entre literatura e sociedade, tornando-‐se, portanto, facto sociológico, objeto de análise e campo de pesquisa.18
Consoante o interesse de cada autor, de M.me de Staël a Goldmann, passando por Adorno, Escarpit e Silbermann, o campo de pesquisa da sociologia da literatura tem sido delimitado de maneiras diferentes. Escarpit prefere sublinhar o nexo autor-‐público e portanto concentrar-‐se na fruição da obra, enquanto Goldmann, por exemplo, sempre se interessou pelos problemas estruturais, que fornecem uma definição limitada e não totalmente exaustiva. O que se pode estabelecer, contudo, sobre a sociologia da literatura, são as suas tarefas e objetivos, e estes correspondem à tentativa de colher as relações entre literatura e sociedade, mantendo-‐se num delicado equilíbrio entre as duas componentes para que nenhuma se sobreponha ou ofusque a outra.
O que se pode concluir é que o fenómeno literário é um fenómeno social que passa pelo objeto-‐livro. A atividade artística não é algo que está a mais, mas é uma atividade necessária e complementar como todas as outras atividades humanas
17 G. RICCIARDI, Sociologia da literatura, Lisboa, Publicações Europa-‐América, 1971, p. 44. 18 Ibid., p. 53.
significativas que, no conjunto, constituem a sociedade global. Entre arte e sociedade existe um nexo real, dialético, vivo, certamente não estático: um nexo de recíproco condicionamento cuja análise permite evidenciar toda a riqueza das suas implicações.
I. 2 A teoria dos campos e teoria polissistémica
Abandonando uma abordagem ao objeto literário centrada exclusivamente no texto – que acaba por considera-‐lo uma realidade totalmente autónoma – e abrindo caminho aos estudos literários de matriz social, é impossível não fazer referência às noções sobre o campo literário teorizadas por Pierre Bourdieu.
A noção de “campo” nasce da exigência do sociólogo francês de tomar em consideração de forma metódica o facto que, nas sociedades complexas e por efeito da divisão do trabalho, as diferentes atividades humanas têm tendência a organizar-‐se como “campos de produção” relativamente autónomos. Para indicar as divisões internas do corpo social, Bourideu utiliza um termo cujas multíplices interpretações semânticas oferecem a oportunidade de condensar os diversos aspectos dos seus paradigmas teóricos: em primeiro lugar, o conceito de “campo” remete para a ideia de campo magnético, campo de força, e faz referência ao facto de o campo social ser um espaço em que as forças operantes tendem ao mantimento ou a subversão dos equilíbrios dominantes existentes; em segundo lugar, remete para a ideia de campo de batalha, espaço de conflitos para a hegemonia vinculados a regras específicas aceites por todos os que neles participam.
Tendo dedicado grande parte das suas pesquisas e análises à cultura, aos seus agentes e aos seus produtos, a teoria dos campos sociais representa o ponto final dum longo percurso investigativo. Na sua obra emblemática As regras da arte, a sua análise sociológica alarga-‐se à própria génese da obra de arte, acabando por conter todas as ferramentas necessárias à compreensão dos seus postulados. Desta
maneira o autor desmantela um amplo conjunto de estereótipos relativos à “sagrada” figura do artista (pintores, escritores, filósofos, cineastas, etc.) afirmando que este nunca está completamente livre nos seus atos criativos, mas que as suas escolhas estão diretamente ligadas à posição que ocupa dentro do seu campo específico. Esta análise sociológica, portanto, diferencia-‐se da crítica militante e de denúncia porque não toma “uma posição” mas diz respeito às “tomadas de posição”.
Conceitos chave da teoria dos campos, o de “posição” e o consequente de “tomada de posição”, são também os princípios na base da preservação ou da transformação da ordem estabelecida. A primeira é “objetivamente definida pela sua relação objetiva com as outras posições”19 e depende da distribuição das espécies de capital (ou de poder) dentro do campo, cuja posse determina a obtenção dos ganhos específicos postos em jogo. Assim, às diferentes posições correspondem tomadas de posição homólogas e
cada tomada de posição (temática, estilística, etc.) define-‐se (objectivamente e por vezes intencionalmente) por referência ao universo das tomadas de posição e por referência à problemática como espaço dos possíveis que nele se acham indicados ou sugeridos.20
É portanto necessário entender cada campo como um “espaço de posições e de tomadas de posições atuais e potenciais (“espaço dos possíveis ou problemática”21), que gera esquemas de perceção e de avaliação, tradições, técnicas, hierarquias de “legitimação”, regras do jogo e instituições próprias dele, que por sua vez funcionam graças a interesses específicos comuns. Por outras palavras: cada campo é um microcosmo cultural animado por conflitos e determinado pelo contexto histórico, sobre o qual agem forças internas e externas.
