• Non ci sono risultati.

A INTERPRETAÇÃO DO DIÁLOGO PESQUISADOR – OPERADOR L’INTERPRÉTATION DU DIALOGUE CHERCHEUR – OPÉRATEUR

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Condividi "A INTERPRETAÇÃO DO DIÁLOGO PESQUISADOR – OPERADOR L’INTERPRÉTATION DU DIALOGUE CHERCHEUR – OPÉRATEUR"

Copied!
68
0
0

Testo completo

(1)

L’INTERPRÉTATION DU DIALOGUE

CHERCHEUR – OPÉRATEUR

A INTERPRETAÇÃO DO DIÁLOGO

PESQUISADOR – OPERADOR

ALINE FARIAS

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

DANIEL FAÏTA

AIX-MARSEILLE UNIVERSITÉ

Abstract

Basing on Vygotsky’s indirect methods framework, Bakhtin’s translinguistics approach, and the principles of the ergonomics of the activity, we analyze two sequences of self-confrontation between a researcher and an operator. We follow the evolution of the dialogue, without isolating the words and gestures of concrete actions, and we emphasize the signs reflecting people’s involvement in a new activity of interpretation of their professional experience. In this way, we implement the translinguistics advocated by Bakhtin within an approach encompassing the verbal and nonverbal dimensions mobilized in the coproduction of the meaning.

Keywords

Self-confrontation, Dialogues, Language activity, Verbal and nonverbal signs, Coproduction of meaning.

(2)

© Copyright 2018 degli autori

ISBN: 978-88-98626-18-2

DOI: http://doi.org/10.6092/unibo/amsacta/6042

The TAO Digital Library is part of the activities of the Research Programs based on the Theory of Organizational Action proposed by Bruno Maggi, a theory of the regulation of social action that conceives organization as a process of actions and decisions. Its research approach proposes: a view on organizational change in enterprises and in work processes; an action on relationships between work and well-being; the analysis and the transformation of the social-action processes, centered on the subject; a focus on learning processes.

The contributions published by the TAO Digital Library are legally deposited and receive an ISBN code. Therefore, they are to be considered in all respects as monographs. The monographs are available online through AMS Acta, which is the institutional open archive of the University of Bologna. Their stable web addresses are indexed by the major online search engines.

TAO Digital Library welcomes disciplinary and multi- or inter-disciplinary contributions related to the theoretical framework and the activities of the TAO Research Programs:

- Innovative contributions presenting theoretical or empirical analysis, selected after a double peer review process;

- Contributions of particular relevance in the field which are already published but not easily available to the scientific community.

The submitted contributions may share or not the theoretical perspective proposed by the Theory of Organizational Action, however they should refer to this theory in the discussion.

EDITORIAL STAFF

Editor: Bruno Maggi

Co-editors: Francesco M. Barbini, Giovanni Masino, Massimo Neri, Giovanni Rulli International Scientific Committee:

Jean-Marie Barbier CNAM, Paris Science of the Education

Vittorio Capecchi Università di Bologna Methodology of the Social Sciences

Yves Clot CNAM Paris Psychology of Work

Renato Di Ruzza Université de Provence Economics Daniel Faïta Université de Provence Language Science Vincenzo Ferrari Università degli Studi di Milano Sociology of Law Armand Hatchuel Ecole des Mines Paris Management Luigi Montuschi Università di Bologna Labour Law Roberto Scazzieri Università di Bologna Economics

Laerte Sznelwar Universidade de São Paulo Ergonomics, Occupational Medicine Gilbert de Terssac CNRS Toulouse Sociology of Work

ISSN: 2282-1023

www.taoprograms.org – dl@taoprograms.org http://amsacta.cib.unibo.it/

Pubblicato nel mese di dicembre 2018 da TAO Digital Library – Bologna

(3)

Daniel Faïta, Aix-Marseille Université

Introdução

Nunca é demais, quando se abordam as questões fundamentais da pesquisa em ciências do trabalho, precisar como situamos nosso propósito em relação aos conceitos e hipóteses de referência. É por isso que começaremos lembrando que nenhuma das unidades lexicais tão comuns como trabalho, ação, atividade, deve escapar à sua definição ou - ainda melhor - a um conjunto de distinções reciprocamente orientadas. É este o melhor meio de evitar certos desvios constatados em matéria de conceptualização de relações tão cruciais (como as relações entre trabalho e atividade, ação e atividade - conceitos nucleares e determinantes da análise da atividade/do trabalho). O trabalho: conceito genérico designando o processo de transformação dos estados das coisas (matéria, situações, relações...); atividade: conjunto de elementos, fatores, organizadores, saberes, meios, permitindo a ação; ação: gestos, condutas, etc., conduzindo a essa transformação em função dos elementos e condições resultando da atividade. Daí a legitimidade de falar em atividade de trabalho.

