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Dipartimento di Studi Linguistici e Letterari

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Academic year: 2021

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Università degli Studi di Padova

Dipartimento di Studi Linguistici e Letterari

Corso di Laurea Magistrale in

Lingue Moderne per la Comunicazione e la Cooperazione Internazionale

Classe LM-38

Tesi di Laurea

Relatrice

Prof.ssa Barbara Gori Correlatrice

Prof.ssa Maria Aparecida Fontes

Laureando Michelangelo Melchiori n° matr.1132296 / LMLCC

Terra Incógnita:

Sérgio Buarque de Holanda, o Modernismo

e a construção de uma nova narração do

Brasil.

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Sumário

Introdução

_________________________________________________________p. 3

Capítulo Primeiro - Sérgio Buarque de Holanda: lupa do seu tempo.

1.1 Os muitos nomes de um homem central___________________________p. 6 1.2 Cronologia do Modernismo brasileiro através da lente

biográfica de Sérgio Buarque de Holanda _________________________p. 9

Capítulo Segundo - A estreia de um jovem crítico: o Modernismo.

2.1 Uma introdução básica ao Modernismo,

por Sérgio Buarque de Holanda_________________________________p. 16 2.2 A correspondência de Mário e Sérgio

no coração do Modernismo____________________________________p. 19 2.3 O lado oposto e outros lados e o conceito de construção_____________p. 37 2.4 A viagem a Nápoles e a narrativa da passagem da década

sob o signo do carnavalesco bakthiniano__________________________p. 44

Capítulo Terceiro - Repensando o país: Raízes do Brasil

e a ensaística dos anos 1930.

3.1 Premissa – O conceito em claro-escuro de identidade _______________p. 54 3.2 O contexto de Raízes do Brasil: dois modelos em confronto.

Mário de Andrade e Oliveira Viana______________________________p. 57 3.3 Para uma necessária re-afinação de Raízes do Brasil ________________p. 68 3.4 «Caya onde cahir»: um país “a Deus dará”________________________p. 73 3.5 O Homem Cordial: o equívoco da bondade e reflexos

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Capítulo quarto - O peso da origem: Visão do Paraíso

4.1 O sentido da história em Sérgio Buarque de Holanda________________p. 103 4.2 A cornucópia dos mitos ibero-americanos________________________p. 113 4.3 Experiência versus Fantasia:

especificidade do pensamento edênico português__________________p. 123

Conclusões

_______________________________________________________p. 136

Caderno de imagens

_______________________________________________p. 141

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Introdução

O que é o Brasil? Não obstante a contínua convergência de energias intelectuais e criativas, ao longo do século passado, cujo alvo tem sido propor uma explicação do país, afluxo que tem resultado numa exuberante produção bibliográfica, o gigante tropical con-tinua, mesmo em tempos mais recentes, a produzir tentativas de reler compreensivamente a trajetória da sua história, para individuar o sentido da sua especificidade e a direção do seu futuro. O Brasil parece, em poucas palavras, apresentar uma sede insaciável de inter-pretação da sua substância. Por um lado identificado como terra do carnaval, por outro como triste trópico, a terra brasileira permanece até hoje, além de estereótipos simplistas, uma esfinge para a própria autorrepresentação dos brasileiros. Mas no período em que Sérgio Buarque de Holanda se aproximava do campo da ensaística histórica, o país ainda era uma verdadeira terra desconhecida. Os padrões de interpretação até então apresenta-dos não chegavam a oferecer uma proposta de explicação extensiva da sua realidade pro-funda, das heranças da colonização e da sua complexa composição social.

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Nesse processo de repensar o Brasil, Sérgio Buarque de Holanda exerceu um papel de protagonista. Militando no Modernismo desde os primeiros anos, com seus artigos de critica literária contribuiu a definir o projeto de renovação cultural do movimento. Em seguida, na década de 1930, ter-se-ia dedicado ao ensaio historiográfico. A sua leitura, apresentada em Raízes do Brasil (1936), das raízes coloniais portuguesas como origem de certos problemas atávicos do Brasil, do personalismo como cifra essencial da sua so-ciedade, com as virtudes e os defeitos que isso comporta, teria entrado na consciência coletiva. Nas sucessivas etapas da sua pesquisa histórica, ele teria focado os temas da dilatação da fronteira no interior, com as evoluções em campo social que acompanharam esse movimento (Monções, 1945 – Caminhos e Fronteiras, 1947) e da historia e literatura de época colonial e imperial (Do Império à República, 1972 - Capítulos de literatura colonial, póstumo). Mas sobretudo ter-se-ia dedicado à indagação das consequências no presente das mais remotas marcas da história nacional, remontantes ao próprio incipit do povoamento desse lado do oceano Atlântico (Visão do Paraíso, 1959).

Será possível, portanto, seguir o caminho e o desdobrar de um pensamento de ins-piração modernista que se propõe interpretar o Brasil, desde os anos 1920 até a década de oitenta, repercorrendo o traçado da vida e da produção crítico-teórica e literária de Sérgio Buarque de Holanda. É uma viagem, aquela pelos meandros das interpretações do Brasil, que se revela ainda hoje atual e necessária. Isto porque as obras dos intérpretes do Brasil não ficaram letra morta, explicando a posteriori uma situação precedente para depois serem arquivadas no campo da cultura erudita: elas participaram ativamente da mudança da imagem do país, inaugurando e construindo uma nova narração do Brasil.

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Capítulo primeiro

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1.1| Os muitos nomes de um homem central

O século XX foi, para o Brasil, um período de redefinição profunda. De um lado, o país participou plenamente das convulsões e das aspirações globais que caracterizam esse período de transformações extremas; por outro, precisou lidar com as heranças da colonização e com a sua particular posição dentro do continente latino-americano. A fi-gura e a obra de Sérgio Buarque de Holanda vão atravessar boa parte deste século e vão deixar marcas indeléveis na história da cultura brasileira. O resultado disso foi uma mu-dança radical da imagem do país e da sua literatura. Em todas as etapas dessa metamor-fose, Sérgio Buarque de Holanda, visto a sua longevidade (1902-1982), exercitou um papel de protagonista.

Movendo seus primeiros passos no álveo do Modernismo, movimento que chega-ria a ser o fil rouge da maior parte das tentativas de renovação estética do novecentos brasileiro, Sérgio, com a sua critica literária, ajudou a localizar e posicionar a literatura brasileira no grande fluxo da cultura mundial. Em seguida, com a passagem para a ensa-ística, dedicou-se à interrogação acerca da natureza profunda do Brasil, através de obras historiográficas de grande alcance, como o celebérrimo Raízes do Brasil e o sucessivo Visão do Paraíso. Durante esses anos Sérgio constrói uma pedra angular da interpretação do Brasil e do autoconhecimento dos brasileiros. No plano da vida pessoal, ele participará sempre na vida cultural do País, dialogando e ajudando os amigos em suas pesquisas, numa perspetiva nunca solipsística, tanto que Mário de Andrade chegará a defini-lo, em 1944, o «Primeiro controlador das suas aventuras histórico-sociais».1

Um aspeto da vida de Sérgio impressiona particularmente: ao longo da vida, ele conheceu e manteve contatos com uma parte significativa dos homens de cultura centrais do seu tempo. Pensamos, por exemplo, no grupo dos modernistas paulistas. Mas também na componente carioca do movimento, e na nordestina. Nos ensaístas, como Gilberto Freyre. Nas suas experiencias no exterior: os sociólogos na Alemanha da década de 1930, os professores nas várias estadias internacionais. Nos anos 1940, Antonio Candido, Viní-cius de Moraes, e depois a convivência com o próprio filho, Chico Buarque. O amigo e

1 «Carta de 7 de dezembro de 1944». In: PEDRO MEIRA MONTEIRO (org.), Mário de Andrade e Sérgio

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arquiteto Oscar Niemeyer, para acabar com os membros da esquerda política brasileira. Foi ele, de fato, o verdadeiro homem cordial, que teve nas relações pessoais um eixo poderoso da própria vida. Ficou famosa a atmosfera da casa de rua Buri, em São Paulo, que se tornou nos anos da ditadura um abrigo e um salão de discussões aberto para os muitos amigos da família Buarque de Holanda. Esta natureza relacional de Sérgio é uma circunstância favorável para nós, porque permite, através do estudo da figura e da obra dele, de focar, como com uma lupa, o inteiro percurso artístico desse século crucial para o Brasil. Ao mesmo tempo ele é um prisma através do qual é possível ver e discernir as diversas cores que o modernismo assumira ao longo da sua história.