19 P. BOURDIEU, As regras da arte. Génese e estrutura do campo literário, Lisboa, Editorial Presença, 1996, p. 264.
20 Ibid., p. 266. 21 Ibid., p. 265.
Segundo Bourdieu, em todas as sociedades as relações de força entre as diferentes posições dependem da distribuição das principais formas de capital, cujas três tipologias fundamentais são o capital económico, o capital social e o capital cultural: estas três tipologias atuam dentro da sociedade e a sua posse é legitimada pela mediação do capital simbólico. Enquanto o capital social é constituído pelas relações que incrementam a capacidade de um ator de avançar nos seus interesses e representa um recurso fundamental nas lutas que se realizam dentro dos campos, o capital cultural indica as informações assimiladas pelo corpo social, i.e. o conjunto de recursos, competências e apetências disponíveis e mobilizáveis em matéria de cultura dominante ou legítima; este pode ser incorporado, quando faz parte do habitus22 dos agentes, ou objetivado, quando é certificado através de títulos escolares. O capital, por fim, não é uma coisa, uma substância, um objeto concreto, mas uma relação (de poder) correspondente a um determinado estado de forças dentro dos diferentes campos sociais.
Nesta perspetiva, também é necessário considerar o campo literário como um microcosmo social dotado de leis e estrutura próprias, um espaço de relações objetivas entre posições em que cada posição existe em relação às outras. As circunstâncias políticas, sociais, económicas e culturais afetam a estrutura do campo, exercendo pressão nos seus agentes, i.e. os produtores, e nas suas lutas para o mantimento ou a transformação da ordem dominadora. Tal como os outros campos sociais, também o literário estabelece um sistema de relações com o campo do poder, definido pelo autor como sendo
o espaço das relações de força entre agentes ou instituições que têm em comum possuir o capital necessário para ocuparem posições dominantes nos diferentes campos (económico ou cultural nomeadamente).23
22 O conceito de habitus teorizado por Bourdieu refere-‐se ao estilo de vida, aos valores, às disposições e às expectativas do grupo social que são adquiridas ao longo das suas atividades e das suas experiências de vida. O habitus pode ser entendido como uma estrutura da mente caracterizada por um conjunto de esquemas, sensibilidades, disposições e gostos adquiridos, que são o resultado da objetivação a nível subjetivo da estrutura social.
A ideia do sociólogo francês é que, dentro do campo do poder, o campo literário ocupa uma posição dominada, como, de resto, os campos da produção cultural em geral. Mas, não obstante esta indubitável realidade, a ordem literária parece representar um “verdadeiro desafio a todas as formas de economismo” dado que se apresenta “como um mundo económico às avessas”24: os que aí entram têm interesse no desinteresse, pois a criação em si, em princípio, não tem em vista qualquer remuneração.
Contudo, isso não é suficiente para alcançar uma verdadeira independência frente às inúmeras forças do atual mercado e aos interesses nele envolvidos, e por muito emancipada que possa estar a sua posição em relação às imposições e exigências externas, os campos de produção cultural continuam a ocupar uma posição dominada. Bourdieu reconhece que:
[os campos da produção cultural] continuam a ser atravessados pela necessidade dos campos englobantes, a do ganho, a económica ou política.25
Não obstante isso, e apesar da autonomização progressiva do sistema de relações de produção, circulação e consumo de bens simbólicos (i.e., os objetos artísticos ou culturais aos quais é atribuído valor mercantil, e que são consagrados pelas leis do mercado ao estatuto de mercadorias), a natureza destes últimos é sempre a de “realidades de dupla face, mercadorias e significações”26. Apesar do processo de especialização ter levado ao aparecimento de uma produção cultural exclusivamente destinada ao mercado e de outra – a das chamadas “obras puras” – destinada à apropriação simbólica, Bourdieu afirma que
os campos de produção cultural organizam-‐se [...] segundo um princípio de diferenciação que não é outra coisa senão a distância
24 Ibid., p. 248. 25 Ibid., p. 248. 26 Ibid., p. 168.
objectiva e subjectiva das actividades de produção cultural em relação ao mercado e à procura expressa ou tácita[...].27
Para desmantelar a convicção segundo a qual a acumulação de capital económico e poder são as únicas formas conhecidas para adquirir valor social, Bourdieu utiliza toda uma terminologia económica – que resulta de propósito ambígua – para ilustrar os mecanismos da “economia dos bens simbólicos”, concluindo, além disso, que todas as tipologias de capital tendem a funcionar como capital simbólico.