Lembremos, como Clot (2008: 6), que, na história atual dos estudos do trabalho, Leplat foi muito longe, na psicologia cognitiva ergonômica, escrevendo: “o agente não faz apenas realizar a tarefa prescrita, mas visa também, por esta realização, a objetivos pessoais” (Leplat, 1997: 28). Consequentemente, “a atividade é, na realização efetiva da tarefa, por ela, mas às vezes também contra ela, produção de um ambiente de objetos materiais ou simbólicos e de relações humanas ou mais exatamente re-criação de um ambiente de vida” (Clot, 2008: 6). E mais adiante: “A atividade dos sujeitos no trabalho não é determinada mecanicamente por seu contexto, mas o

(4)

metamorfoseia” (ibid.: 7). Reteremos que os atos executados para cumprir a tarefa, formalmente ou não definida pela ou pelas prescrições, realizam a atividade, sem prejuízo do sentido dessa realização. Mas, outros pontos de vista bastante convergentes, antecipavam tais concepções a partir de premissas diferentes. Sob o ângulo de uma abordagem filosófica do trabalho, Schwartz escrevia assim: “[...] o ato técnico nunca é uma pura importação externa, que determinaria nos executores um momento da experiência vital; as normas que antecipam uma fabricação dada, incluindo os modos de organização social como ferramentas, são sempre retrabalhadas, reapropriadas no que aparece finalmente como uma experiência industriosa” (Schwartz, 1992: 201). Sem nos engajar, nesse momento, na reflexão sobre o que implica tal concepção da experiência, reteremos certas complementaridades das referências que aproximamos aqui por nossa conta. Essas complementaridades desenham o objeto da pesquisa apresentada a seguir, ao mesmo tempo em que deixam indefinidos problemas que, para serem esboçados, nos parecem demandar investigações diferentes. Aproximada, pelo viés da “experiência industriosa”, ou experiência pré-existente (como um bem mais amplo), de sua “realização efetiva” pela tarefa, a atividade não é em nenhum caso redutível às dimensões concretas de um objeto acabado e isolável por meios experimentais, o que exprime a fórmula atualmente difundida, segundo a qual “a atividade não se aponta com o dedo”. Em outras palavras, a atividade se deixa aproximar por meio dessa “experiência industriosa” que, realizando-se na execução da tarefa, ultrapassa esta em todas as suas dimensões. No entanto, os processos ativos em funcionamento no trabalho - qualquer que seja seu objeto - ou seja, as sequências e encadeamentos de escolhas, decisões, gestos, só ganham seus valores e só fazem sentido em referência a essa atividade, e não às “normas” que se supõem determinar a ação nas suas formas e modalidades. Por essa razão, a atividade constitui para nós a verdadeira unidade em relação à qual será definida nossa posição de analista e de interpretante das situações de trabalho, assim como de suas transformações, sob o efeito de nossas intervenções. Convém ainda acrescentar que, se assumimos como fato

(5)

incontestável que a atividade de sujeitos agentes (que poderemos categorizar tanto como operadores, ou como pessoas; o essencial, para nós, é o fato de que apreendemos a realidade desses sujeitos agentes pelo ângulo exclusivo daquilo que percebemos de sua atividade realizada) não poderia se limitar a uma determinação “mecânica” de seus atos. É igualmente importante levar em conta, em nossa abordagem, a pluralidade de meios sociais cujas marcas se manifestam nessa atividade.