Sérgio era um personagem multifacetado, e como conhecia muitas pessoas, ganhou, ao longo do tempo, muitos apelidos. Cada um deles revela um aspeto da sua pessoalidade. Muitos desses epítetos foram formalizados nas mensagens de encômio dedicados pelos amigos à sua memoria, após a sua morte em 1982. Muitos desses depoimentos, formula-dos por grandes nomes da cultura brasileira, encontram-se reuniformula-dos num numero especial da Revista do Brasil de 1987, uma monografia dedicada a Sérgio Buarque de Holanda. Ele mesmo, já aposentado, costumava chamar-se de “pai do Chico”, talvez em signo de humildade, talvez para escapar inteligentemente às atenções que uma fama excessiva ne-cessariamente traz. Manuel Bandeira nos fala de Sérgio como de um personagem positi-vamente anticafajeste, mas que ao mesmo tempo «curou-se do cerebralismo caindo na farra».2 Acrescenta que a caraterística principal de Sérgio era a sua inconfundível classe,

na pessoalidade e na escrita. Sérgio Milliet, que destaca a sua «aversão ao formalismo», considera-o como uma «ponte entre duas gerações», entre os modernistas heróicos da primeira hora e os chato-boys. Explica Sérgio Milliet:

Os estudos áridos que o interessavam pareciam-nos indignos de revolucionários. E en-quanto nos preocupávamos com demolir poetas de segundo time, ele acumulava um fundo de conhecimento invejável. Já era um universitário num momento em que aos jovens a palavra soava rebarbativamente. E por quê? Porque, na realidade, não sabíamos nada. Éra-mos deliciosamente ignorantes e foi com Sérgio Buarque e com Mário de Andrade que aprendemos, não sem alguma relutância, a meditar. “É preciso saber ler Homero”, berrava

2 MANUEL BANDEIRA,«Sérgio, anticafejeste». In: Revista do Brasil – Número especial dedicado a Sérgio

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Mário de Andrade; e Sérgio gritava: “é preciso saber sociologia”. Creio mesmo que foi ele um dos primeiros entre nós a dedicar-se a essa disciplina.3

Antonio Candido descreve Sérgio como um «pensador erudito», «avis rara no Bra-sil», mas sobretudo como «o mais despretensioso dos homens de estudo e o mais ameno dos mestres», homem de «enorme senso de humor» e, finalmente, como um amigo.4

Gil-berto Freyre fala ao mesmo tempo de «scholar» e de «boémio», retomando também a definição de «mestre», clarificando-a por sua parte em «mestre de mestres», referindo-se particularmente aos sucessos do filho Chico no plano musical.

Pensador, historiador, erudito, crítico então. Mas Alexandre Eulálio nos lembra que Sérgio foi, «Antes de tudo, um escritor»5, caracterizado por um «tecido intelectual todo

plasticidade». Mas talvez o nome mais com que Sérgio entrara na memória coletiva dos brasileiros é aquele de explicador, de interprete, do Brasil. Ele permanece até hoje uma das chaves para a compreensão desse país imenso, multiforme e complexo que, fora das reduções estereotípicas, não é, utilizando as palavras de Tom Jobim, para principiantes. E é no sulco por ele traçado que vou começar este caminho.

3 SÉRGIO MILLIET, «À margem da obra de Sérgio Buarque de Holanda». In: Revista do Brasil – Número

especial dedicado a Sérgio Buarque de Holanda, n°6, 1987, p. 98.

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1.2| Cronologia do Modernismo brasileiro através da lente

biográfica de Sérgio Buarque de Holanda

Sérgio Buarque de Holanda foi um excelente escritor. Mas antes disso, ele foi so-bretudo um intelectual sempre imerso no mundo, sempre em contato com a atmosfera cultural do seu tempo. A sua escrita, por quanto erudita possa parecer, sempre foi uma tentativa de lidar com a realidade em que vivia e com os problemas da sua contempora-neidade. Para um escritor desse tipo a experiência biográfica conta, tanto que é possível discernir pelo menos um caso, na biografia de Sérgio, onde uma experiência de vida (a estadia na Alemanha) mudou radicalmente a morfologia da sua escrita, que passou da crítica literária à historiografia. A sua trajetória biográfica entrelaça-se com a história do movimento modernista brasileiro, nas suas fases ascendente e descendente, boémia e aca-dêmica, guerreira e contemplativa. É possível, portanto, aproximar-se à história do Mo-dernismo através do vivido concreto de Sérgio Buarque de Holanda, com um movimento sinérgico que ilumina simultaneamente o plano singular e o plano geral.

A presente cronologia é baseada no volume Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda: Correspondência6, organizado por Pedro Meira Monteiro, obra fundamental

para o presente trabalho, especialmente para a sua primeira parte. A cronologia compilada por Pedro Meira Monteiro, bem mais extensa da minha, enfrenta num movimento sincró-nico e contrapontista as vidas de Mário e de Sérgio, valorizando, através da correspon-dência recíproca, o papel literário de ambos. O meu trabalho aqui foi extrapolar quanto pertence mais rigorosamente à figura de Sérgio, destacando ao mesmo tempo as obras e os aspetos do pensamento de Mário que serão necessários para conduzir o discurso ao seu alvo: indagar o constituir-se de uma nova imagem da identidade brasileira, através do pensamento de interpretes do Brasil ligados à experiência do Modernismo. Outra fonte de dados importante para a construção de uma biografia útil é a entrevista que Sérgio concedeu para a revista The Hispanic American Review em 1982, ano da sua morte, onde recapitula sucintamente o percurso da sua vida7. Também não se pode esquecer o projeto

6 PEDRO MEIRA MONTEIRO (org.), Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda: Correspondência,

São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012, pp. 411-420

7 RICHARD GRAHAM, «Uma entrevista», Revista do Brasil – Número especial dedicado a Sérgio Buarque

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Apontamentos para a cronologia de Sérgio8, organizado por Maria Amélia Buarque de

Holanda, viúva do mestre, que se encontra disponível integralmente no site da Universi-dade Estadual de Campinas, instituição que conserva o acervo completo de Sérgio.

1902 Sérgio Buarque de Holanda nasce em São Paulo, no dia 11 de julho.

1921 Sérgio conhece Mário de Andrade. Sérgio começa a frequentar o grupo dos moder-nistas, que se reuniam em confeitarias no centro da cidade. A família Buarque de Holanda muda-se para Rio de Janeiro e Sérgio inscreve-se na Faculdade de Direito. Seus primeiros artigos sobre o “futurismo paulista” aparecem na Fon-Fon, do Rio de Janeiro.

1922 A Semana de Arte Moderna acontece no Teatro Municipal de São Paulo em feve-reiro, mas sem a presença de Sérgio, que fica no Rio. Mário de Andrade envia uma carta a Sérgio, no dia de 8 de maio, decretando o começo da correspondência deles. Sérgio se torna o representante da revista Klaxon no Rio de Janeiro, então capital da República. Klaxon começa a circular de maio e chega até o final do ano, com o número de dezembro/janeiro. No entanto, aproxima-se dos modernistas, especial-mente do jovem Prudente de Morais Neto, que se tornaria seu amigo dileto. Começa sua carreira de jornalista. Mário de Andrade publica a Pauliceia Desvairada com seu Prefacio Interessantíssimo, e inicia a correspondência com Manuel Bandeira. No entanto, Graça Aranha defende o projeto modernista na Academia Brasileira de Letras, que abandonaria dois anos depois.

1924 Sérgio faz farte da delegação de modernistas que recebe Blaise Cendrars no cais do Porto do Rio de Janeiro. No mesmo ano começa o diálogo com o amigo Gilberto Freyre. Oswald de Andrade publica o Manifesto da Poesia Pau-brasil. Sérgio e Prudente inauguram a revista Estética. Começa o estremecimento com Graça Ara-nha.

8 MARIA AMÉLIA BUARQUE DE HOLANDA, Apontamentos para a cronologia de Sérgio, Universidade de

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1925 A revista A Noite, do Rio de Janeiro, lança o “Mês Modernista”, na qual colaboram Mário de Andrade e Carlos Drummond de Andrade. Mário publica A escrava que não é Isaura, tratado poético modernista.

1926 Sérgio publica, na Revista do Brasil, “O lado oposto e outros lados”, artigo em que rompe com Graça Aranha, Ronald de Carvalho e sobretudo Tristão de Athayde, e enaltece Oswald de Andrade. Critica Mário de Andrade, recusando aquela atitude que chama de “intelectualista”, uma trajetória normalizadora da estética modernista no seio dos modernistas católicos. No mesmo ano Mário de Andrade se queixa de Graça Aranha e publica a “Crítica do Gregoriano”, enquanto trabalha na escrita do Macunaíma. No final do ano, desgostoso com o clima intelectual no Rio, Sérgio se muda para o estado do Espírito Santo, onde trabalha como jornalista.