Por ser dependente do “mercado” e da “procura”, o campo literário funciona como os outros microcosmos sociais, e os seus agentes baseiam-‐se nas regras procedentes do habitus incorporado: cada escritor manifesta a sua história social e particularmente a sua posição dentro do campo e a trajetória que os conduziu até lá; as suas escolhas de género, de estilo e de conteúdo, as suas relações com os outros escritores ou com os editores e os críticos, são o resultado dos condicionamentos do sistema de que fazem parte, e em que estão imersos. E, em relação aos seus ganhos, o sociólogo francês afirma que:
O capital “económico” só pode garantir os lucros específicos proporcionados pelo campo [...] se se converter em capital simbólico. A única acumulação legítima, para o autor como para o crítico [...], consiste em criar um nome, um nome conhecido e reconhecido, capital de consagração implicando o poder de consagrar objectos [...] ou pessoas [...], e portanto de conferir valor e de extrair os lucros que se ligam a essa operação.28
Não é possível prescindir, portanto, da estrita relação que existe entre a posição dum autor dentro do campo e o capital simbólico por ele adquirido, e por ele representado, pois estes estão ligados de tal forma que até o capital económico está sujeito a eles. A verdadeira “riqueza” está na aquisição, ao longo do tempo e
27 Ibid., p. 169. 28 Ibid., p. 177.
através de estratégias adequadas, duma posição que legitime quem fala a mover-‐se em liberdade dentro do seu campo.
Com Pierre Bourdieu a literatura torna-‐se num espaço de relações que envolvem agentes e elementos procedentes de diferentes esferas sociais. A observação abre-‐se de uma vez por todas à ideia de que o texto é só uma parte do produto literário, e que para uma correta compreensão deste último é necessária uma visão panorâmica dos fatores que contribuem para a formação de significados, de interpretações, dos elementos que condicionam não só os seus produtores, mas também os contextos a que se dirigem.
Paralelamente às teorizações do sociólogo francês, e como resultado da evolução das teorias procedentes do Formalismo Russo, os postulados da
Polysystem theory de Itamar Even-‐Zohar também desempenham um papel
importante no processo de “abertura” das fronteiras da literatura. Esta teoria foi criada em 1969 pelo professor israeliano, e aperfeiçoada em 1991, e desde então é considerada uma teoria de referência nos estudos literários, sobretudo pela visão dinâmica e de conjunto que oferece do sistema literário.
Como Pierre Bourdieu, também Itamar Even-‐Zohar concebe a literatura não como um componente isolado dentro das sociedades e regulamentado por leis particulares e diferentes daquelas a que estão sujeitas as restantes atividades humanas, mas como um elemento central e poderoso, integrado nos outros. Além disso, como todos os fenómenos semióticos, seria muito mais adequando considerá-‐lo um “sistema” do que um agregado de entidades separadas e, consequentemente, seria mais apropriado observar as relações que o distinguem.
A ideia de sistema procedente das pesquisas do Funcionalismo foi interpretada segundo duas visões opostas dentro da mesma escola crítica: uma primeira abordagem, que seguia as teorias “estruturalistas” de Saussurre e a Escola de Genebra, concebia o sistema como uma rede estática (ou sincrónica) de relações em que o valor de cada elemento era dado pela função desempenhada na relação específica em que entrava; pelo contrário, a segunda perspetiva – representada pelos formalistas russos e pelos estruturalistas checos – baseava-‐se numa ideia
dinâmica de sistema. Foi a partir desta ideia que Even-‐Zohar concebeu a
Polysystem theory, abordagem que parte do pressuposto de que “a semiotic system
can ben conceived of as a heterogeneous, open structure”29. Por outras palavras:
a polysystem – a multiple system, a system of various systems which intersect with each other and partly overlap, using concurrently different options, yet functioning as one structured whole, whose members are interdependent.30
Segundo o teorizador, o termo “polissistema” é muito mais do que uma convenção terminológica. Este termo foi escolhido com o claro propósito de tornar logo explícita a conceção dinâmica e heterogénea de sistema, enfatizando a multiplicidade das possíveis interseções e portanto a maior complexidade da sua estruturação. Em suma, o termo sublinha que a uniformidade, decerto, não contribui para um coreto funcionamento de qualquer sistema.
Portanto, ao observar a literatura está-‐se sempre perante um sistema aberto e é necessário estar sempre preparados para conduzir análises cujo nível de exaustividade será mais baixo, tendo em conta que “more room will be given to ‘disorders’”31 e que não será possível usar critérios de valor para uma seleção a
priori dos objetos de estudo. Também é necessário partir do pressuposto que,
quando fala de heterogeneidade, Itamar Even-‐Zohar considera que os elementos constitutivos do sistema se relacionam uns com os outros não como componentes (ou funções) individuais, mas como outros sistemas parcialmente alternativos de opções igualmente válidas. Estes
are not equal but hierarchized within the polysystem. It is the permanent struggle between the various strata [...] which constitutes the (dynamic) synchronic state of system. It is the
29 I. EVEN-‐ZOHAR, Polysistem studies, Durham, Duke University Press, 1990 p. 11. 30 Ibid., p. 11.