Acrescentaremos que os termos dessa introdução induzem, em vista dos argumentos propostos, consequências importantes concernentes às escolhas teóricas e metodológicas por meio das quais observamos o objeto submetido às nossas investigações. Assim, a conjunção de nosso conhecimento dos meios de trabalho docente e da convicção de que a atividade profissional não se limita a um conjunto - mesmo vago - de observáveis a coletar a partir de técnicas apropriadas nos incita a reconsiderar a questão da análise sob um ângulo particular. Em conformidade com uma corrente atual da ergonomia, avançaremos que “a atividade não é aquilo de que se possa fazer uma análise, pois ela não é um objeto já existente na realidade, mas é na verdade o esforço de investigação que lhe dá forma e que a constitui como objeto de conhecimento, tornando visível o que não o é pela simples observação” (De Gasparo, 2015: 1). É então no quadro de um diálogo, mais exatamente da relação dialógica associando pesquisadores e profissionais que procedemos conjuntamente à “constituição desse objeto de pesquisa”. Desse modo, a reconstrução das situações de trabalho previamente observadas e filmadas, recriadas em um novo contexto, advém tanto, ou mesmo indissoluvelmente, da intervenção como da pesquisa, o que nos conduz a reivindicar a qualificação de “pesquisa fundamental de campo”. Isso quer dizer, no caso na atividade do professor, que a produção de novos conhecimentos sobre a atividade docente só é possível operando transformações nessa atividade, e que essas transformações necessitam a instauração do diálogo a partir de situações concretas, vividas, em novas situações. Em vista disso e além disso, à concepção de uma pesquisa dialógica (construir conjuntamente um objeto inédito pela recontextualização

(6)

de um objeto inicial), acrescenta-se, no mesmo movimento, o engajamento de um diálogo entre profissionais e pesquisadores como princípio de ação, instância de mediação (co-elaboração do sentido a se atribuir aos atos e manifestações significativas) e instrumento de compreensão. Seguindo, a esse respeito, Vygotsky (1926/1997), postulamos que são, com efeito, essas manifestações, em sua diversidade linguística, simbólica, mas também física, que ao mesmo tempo fornecem as ferramentas para a expressão e articulam pensamento e vivido em um duplo movimento de colocação em palavras do vivido e de sua renovação. Mas acrescentaremos, tese essencial para o que segue que, além daquilo que remete a um domínio relativamente familiar, os signos não-verbais desempenham um papel importante pela possibilidade que eles oferecem de transformar as significações verbais, estimulando assim a produção de sentidos diferentes.

Fundamentos teóricos

Podemos considerar que a teoria histórico-cultural de Vygotsky constitui nossa referência principal, no que ela propõe a ideia fundamental segundo a qual “o humano, nas suas características essenciais, se constituiu historicamente” (Brossard, 2012: 57). No cerne dessa afirmação, o conceito de “desenvolvimento” dá conta das transformações do psiquismo relacionadas com “a apropriação [pelo homem] das obras da cultura”, o que deve ser entendido assim: “As atividades humanas são atividades mediatizadas no sentido de que são tornadas possíveis pela criação e a retomada no curso das gerações de meios artificiais”, os quais permitem objetivar “suas próprias produções nas diferentes classes de obras (conhecimentos, ferramentas, instituições, obras de arte, sistemas de crença e de signos, etc.) [...] O mundo assim produzido não é então um mundo de fatos brutos, mas um mundo de realidades significantes [...] Além disso, o que se encontra objetivado, não são apenas objetos trabalhados, conhecimentos [...], mas também as ferramentas necessárias a sua produção, a sua utilização e a sua transmissão: linguagem oral, linguagem escrita [...] Esse mundo produzido pelas atividades humanas,

(7)

transformado e perpetuamente retrabalhado, constitui o mundo da cultura” (ibidem).

Consideraremos aqui, conforme o objetivo das investigações propostas, que a história dos modos de desenvolvimento pessoais e coletivos, dos quais são portadoras as atividades profissionais retidas por nós, está intrinsecamente ligada a esse processo histórico geral, como é também representativa deste no plano restrito das situações estudadas.

Escolhas metodológicas

Sempre seguindo o fio do pensamento de Vygotsky, para quem “estudar historicamente é, com efeito, simplesmente aplicar a categoria do desenvolvimento à análise dos fenômenos” (Vygotsky, 2014: 169), postularemos que estudar um objeto tal como a atividade profissional - a docente, nesse caso - é estudar em movimento, apreendê-lo em todas as suas fases e suas mudanças, pois é apenas quando o objeto de pesquisa está em movimento que ele mostra o que ele é: “Assim, longe de ser complementar ou auxiliar em relação ao estudo teórico, o estudo histórico do comportamento é a sua base” (ibidem).