1927 Mário de Andrade viaja pela primeira vez à Amazônia, viagem que resultaria no livro, publicado postumamente, O turista aprendiz. Em sucessivas viagens, estuda o folclore e as manifestações musicais populares no Brasil. Publica Amar, verbo intransitivo.

1928 De volta ao Rio de Janeiro, Sérgio publica, em estrito dialogo com Mário, O Testa-mento de Thomas Hardy. Mário publica Macunaíma e o Ensaio sobre a música brasileira. Oswald de Andrade publica o Manifesto Antropófago.

1929 Assis Chateaubriand convida Sérgio Buarque a viajar à Europa, onde iria trabalhar como correspondente de O Jornal para os países da Europa do Leste e para a União Soviética. Sérgio mora na Alemanha, onde estuda a obra de Weber. Regressaria depois de dois anos.

1931 Sérgio Buarque publica A viagem a Nápoles, conto de tom irónico e surrealista, na Revista Nova, dirigida por Paulo Prado e Mário de Andrade. A amizade com este último volta a ser serena.

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1936 Prudente de Moraes Neto, então diretor da Faculdade de Filosofia e Letras da Uni-versidade do Distrito Federal, convida Sérgio a se tornar assistente nas cadeiras de história moderna e econômica e de literatura comparada. No mesmo ano publica Raízes do Brasil, volume inaugural da coleção “Documentos Brasileiros” dirigida por Gilberto Freyre. Casa-se com Maria Amélia Cesário Alvim. Do casamento nas-ceriam sete filhos (entre os quais o notório cantor e poeta Chico Buarque).

1937 O departamento da Cultura da Cidade de São Paulo, onde Mário de Andrade traba-lhava, promove o I Congresso da Língua Nacional Cantada. Em novembro começa a ditadura do Estado Novo.

«Todo esse ano reside num apartamento no Leme, comecinho da Rua Copacabana. Lá, quem aparecia sempre era Manuel Bandeira: Mme Blank, seu grande amor, morava no quinto andar. José Olympio e Vera habitavam o mesmo edifício. E a convivência com os outros amigos estabeleceu-se intensa. Eram sempre Prudente e Rodrigo. Era Afonsinho com Anah. Era Múcio Leão, Portinari, Vinícius... Ponto de conversa certo, na rua, ficou sendo a livraria José Olympio, na Ouvidor. Eram "os do norte que vêem": Graciliano Ra-mos, José Lins do Rego, Luís Jardim, Raquel de Queiroz […]».9

1938 Mário é afastado da direção do Departamento de Cultura. Muda-se para o Rio, onde frequenta a casa dos Buarque de Holanda.

1941 Tendo regressado para São Paulo, Mário recusa um convite de colaboração com a revista da Academia Brasileira de Letras. Em carta enviada para Sérgio, comenta ironicamente a participação de Prudente de Moraes neto, em Cultura Politica, a revista cultural do Estado Novo. Sérgio cumpre sua viajem como palestrante nos Estados Unidos.

1942 Mário profere no Itamaraty a famosa conferência sobre os vinte anos da Semana de Arte Moderna, a que Sérgio assiste.

1943 Sérgio conhece Antonio Candido10

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«Alegre viagem a Belo Horizonte, em grupo organizado por Vinícius de Moraes, que, lá, proferiria uma palestra na Cultura Inglesa. Tudo a convite de Juscelino Kubitschek, então prefeito da cidade».11

1944 Sérgio publica Cobra de Vidro, que reúne artigos de crítica literária. Encerra-se, em dezembro, a correspondência com Mário de Andrade.

1945 Em janeiro, Sérgio e Mário, como também Antonio Candido, participam ao Pri-meiro Congresso de Escritores, de que sairia uma declaração de princípios contra o Estado Novo. Considera-se este fato como ato de nascimento da Esquerda Demo-crática. No dia 25 de fevereiro morre de infarto Mário de Andrade, na sua casa rural em São Paulo, que nos últimos anos tinha elegido come seu amparo. Sérgio publica Monções. Em outubro, acaba o Estado Novo.

1946 Sérgio muda-se com a família para São Paulo, para assumir a direção do Museu Paulista, onde trabalharia pelos próximos dez anos.

1953 Sérgio começa a lecionar Estudos Brasileiros na Universidade “La Sapienza” de Roma, onde mora por dois anos com a família.

1954 Organiza um volume da revista Ausonia, dedicado ao Brasil, e colabora com um artigo: Apporto Italiano nella Formazione del Brasile. Raízes do Brasil é publicado em italiano (Alle Radici del Brasile, 1954).

1957 Publica Caminhos e fronteiras. A família Buarque de Holanda adquire a casa da Rua Buri, em São Paulo, que viraria seu lar. A casa dos Buarque é lembrada pelos grandiosos encontros, dos quais figuravam nomes como Vinícius de Moraes, Tom Jobim, Antonio Candido, Caio Prado Júnior, Manuel Bandeira, Jorge Amado, Fer-nando Henrique Cardoso.12

11 MARIA AMELIA BUARQUE DE HOLANDA, Apontamentos para a cronologia de Sérgio, cap.14.

12 Uma boa fonte de informações sobre esse aspeto “caseiro” de Sérgio Buarque de Holanda pode ser

en-contrada nos artigos: RAFAEL PEREIRA DA SILVA,«A casa de Sérgio Buarque de Holanda», Café Historia -

AIRA BOMFIM,«A casa da Rua Buri e a história dos vizinhos Buarque de Hollanda», Medium - DIEGO

ZANCHIETTA,«Antiga Casa de Chico Buarque vira Museu», O Estado de S. Paulo ,6 dezembro 2012. Para

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1958 Assume a cátedra de história da civilização brasileira na Universidade de São Paulo, com a defesa da tese Visão do Paraíso.

1959 Publicação de Visão do Paraíso.

1963 Convidado pela Universidade do Chile, organiza um curso em Santiago sobre His-tória do Brasil, de onde nasce o volume “Tres lecciones inaugurales : Buarque, Romano, Savelle”13

1969 Em solidariedade aos colegas afastados pelo Ato Institucional n.5, Sérgio deixa o ensino na Universidade de São Paulo.

1978 Publicação de Do Império à República.

1979 Publicação de Tentativas de Mitologia, segunda antologia de textos de crítica. 1980 Sérgio é membro fundador do Partido dos Trabalhadores.

1982 Falecimento de Sérgio em São Paulo no dia 24 de abril

1991 Publicação de Capítulos de Literatura Colonial, organizado por Antonio Candido.

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Capítulo segundo

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2.1| Introdução básica ao Modernismo, por Sérgio Buarque de

Holanda

No dia 10 de dezembro de 1921, dois meses antes da Semana de Arte Moderna, um jovem aspirante a jornalista, chamado Sérgio Buarque de Holanda, publica um artigo na revista Fon-Fon, com o título O Futurismo Paulista. Nele Sérgio, que na altura tem dezenove anos, recolhe a gênese do movimento com o olhar e as prioridades de alguém que ouve os primeiros vagidos duma criatura histórica recém-nascida. É um artigo que trai, com a sua simplicidade e esquematismo, seu carater de obra juvenil. É exatamente por este motivo que se presta bem a introduzir basicamente o nosso tema, explicando com clareza aqueles pontos de viragem e aquelas ligações que poderiam parecer óbvios, mas que a passagem do tempo tornou opacas.

Não é novidade para ninguém o forte influxo que de tempos para cá vêm exercendo, sobre certos beletristas paulistanos, as ideias modernistas no terreno da arte e da literatura. Mas antes de tudo se deve atentar no que sejam essas ideias modernistas. […] Sob o ponto de vista artístico e sobretudo literário, o século XIX, excetuados os últimos anos, os da reação simbolista, foi de uma esterilidade rara. A ilusão de seu fulgor durará enquanto durarem os passadistas, o que quer dizer em menos palavras que durará pouco […] Dentro em breve quem se lembrará ainda dos Rougon Macquart? Passarão para o domínio da paleontolo-gia.14

A iconoclastia foi uma atitude típica do futurismo e das vanguardas em geral, e o Modernismo brasileiro não foi uma exceção. Mas é também uma atitude clássica da ju-ventude: quem teria pensado que o autor que tanto desvaloriza aqui a literatura romântica teria se tornado um historiador? Porém uma das características mais próprias de Sérgio foi a constante evolução. O Sérgio do futuro teria se votado ao estudo do passado, com a certeza que é exatamente no domínio da paleontologia que se acham as raízes vivas do presente. Mas foi o Modernismo todo a mudar ao longo do tempo, sobrevivendo à sombra imensa da sua história, do heroísmo e da contestação da primeira hora. Talvez seja por essa sua plasticidade que a inspiração modernista se tenha dilatado por várias décadas.

14 SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA, «O Futurismo Paulista». In: O Espirito e a Letra, estudos de crítica

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Em 1921, porém, a ressonância da rutura marinettiana ainda estava viva, mesmo nas ten-tativas de se distanciar do seu incómodo padrão:

Pode-se dizer sem ênfase que a maior parte das grandes ideias surgidas com o fin-de-siècle, algumas um tanto exageradas, outras raramente seguidas, tiveram por ponto de convergên-cia o movimento futurista iniconvergên-ciado com o manifesto de 20 de fevereiro de 1909 publicado no Le Figaró de Paris por Filippo Tommaso Marinetti, natural de Alexandria. […]

Atacado pelo sanchopancismo da época, que era o de todas as épocas, exaltado pelos ho-mens de inteligência e coragem e por alguns snobs imbecis também, o novo movimento tem naturalmente os seus erros, como todas as grandes reações, mas possui também a van-tagem imensa e inapreciável de trazer algo de novo, vanvan-tagem que só por si já justifica e o torna louvável. A tendência para o novo é a base e o fundo mesmo do movimento. Todo o resto é exterioridade. […]

Vamos agora aos futuristas de São Paulo que, come já se vê, podem ser chamados assim. Não se prendem aos de Marinetti, antes têm mais pontos de contato com os moderníssimos da França desde os passadistas Romain Rolland, Barbusse e Marcel Proust até os esquisitos Jacob, Apollinaire, Stietz, Salmon, Picabia e Tzara.15

Já nessa altura Sérgio destaca um dos aspetos mais característicos e complexos do “futurismo” brasileiro: a relação com os grandes modelos do passado, que não pode ser de simples e redutora oposição, como no caso do movimento fundado por Marinetti. Pelo contrário, o Modernismo paulista parece ter valorizado em grau superior o exemplo mais moderado dos colegas franceses, especialmente do predileto Blaise Cendrars, com a sua atenção particular para o “primitivismo”16. Mesmo assim, a rutura modernista continua

revolucionária:

Em todo caso iniciaram um movimento de libertação dos velhos preconceitos e das con-venções sem valor, movimento único, pode-se dizer, no Brasil e na América Latina. Depois de ter revelado um artista de primeira ordem que é Victor Brecheret, a velha terra dos ban-deirantes vai colaborar para o progresso das artes com uma plêiade disposta a sacrifícios para atingir esse ideal. Um dos seus chefes é Menotti del Picchia, já conhecido em todo o Brasil como autor do lindo poema Juca Mulato e também da horrível palhaçada Laís. Outro não menos ilustre é Oswald de Andrade, que escreveu os três romances ainda inéditos que vão construir a Trilogia do exílio: Os condenados, A estrela de absinto e A escada de Jacó. Há ainda muitos outros, como Mário de Andrade, do Conservatório de São Paulo, que es-creveu há tempos uma série de artigos de sensação sobre Os mestres do passado.17

15 SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA, «O Futurismo Paulista». In: O Espirito e a Letra, estudos de crítica

literária, vol. I 1920-1947, org. António Arnoni Prado, São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 132.

16 PEDRO MEIRA MONTEIRO, Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda: Correspondência, São

Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 188.

17,SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA, «O Futurismo Paulista». In: O Espirito e a Letra, estudos de crítica

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2.2| A correspondência de Mário e Sérgio no coração do

Modernismo

A Semana de Arte Moderna de 1922 é considerada como um dos pontos de viragem fundamentais no desenvolvimento da trajetória literária do Brasil. No entanto, aquele evento, que houve lugar numa atmosfera confusa, entre o aparecimento de Heitor Vila Lobos calçando chinelo e os contínuos gritos dos espetadores, foi subestimado e desva-lorizado pela imprensa e pela sociedade paulistana da época, que o interpretou mais como a iniciativa esquisita e fútil de um grupo de jovens estrangeirados, dedicados à imitação das estranhezas parisienses, do que algo de perigoso.

Na realidade aqueles eventos não foram decisivos. O modernismo brasileiro não nasceu de uma maneira explosiva como o movimento fundando por Marinetti em 1909. Não foi um “tiro de pistola do absoluto”. Foi pelo contrário um desenvolvimento contínuo e incremental, que nasceu alguns anos antes da Semana (recorda-se a exposição de Anita Malfatti de 1917) e continuou a redefinir-se e repensar-se ao longo de algumas décadas. Talvez por isso não tenha sido rapidamente superado como o Futurismo italiano. Para o Brasil, o Modernismo foi a marca fundamental da produção literária do século XX, rea-parecendo tanto declinado nas temáticas regionalistas da “fase de consolidação” dos anos 1930, quanto na fase inventiva da “Geração de 45”.

Essa revolução nasceu com a primeira geração modernista dos anos 1920. Para entender essa interseção focal na história literária brasileira, têm sido propostas várias tentativas de abordagem. Espirito inovador paulista contra picarismo carioca, literatura urbana contra literatura regionalista, continuação de um pré-modernismo nacional18

ver-sus imitação do modelo “caótico” de importação, modernismo laico contra modernismo religioso, modernismo de esquerda contra modernismo de direita, “terrorismo cultural” Oswaldiano contra “consciência criadora” marioandrina19: todos eles revelam, a partir de

um ponto de vista diferente, um pedaço a mais de verdade sobre o movimento.

18 TRISTÃO DE ATHAÍDE, Contribuição à história do modernismo vol. 1 - O prémodernismo, Rio de Janeiro:

Editora José Olympio, 1939, p. 7.

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O ponto de vista que quer ser aqui apresentado move seus primeiros passos a partir da correspondência entre Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda, para tentar vislumbrar, num movimento indutivo, uma imagem do Modernismo na sua totalidade. O acervo da correspondência consta em total de 31 cartas, trocadas entre 1922 e 1944. As cartas de Mário a Sérgio encontram-se no Arquivo Central da Universidade Estadual de Campinas, que as adquiriu logo após o desaparecimento do histórico, em 1983, junto com toda a sua coleção privada. As cartas de Sérgio para Mário são arquivadas no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, que as revelou, segundo os desejos do autor, cinquenta anos depois da morte do poeta (1995).

A correspondência foi estudada por Pedro Meira Monteiro no seu livro Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda: Correspondência, publicado em 2012, no qual é baseado o presente estudo. O acervo é de pequenas dimensões porque Sérgio, ao contrário de Mário, que entretém contatos epistolares monumentais com os amigos, entre os quais Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, foi um escritor de cartas árido, que as vezes demorava muito em responder, fato do qual o mesmo Mário as vezes queixava-se. Ao mesmo tempo, como sublinha Pedro Meira Monteiro, o diálogo epistolar entre eles (para não falar do contato pessoal, que foi constante ao longo do tempo, fato que não cabe nas cartas aqui analisadas) foi profundo e amplo: de fato, Sérgio foi um interlocutor sin-gular para Mário, porque «talvez menos alinhado à filosofia estética dele que muitos de seus outros correspondentes».20 Numa primeira fase da correspondência, Mário considera

Sérgio como uma espécie de enfant prodige do movimento, a quem escusa a verve juvenil por causa da sua indiscutível excelência na crítica literária. Já nos anos 1940, Mário chega a definir Sérgio como «primeiro controlador das suas aventuras histórico-sociais»21

Segundo uma classificação simplificativa, considero que seja possível dividir as cartas em dois momentos principais. O primeiro período recolhe as cartas trocadas entre 1922 e 1931. Neste intervalo assiste-se a um crescimento da confiança reciproca entre os dois ao longo que a diferença de idade se torna menos significativa.22 A amizade entre os

autores supera um possível ponto de rutura em 1926, quando Sérgio critica parcialmente a atitude de Mário no artigo O lado oposto e outros lados de que se falará mais diante.

20 PEDRO MEIRA MONTEIRO, Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda: Correspondência, São

Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 11.

21 Ivi, «Carta n°28, 7 de dezembro de 1944», p. 148.

22 «A promessa do artigo é ouro pra mim. Você tá cada vez mais subtil (não zangue) e me delicio com

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21

O segundo período reúne as cartas trocadas entre 1941 e 1944, poucos meses antes da morte de Mário. As cartas deste período deixam entrever uma relação estrita e amigável fundada na cooperação de pesquisa no campo historiográfico.

1922 - Klaxon

As primeiras cartas de 1922, como era de se esperar, concentram-se nos dados prá-ticos da organização da revista Klaxon e na gestão das reações e das expectativas geradas pela estreia da publicação modernista. Em carta de 8 de maio, Mário escreve para Sérgio:

Sei que Klaxon sairá no dia 15 sem falta. É preciso que não te esqueças de que fazes parte dela. Trabalha pela nossa Ideia, que é uma causa universal e bela, muito alta. Estou à espera dos artigos e dos poemas que prometeste. E não te esqueças do teu conto. Desejo conhecer-te na ficção.23

Neste momento Sérgio era muito jovem (tinha apenas 20 anos) e era ainda um feixe de possibilidades. Mário não podia saber que suas expectativas de então teriam sido frus-tradas e que Sérgio ser-se-ia sucessivamente especializado na crítica literária e na histo-riografia, produzindo poucas obras de poesia e de ficção. O papel de Sérgio na organiza-ção de Klaxon era de operar como seu representante no Rio de Janeiro, onde então ele estudava na Faculdade de Direito. Ele distribuía as revistas e recolhia o dinheiro das ven-das:

[Mário de Andrade] P.S Abro a carta para uma nova comunicação. O couto de Barros sai agora de São Paulo. Demorar-se-á fora por um mês. Fico eu com a tesouraria da revista. Assim, quando tiveres algum dinheiro de assinatura por mandar, endereça o cheque para mim. É preciso que envies também quanto antes as direções dos assinantes, para que Kla-xon possa ser enviada a todos eles no dia em que sair.24

E Sérgio responde:

Espero com ansiedade Klaxon. Falei com o livreiro Schettino à rua Sachet para recebê-la em consignação. Ele exige 30% do lucro da venda encarregando-se de distribuir pelas li-vrarias. Serve? Responda logo. Os exemplares do 1° n° se já não foram enviados pode mandar direitamente a mim. Ao contrario de minha expectativa e da de todos só pude por agora conseguir pouquíssimos assinantes. Tenho porém inúmeras promessas. Espero a re-alização destas para enviar todo o dinheiro. Pode enviar a revistas às seguintes pessoas que

23 «Carta n°1, 8 de maio 1922». In.:Pedro Meira Monteiro, Mário de Andrade e Sérgio Buarque de

Ho-landa: Correspondência, São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 19.

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assinaram: […]. O Graça Aranha manda dizer que depois de seu longo silêncio na Acade-mia, falou para defender os nossos direitos. O Afrânio Peixoto falava sobre o monumento a Machado de Assis, lembrou “os dois maiores escultores brasileiros, Bernardelli e Correira Lima25”. O Graça perguntou em aparte: -“E por que não Brecheret?26” O João Ribeiro

per-guntou “Quem é Brecheret?” Ele respondeu: “Não conchece? Lamento.27

Klaxon, o mais conhecido mensário modernista sairia a lume em 15 de maio de 1922 e se estenderia até o fim do ano. Num depoimento do fim da década de 1960, Sérgio faria uma referência autoirônica ao “menino de 20 anos” que chegava naqueles anos ao Rio, vindo de São Paulo, e lembraria: «Não participara da famosa Semana de Arte Mo-derna: levava, no entanto, o titulo insofismável de representante do Rio da publicação inicial dos sediciosos, a revista Klaxon […] Além de conseguir assinaturas e colaboração […], ainda me impusera o dever de atrair bons prosélitos para a sua mensagem. Ao lado disso, fui adquirindo o costume de investir, não raro com feroz pugnacidade, contra os que menosprezavam essa mensagem».28 A correspondência Entre Mário de Andrade e

Sérgio Buarque de Holanda ajuda-nos a traçar a história da revista Klaxon. Por exemplo, graças a ela sabemos que a produção futurista portuguesa estava presente no horizonte artístico dos modernistas brasileiros. Em junho de 1922, Sérgio escreve para Mário: «Pedi ao António Ferro qualquer coisa para Klaxon. Ele deu um manifesto publicado em Por-tugal e que nunca saiu em revista. Para nós é de toda oportunidade»29 A carta de julho

ajuda-nos a clarear os fatos relativos à condenação do movimento por Lima Barreto; nela Sérgio escreve: «Dei um número ao Lima Barreto a fim de que escrevesse qualquer coisa na Careta, elogio ou ataque, de modo a despertar a atenção».30

A resposta de Lima Barreto acabou sendo um ataque. Alguns dias mais tarde ele responderia na revista Careta: «esses moços tão estimáveis pensam mesmo que nós não sabíamos disso de futurismo? Há vinte anos, ou mais, que se fala nisto e não há quem leia a mais ordinária revista francesa ou o pasquim mais ordinário da Itália que não conheça as cabotinagens do “il Marinetti”»31 Nos seus anos juvenis Sérgio assume uma posição

25 Escultores da Academia Imperial de Belas-Artes, de inspiração neoclássica.

26 Escultor de estilo modernista. Em 1953 realizaria o Monumento às bandeiras, em São Paulo.

27 «Carta N°2, após 8 de maio de 1922». In: PEDRO MEIRA MONTEIRO, Mário de Andrade e Sérgio

Buar-que de Holanda: Correspondência, São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 27.

28Ivi, p. 21.

29 Ivi, «Carta n°3, junho de 1922», p. 38. O testo em questão é Nós, de António Ferro (1921). 30 Ivi, «Carta n°5, após 20 de julho de 1922», p. 50.

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jacobina contra os críticos do movimento, muito diferente da sabedoria irônica que atin-giria na maturidade. Na carta n°5, de julho de 1922, escreve:

Klaxon devia comentar as entrevistas que os académicos estão concedendo à Noite sobre o Momento Literário. Já se pronunciaram Alberto de Oliveira, Coelho Neto, Medeiros e Al-buquerque e Mário de Alencar. Têm sido lastimáveis. O único que nos faz concessões é o Alberto de Oliveira que declarou mais ou menos que o parnasianismo já pertence ao pas-sado e que os nossos melhores poetas de hoje são Guilherme de Almeida, Ribeiro Couto e Ronald de Carvalho.32

Mas nas cartas tem espaço também para assuntos mais cotidianos que enriquecem em maneira gostosa a nossa reconstrução da atmosfera de 1922: como quando Mário es-creve que:

A poesia do Ribeiro Couto saiu lamentavelmente disposta. Coisas de tipografia, que, apesar do cuidado dos rapazes, foi impossível consertar. Lidamos com os tipógrafos mais ignaros do universo. Mas…cobram pouco.33

Ou quando Sérgio replica que:

A comissão do monumento34 a Santos Dumont está inclinado a escolher o Brecheret para

executar em [não claro] tudo devido a insinuações minhas e do Di. Pretendo fazer uma campanha a esse respeito no Rio-Jornal35

1924 – Estética

A carta n°8, enviada em maio de 1924, introduz a nova revista modernista, que tomaria o lugar de Klaxon depois de seu encerramento. Na carta, Sérgio escreve para Mário:

Agora um pedido. Vai ser fundada aqui no Rio uma grande revista de “Arte Moderna” de meu amigo Prudente de Moraes, neto (não pertence à Liga Nacionalista), publicação tri-mensal de grande formato e mais ou menos no tipo da revista inglesa Criterion.36 O

pri-meiro número sairá em setembro próximo e só falta para isso alguma colaboração e…o título. O pedido v. já adivinha, é contribuir ara que diminua a primeira [ilegível]. Quanto

32 «Carta n°5, após 20 de julho de 1922». In: PEDRO MEIRA MONTEIRO, Mário de Andrade e Sérgio

Buar-que de Holanda: Correspondência, São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 51.

33 Ivi, «Carta n°4, 20 de julho 1922», p. 47.

34 O monumento seria depois construído por um discípulo de Bernardelli no estilo classicista. Brecheret

realizaria mais tarde, em 1954 um busto em bronze de Santos Dumont na frente do Aeroporto de Congo-nhas, em São Paulo. Ivi, p. 64.

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ao título aceita-se também uma sugestão sua. (propus dois: Revista Contemporânea e Cons-trução – não sirvo para títulos.37

Afinal, a revista se chamaria Estética, e teria 3 números, até abril-junho de 1925. Nele apareceria um artigo importante de Sérgio, onde ele declara sua recusa de uma lite-ratura realista, em favor de uma palavra “inspirada” que revele o sentido encoberto das coisas. Esse artigo, intitulado Perspectivas, parece uma aceitação da estética surrealista:

Já se ousa pretender mesmo e sem escândalo, que a mediocridade ou a grandeza de nosso mundo visível só dependem da representação que nós nos fazemos dele, da qualidade dessa representação. Nada nos constrange a que nos fiemos por completo na suave e engenhosa caligrafia que os homens inventaram para substituir o desenho rígido e anguloso das cou-sas. Hoje mais do que nunca toda arte poética há de ser principalmente – por quase nada eu diria apenas – uma declaração dos direitos do Sonho. Depois de tantos séculos em que os homens mais honestos se compraziam em escamotear o melhor da realidade, em nome da realidade temos que procurar o paraíso nas regiões inexploradas. Resta-nos portanto o re-cuso de dizer das nossas expedições armadas por domínios. Só à noite enxergamos claro.38

A suposta adesão de Sérgio à uma estética surrealista é encarada na carta n°9, escrita no Rio de Janeiro em abril de 1925 e endereçada a Mário de Andrade:

Não sou cético nem pessimista. Mas não é impossível que do seu ponto de vista seja um bocadinho das duas coisas. A verdade é que não creio na “vaidade de todas as coisas” senão como uma das atitudes possíveis neste mundo. De fato, não é a minha atitude. Ou melhor, não é a minha atitude permanente. Ao contrario quero aceitar a realidade cotidiana tal como é, embora pense que ela vale principalmente pelo que contém de promessa. Tudo isso, você vê está muito longe do super-realismo. Não nego, entretanto, que ele tenha exercido sobre mim uma grande influencia e mais tarde hei de escrever minuciosamente sobre o assunta a você.39

1925 – O “Mês Modernista” no jornal A Noite

Em 1925, o movimento ainda enfrentava dificuldades a ser tomado a sério. Por este motivo, foi um grande sucesso quando o grupo dos modernistas conseguiu aparecer com seus artigos na primeira pagina do cotidiano da capital A noite. Inaugurou-se assim, no dia 11 de dezembro de 1925, o “Mês modernista, que ia ser futurista”, que terminaria no

37 «Carta n°8, maio de 1924». In: PEDRO MEIRA MONTEIRO, Mário de Andrade e Sérgio Buarque de

Ho-landa: Correspondência, São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 66.

38 SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA, «Perspectívas». In: Sérgio Buarque de Holanda, O Espirito e a Letra,

org. Antonio Arnoni Prado, p. 215.

39 «Carta n°9, após abril de 1925». In: PEDRO MEIRA MONTEIRO, Mário de Andrade e Sérgio Buarque de

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dia 12 de janeiro do ano sucessivo. A iniciativa editorial abriu-se com a proclamação de Mário de Andrade como “Papa” do modernismo (definição que Mário logo refutaria, e que lhe iria proporcionar um choque com Graça Aranha) e com o tema da recusa do ape-lido de “futurista”:

- Falemos de literatura futurista, começamos.

- Já vem com o futurismo!...Fale Modernismo, que custa! E fica certo. -Pois então me diga qual a situação do Modernismo no Brasil.

-Mais que boa. Assim uma espécie do plenamente grão 9 das escolas. Não dou muito tempo terá distinção.

-Confesso que me custa um pouco entender essa terminologia fut…Perdão, modernista. -Qualquer tentativa em que a gente se mete é uma espécie de exame, exame da força de quem faz e da fecundidade do que faz. Ora, de todas as tentativas de modernização artística do mundo, talvez a que achou melhor solução para si mesma foi a brasileira.

-Você pode provar…

-Não me atrapalhe. Provo. Toda tentativa de modernização implica a passadistisação da coisa que a gente quer modernizar. Assim nos sujeitos indivíduos que tentam é natural, quase imprescindível a psicologia do revoltado. A gente se revolta contra o que parou. Isso perturba o individuo, faz ele praticar exageros, leviandades e perder principalmente muito da posse de si mesmo. Foi i que sucedeu em quase todo o Modernismo artístico da nossa época. Como primeiro trata-se de destruir, os exageros, até são uteis, porém depois carece construir e aí é que são elas! A gente tem precisão de muita calma e de munheca rija, senão não aguenta o repuxo. Veja o Futurismo italiano. Fez um chinfrim danado, destruiu, des-truiu, encasquetou de matar o chiaro di luna e outras bobans. Matou? Matou nada! E vai, o Futurismo ficou matando o luar até agora e não achou uma saída humanamente artística. Que nota a gente pode dar para ele? Zero. O futurismo italiano tomou bomba.40

Nos artigos publicados na Noite, para além de uma apresentação de trechos de nar-rativa e de poemas, aparecem pequenos textos que refletem sobre temáticas culturais. Começa aqui a ser apresentado um pensamento modernista acerca da nacionalidade, agora não só na arte, e sobre o desafio primitivista lançado por Oswald de Andrade com o Manifesto pau-brasil.

A grande tolice do meu amigo Osvaldo de Andrade é imaginar que descobriu o Brasil. Absolutamente não descobriu tal. O que ele fez foi descobrir a si mesmo. Verificou que era brasileiro, achou graça na historia e acabou levando a serio a ideia de pátria. Hoje é um dos nossos bons poetas, si bem que não entenda uma palavra de anatomia do verso. Não passou pelo serviço militar da métrica. […] Ele tenta uma crise de primitivismo, porém não pode ficar burro de repente (?) nem esquecer o que aprendeu nas Europas (aprendeu, por ex., a

40 «Assim falou o papa do futurismo – como Mário de Andrade define a escola que chefia», A Noite, 12

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ser livre). […] Não tenha pressa quanto á formação da língua brasileira. […] Como todos os da sua geração, talvez sem saber, Osvaldo de Andrade está se sacrificando para que amanhã os nossos meninos tenham uma poesia com a cor e o cheiro do Brasil.

Carlos Drummond.41

Os acontecimentos ligados à Noite claramente tiveram seus reflexos na correspon-dência de Sérgio e Mário. Na carta n°10, datada 2 de dezembro de 1925, Sérgio escreve:

Escrevo a você neste papel mesmo à falta de outro aqui na “United Press”. Também é só pra mandar este livrinho que eu desconfio que você não achará muito desinteressante, se é que v. já não conhece. Me lembrei de lhe mandar porque acho que ele fez qualquer coisa pra Rússia de seu tempo que não está muito longe do que os melhores da nossa geração (?) desejam fazer ou já têm feito pro Brasil.42 […] Agora chega de cultura, como diz o Osvaldo.

[…] Ele (o Prudente) já escreveu duas coisas estupendas pra Noite. Uma historinha do Brasil e um trecho super-realista que ficou simplesmente magnífico. O Manuel também escreveu um extraordinário “Cidade Nova” (poema).43

1926 – O ano de Terra Roxa e outras terras e das ruturas

Depois de Klaxon e Estética, os modernistas elaboram um novo projeto editorial, sob a denominação Terra roxas e outras terras. Já o nome traz uma associação clara com a origem paulistana do movimento modernista: terra roxa é o nome associado a um par-ticular tipo de chão, muito fértil, que se encontra no sul do Brasil. Era um nome de origem recente: foi criado pelos imigrantes italianos, que descreviam o solo típico desta região com o adjetivo italiano rosso, trocando-o com o termo português roxo, que na verdade teria uma tonalidade violácea. Terra roxa representa mais uma tentativa de ponderação sobre a natureza do Modernismo: o jornal abre-se com um editorial que reflete sobre os paradoxos da definição de modernidade:

Os trabalhos publicados obedecerão a uma linha geral chamada do espírito moderno, que não sabemos bem o que seja, mas que está patentemente delineada pelas suas exclusões.44

41 CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE,«O homem do páo brasil» A Noite, 14 de dezembro de 1925,

dispo-nível na Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional Brasileira.

42 Pedro Meira Monteiro considera que se trate do livro Who can be happy and free in Russia? de Nikolay

Nekrassov (1821-77), na sua tradução inglesa, que foi encontrado na coleção de Mário. É uma proposta interessante, porque o livro em questão pretende criticar a sociedade czarista do seu tempo, recolhendo no entretanto uma grande massa de material folclórico. PEDRO MEIRA MONTEIRO, Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda: Correspondência, São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 77.

43 Ivi, «Carta n°10, 2 de dezembro de 1925», p. 75.

44 «Nossa Enquête», Terra Roxa e outras terras, n°1, 20 de janeiro 1926, capa, disponível na Hemeroteca

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27 E ainda:

Mas a final o que é o espirito moderno; toda a gente fala em modernismo, em mentalidade moderna. Existe ou não esse espirito, essa mentalidade?

Existe! Não existe!

“Terra Roxa” resolveu, por intermedio de seu colaborador Rubens de Moraes, fazer uma grande enquête para esclarecer ou obscurecer ainda mais o problema.45

Talvez o grande sucesso do jornal tenha sido uma iniciativa, bem-sucedida, para a aquisição de uma carta original de padre Anchieta numa livraria de Londres, que foi tro-cada simbolicamente com trinta sacos de café, recolhidos entre os assinantes do jornal. Esta atenção para um documento tão “passadista” pode parecer paradoxal, se confron-tado com o hiperbólico convite de Marinetti para «colmare i piccoli canali puzzolenti»46

da Veneza passadista. Na realidade, é perfeitamente coerente com o modernismo brasi-leiro, que se configura não só como uma tentativa de renovação da forma literária, mas também como pretensão de repensar o passado nacional (e, neste caso especifico, pau-lista) para produzir no presente uma independência mental real das heranças da coloniza-ção. É, aquele brasileiro, um modernismo que olha para trás, como a produção historio-gráfica dos anos 1930 irá confirmar. Vale a pena reportar brevemente a história da carta de Anchieta. No número de abertura de Terra Roxa, Paulo Prado introduz o problema:

Está a venda na livraria Maggs Bros, de Conduit Street, em Londres, uma carta autógrafa do padre Joseph de Anchieta. É escrita de São Paulo de Piratininga, de São Paulo de Cam-pos como dizem as actas da Camara dessa época, e é datada de um domingo, 15 de novem-bro de 1579. Para um Paulista é com intensa emoção que se lê esse documento […] Es-creve-o o padre Anchieta, do primitivo colégio toscamente elevado no alto da acrópole piratiningana. […] Numa tarde algodoada de nevoeiro, frio e caligem de novembro lon-drino, a carta do padre Anchieta evoca a visão da outra Piritininga de hoje, erguendo-se tumultuariamente, num claro dia de sol, dos antigos campos que também conhecera o je-suíta. É o documento de família que dá á Cidade moderna o atestado de longa ascendência que não possuem os novos-ricos. Da pobreza primitiva, heroica e fecunda, da “paupérrima e estritíssima casinha” de 25 de janeiro de 1554, cerca de quatro séculos mais tarde a se-mente plantada pelo jesuíta frutificara como talvez nunca o sonhara a sua imaginação de poeta e de missionário. Todo o milagre desta transformação está atestado no papel amare-lecido da carta anchietana. Será possível que S. Paulo permita que o documento precioso desapareça nalgum leilão de autógrafos, ou cáia nas mãos dos avidos colecionadores ame-ricanos. Governo ou particular, dinheiro do Tesouro ou subscrição pública, seja como for,

45 «Nossa Enquête», Terra Roxa e outras terras, n°1, 20 de janeiro 1926, capa, disponível na Hemeroteca

Digital da Biblioteca Nacional Brasileira.

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é preciso que o autografo de Anchieta volta para donde partiu séculos atras. Custa 200 libras: o valor de trinta sacas de café.47

A operação teve êxito. Na edição de Terra Roxa de 27 de abril, o próprio Paulo Prado refere o sucesso, no ato de entregar a carta para o museu paulista, acrescentando uma interessante reflexão sobre a relação entre presente e passado no olhar do moder-nismo brasileiro:

Sabíamos que a semento do jesuíta tinha frutificado esplendidamente em mil milhões de cafeeiros espalhado nas 25.000 fazendas de S.Paulo. Com um insignificante esforço dessa força que se ignora a si mesmo e que é tudo e nada é, poderíamos encher de preciosidades, como em armazéns ou tulhas, todas as salas deste edifício, para aqui transportando os do-cumentos da Torre do Tombo, de Évora, de Simancas de Sevilha.

[…] Esta modesta cerimonia é também uma homenagem do presente ao passado, as más línguas dirão talvez do “futuro” ao passado.

O pequeno grupo que redige a revista “Terra roxa e outras terras” é a vanguarda do espírito moderno brasileiro. Os rapazes que o compõem passaram, como é preciso, por um período heroico em que não lhes faltaras apodos e injurias. Período de incompreensão, mundial e histórico. Hoje já começam a ser quase consagrados, e dentro em breve serão eles os clás-sicos deste minuto vertiginoso.

Si este Monumento fosse um museu de Arte eu aconselharia aos modernistas de São Paulo que fugissem dele como da peste. Os chamados “Templos da Arte” são perigosos e funes-tos. A entrada dos museus artísticos devia ser proibida aos menores de quarenta anos, idade já serena em que não se sabe mais imitar Para os moços a lição está la fora, e não mais não Venezas cor-de-rosa, nos Fontainebleaus outonais, nas Bruges defuntíssimas. Tranquili-zemo-nos, porém; neste museu só há, empalhados, bichos e borboletas. Uma ou outra ma-nifestação artística, isolada, torna-se sem perigo no ambiente naphtalisado. Este museu é sobretudo o museu do nosso passado paulista, ainda palpitante com o calor e a vida de outr’ora. Seria próprio de uma criança (já o disse Cicero numa frase a ser aqui gravada em latim e em letras de ouro) Seria infantil ignorar o que se passou antes de nós. É o desenvol-vimento desse sentimento humano que se chama paixão histórica. Só no culto dessa paixão conseguiremos compreender e realizar integralmente a consciência social, artística e inte-lectual do nosso Hoje, do nosso Profundo Hoje do poeta francês.48

Longe de recusar o passado, um modernismo deste tipo pretende iniciar uma refle-xão histórica para compreendê-lo. Era uma perspetiva e uma linha de pesquisa que iriam encher inúmeras páginas nos anos 1930, graças a autores como Caio Prado Jr. e o próprio Sérgio Buarque de Holanda. O jornal Terra Roxa teve uma existência efêmera, produ-zindo apenas 7 números, e acabou a própria experiência com o número de setembro de

47 «Uma carta de Anchieta», Terra roxa e outras terras, n°1, 20 de janeiro de 1926, disponível na

Heme-roteca Digital da Biblioteca Nacional Brasileira.

48 PAULO PRADO,«Discurso», Terra Roxa e outras terras, n°5, 27 de abril de 1926, capa, disponível na

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1926. Talvez para este fracasso tenha contribuído a atmosfera interna do movimento, que neste período ia se dividindo. A participação no jornal dos autores em que estamos base-ando a nossa analise, Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda, foi de pequeno tamanho. O diretor do jornal, Antônio de Alcântara Machado, em carta de 31 dezembro 1925 para Prudente de Moraes, neto, tenta convencê-lo a participar na iniciativa e a con-vencer também Sérgio Buarque:

Boas últimas festa, Prudente. Saiba que, em meados de janeiro de 1926, daremos à luz da inteligência pátria que lê um quinzenário, em formato de jornal, Título: Terra Roxa, subtí-tulo: …e outras terras. Diretores: A. C. Couto de Barros e Antônio de Alcântara Machado. Redator-secretário: Sérgio Milliet. Representante no Rio de Janeiro: Prudente de Morais, neto. Aí é que está a surpresa. E o motivo disto, também. Você tem de aceitar. Queira ou não queira. NÓS queremos. […]

Toma a sério o negócio. Escreva-me logo, mandando endereços dos nossos cariocas e mi-neiro. O Sérgio (então…daí…então…) é o crítico literário (de prosa) do Terra Roxa. Você, até o dia 5 ou 6, tem de mandar um conto. Sem falta. Já está marcado o lugar no primeiro número. Concite os povos: Manuel Bandeira, Soares, Arinos, e outros que tais, inclusive Graça-Renato-Ronald49. Seriamente, belisque o Sérgio.50

Mas obter a colaboração de Sérgio não foi tão simples, e afinal ele publicou uma só crítica, em junho, mesmo trabalhando concretamente para a distribuição do jornal, como escreve para Mário na carta n° 12, de 10 de fevereiro: «Distribuí Terra Roxa com grande dificuldade pelas livrarias. Algumas se recusaram a receber devido ao formado de jornal»51. Na

recensão de junho, dedicado ao livro Pathé Baby de Alcantara Machado, encontra-se uma velada condenação àquela tentação de celebrar a nacionalidade, com uma coloração va-gamente saudosista e ufanista, que será daí a pouco o traço característico do movimento verde-amarelo:

O velho jacobinismo dos nossos românticos de 1860, tipo “todos cantam sua terra também vou cantar a minha” começa a ser brilhantemente ressuscitado pelos nossos românticos de 1926. Depois de tantas experiências yans que a gente sofreu para esquecer essa atitude, o resultado é que o mais ligeiro esforço no sentido de exprimir mais profundamente o “estilo nacional” ajeitando bem ele na nossa produção literária e artística, bastou para que voltasse á tona com ruido. Mas agora é se conformar com ela, já que os mais ousados dentre nós

49 Note-se como aparecem ligados os nomes de Graça Aranha, Renato de Almeida e Ronald de Carvalho,

sugerindo um trio inseparável. Eles serão os objetivos passadistas do duro artigo de Sérgio O lado oposto e outros lados.

50 CECÍLIA DE LARA (org.), Terra Roxa e outras terras, São Paulo: Secretaria da Cultura, Ciência e

Tecno-logia, 1977, p. X.

51 «Carta n°12, 10 de fevereiro de 1926». In: PEDRO MEIRA MONTEIRO, Mário de Andrade e Sérgio

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tiraram o melhor partido de sua eficiência. […] Tudo isto não é dito a propósito do libro que Antonio de Alcantara Machado nos apresenta: “Pathé-Baby”. Mas é sugerido por ele.52

O ano 1926 é, de facto, um ano fundamental no percurso do Modernismo brasileiro, porque é o ano em que a unidade original de um movimento, antes unificado pela luta contra a frente passadista, quebra-se sob o peso das diferenças estéticas e ideológicas internas. A primeira rutura acontece entre Mário de Andrade e o patrono do movimento, Graça Aranha. Mário desconfiava da genuinidade da aderência de Graça Aranha à nova estética modernista e a sua influença o incomodava profundamente. Em carta de 1925, dirigida a Manuel Bandeira, escreve: «Quando o Osvaldo disse que Graça desconhecia inteiramente o modernismo quando chegou ao Brasil, disse a mais verdadeira das verda-des. Leu e observou tudo o que estávamos fazendo, bem me lembro das palavras vagas que pronunciaria ouvindo e vendo as nossas pinturas e poesia! E se apossou de tudo».53

Também Sérgio queixar-se-ia de Graça Aranha e da sua teoria da “perpetua ale-gria”, achando estranho que um pensamento desse tipo pudesse sobreviver depois da de-flagração traumática da guerra mundial. O que se criticava, afinal, na obra do escritor de Canaã, era a sua falta de verdadeiro modernismo. O casus belli para a rutura das relações houve-se depois do mês modernista na Noite, onde Mário foi chamado pelos jornalistas de “papa” do movimento. Graça Aranha acusou Mário e o seu grupo mais estrito de ter organizado a iniciativa no jornal sem ter previamente consultado os outros modernistas. A nada valeu a intervenção da redação do jornal, no encerramento do mês modernista, após um poema de Prudente de Moraes, para acalmar as aguas:

Não é verdade que o escritor Graça Aranha tenha vindo a esta casa protestar por termos dado ao Sr. Mário de Andrade e não a ele o papado do futurismo no Brasil. Não veio nem podia vir, dada a sua bela linha de discreção e elegância de espirito. O caso de dizer-se que o autor do “Chanaan” se sensibilizara por ter A NOITE dado a tiara papal ao Sr. Mário de Andrade, não passa de pilheria, pilheria inocente, das muitas que surgem nas rodas literá-rias e das muitas que surgiram com a criação do “Mês Modernista” feita por nós.54

52 SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA,«Pathé-Baby», Terra roxa e outras terras, 6 de julho de 1926, p. 3. 53 MARCOS ANTONIO DE MORAES (org.), Correspondência de Mário de Andrade & Manuel Bandeira, São

Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001, p. 206.

54 PRUDENTE DE MORAES, NETO,«Nota da Redação», A Noite, 12 de Janeiro de 1925, p. 1, disponível na

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Mário decidiu publicar uma carta aberta no jornal A Manhã onde denunciavas as suas muitas diferenças com o autor de Canaã, que, para ele,

Em filosofia não passa dum inventor que vive abrindo portas abertas. Isso se você fosse deveras um filósofo. Porém observando o seu dogmatismo imperial, a insegurança de se reportar ao passado citando-o, esse apenais meio conhecimento da filosofia histórica e ainda esse leviandade de se acreditar novo, a gente percebe facilmente que você não faz filosofia que Farias Brito foi o único a praticar aqui, mas persevera naquele filosofismo por demais lírico que vem sendo a tiririca do pensamento brasileiro.55

A querelle teria reverberado até à correspondência de Mário e de Sérgio. Na carta n°11, datada 12 de janeiro de 1926 (a mesma data da publicação da «nota da redação» na Noite), Sérgio escreve:

Mário amigo;

Gostei muito do seu artigo na Manhã de hoje. Ia te enviar um telegrama de parabéns mas surgiu esta nota da Noite que não sei se v. iria ler. Não me lembro te ter lido na Noite que o Graça fora lá protestar. Mas em todo o caso, seja como for isto que lhe mando deve interessar a v. Do sempre seu Sérgio.

Escrevo-te às pressas. É só pra enviar o recorte da Noite.56

A disputa concluiu-se quando Teixera Soares, colega de Sérgio e Prudente no curso de direito, publicou uma carta aberta no Globo de 25 de janeiro, onde defendia Graça Aranha, escrevendo:

O brasileiro de Graça Aranha é o brasileiro sem anemia verminótica, brasileiro com escola pública e hospital, sanguíneo, musculoso, múltiplo e moderno, e não um brasileiro primi-tivo, resignado, índio-preto. Naturalmente: à tristeza resignada preferimos uma alegria con-tundente. A uma arte hu-hu-hu primata preferimos uma arte brasileira e moderna, que seja um espetáculo alegre e colorido.57

Palavras que foram comentadas por Sérgio, na carta n°12 de 10 de fevereiro de 1926, com um lacónico: «Achei ela ruim e não esperei que v. ainda se desse o trabalho de responder»58. Consumava-se assim a primeira rutura do Movimento neste ano fatal.

Mas uma falha ainda maior abrir-se-ia mais tarde, em outubro, por causa do próprio Sér-gio Buarque de Holanda. Em outubro de 1926 SérSér-gio publicou na Revista do Brasil59 o

55 PEDRO MEIRA MONTEIRO, Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda: Correspondência, São

Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 81.

56 Ivi, «carta n°11, 12 de janeiro de 1926», p. 80. 57 Ivi, p. 85.

58 Ivi, p. 83.

59 A Revista do Brasil, embora sendo publicada com descontinuidade ao longo do século, tem exercido uma

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artigo O lado oposto e outros lados60, onde polemicamente rompeu as ligações com a ala

mais conservadora do movimento (representada por Guilherme de Almeida, Ronald de Carvalho e sobretudo Tristão de Athayde), criticando ao mesmo tempo a atitude incerta do amigo Mário de Andrade.

Estamos, neste período, compreendido entre o outono de 1926, com O lado oposto e outros lados, 1928, com o artigo O testamento de Thomas Hardy, e o Natal de 1930, com seu regresso da Alemanha, no momento fundador do carater e da perspetiva literária de Sérgio, que nos anos 1930 virará decididamente para a ensaística, endereço que man-teria por toda a vida. Para Mário, também, estes são os anos das pesquisas antropológicas e da busca das origens do povo brasileiro que tanto influirão na sua poética. Por este motivo, os acontecimentos destes anos merecerão um tratamento detalhado nos próximos capítulos. Aqui cabe precisar que o desacordo entre os dois foi resolvido e que a corrpondência teria retomado vigor. Em carta de 1928, Sérgio promete a Mário que iria es-crever um artigo sobre ele. Em abril do mesmo ano, Mário responde:

A promessa do artigo é ouro pra mim. […] Tenho esperança que alguma coisa que me interesse de verdade porque, repare, com exceção dumas poucas coisas, ditas pelo Tristão, ninguém até agora, não percebeu direito em mim coisa que me interessasse. Isso é horrível. Aliás nem é artigo publiquento e publicável que espero. Basta carta, ali, uma carta que falasse coisas mais subtis (ergo: mais profundas) sobre este vulcão de complicações que eu sou! […] Jamais não consegui saber o que eu sou. Mas ponha reparo nos que escrevem sobre mim: sou fácil como água para eles, questão fácil de resolver, dois mais dois. Tenho esperança em você que soube falar sobre Hardy e inda melhor de vez em quando inventa coisas.61

Se a amizade entre Sérgio e Mário foi recuperada, a mesma coisa não aconteceu com Tristão de Athayde, que chegaria a enviar a Sérgio, em 1929, uma carta intitulada Adeus à disponibilidade62. De maneira estranha, a figura de Tristão permaneceria para

Sérgio como uma combinação emblemática de excelência intelectual acompanhada por

apresentando, portanto, uma linha contrária ao modernismo) foi vendida por causa de dificuldades finan-ceiras em 1925 para Assis Chateaubriand. Nesta fase colaborou com a revista Prudente de Moraes. A revista foi ressuscitada em 1938 por Chateaubriand para operar como uma voz contrária ao Estado Novo. Nesta fase colaboraram, entre outros, Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Mário de Andrade. Na quarta e última fase (1984-1990) a revista foi dirigida por Darcy Ribeiro.

60 SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA, «O lado oposto e outros lados». In: Pedro Meira Monteiro (org.), Mário

de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda: Correspondência, São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 398.

61 Ivi, «Carta N° 15, 22 de abril de 1928», p. 96.

62 TRISTÃO DE ATHAYDE, «No limiar dos cruzamentos», Revista do Brasil, n° 6 (quarta fase), Rio de Janeiro,

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