Assim, o quadro metodológico da autoconfrontação, pela instauração de uma atividade segunda sobre a atividade primeira (objeto inicial da investigação) pelo movimento de “descontextualização/recontextualização” (circulação entre as atividades confrontadas), pode oferecer à investigação situações reais onde o processo de desenvolvimento se dê a ver em sua tripla dimensão: debate das componentes e dimensões da atividade (histórica inclusive); debate do uso dos meios e das ferramentas utilizadas, assim como dos modos operatórios; e, sobretudo, em relação ao nosso propósito, colocação à prova dos artefatos culturais de que dispõem os protagonistas para expressar - então criar, recriar, transformar - as relações moventes que eles mantêm com os objetos e as pessoas, participantes ou não, destinatários ou não, dessa mesma atividade.

(8)

Correlações: outras fontes teóricas mobilizadas pelo quadro metodológico Os pressupostos que fazem do diálogo a fonte privilegiada nessa operação de produção de novos saberes, intimamente associada à transformação das situações profissionais submetidas ao estudo conjunto, suscita a evocação de outras hipóteses. Bakhtin, de modo quase contemporâneo, abriu perspectivas infinitas para essas questões. Sem negligenciar a importância da distância entre os universos de pensamento desses dois autores, não podemos ignorar as complementaridades de fato que sugerem suas obras respectivas.

Começaremos evocando como, para Bakhtin (1952/2006), o enunciado, ou as “palavras” produzidas na troca verbal não são nunca, em nenhum caso, o produto único e original da atividade dos interlocutores em presença. As formas utilizadas já o foram por outros, atravessaram múltiplos contextos em situações diferentes como anteriores. Apenas formas conjunturais, de natureza flexível, eventualmente heterogênea (ao mesmo tempo ou alternativamente lexical, estrutural, entoacional, cinestésica, etc.) que ele chama “gêneros do discurso” são portadoras de sentidos específicos, em relação à significação formal e abstrata das “palavras”. Identificáveis e interpretáveis pelo interlocutor, que dedica a isso uma parte de sua atividade: “cada destinatário de um discurso [...] tem uma certa ideia, compara o orador com um outro, e se situa já na teoria interpretativa do texto” (François, 2005: 71). Os “gêneros do discurso” manifestam melhor que toda outra componente linguageira a natureza processual da troca verbal e sua pertença à esfera da atividade. É igualmente desse ponto de vista que a atividade se impõe como a unidade de análise verdadeiramente pertinente dessas trocas.

Mais ainda, Bakhtin considerava como um « texto potencial » todo comportamento humano, sugerindo assim a ideia de uma integração global dos modos humanos de comunicação.

(9)

Investigação, produção de conhecimento, desenvolvimento e transformações: uma “pesquisa fundamental de campo”

Concluímos, então, pelo que precede, que toda produção humana de conhecimento assim considerada, necessariamente no quadro de uma atividade, qualquer que ela seja, participa de uma co-elaboração, sempre mais ou menos contraditória no sentido de que ela integra elementos do “comum” e da novidade, fruto do diálogo, logo do encontro de atividades reciprocamente orientadas ao mesmo tempo em que aplicadas a um ou mais objetos partilhados. Essa co-elaboração, uma vez instaurada, constitui ao mesmo tempo o material e a condição do triplo desenvolvimento (Clot, Faïta, 2000/2016) que temos o objetivo de apreender por meio do diálogo de autoconfrontação. Essa mesma abordagem provoca simultaneamente transformações, às vezes pluridimensionais, às situações submetidas às atividades iniciadas, individuais e/ou coletivas.

A esse respeito, propomos considerar o quadro dessas pesquisas como participando de uma “pesquisa fundamental de campo”. Insistiremos sobre o fato de que o diálogo, desde sua fase inicial (o processo de recontextualização) até a fase superior de seu desenvolvimento (interação dos protagonistas e de suas atividades respectivas), procede da troca linguageira, no sentido global do termo, ou seja, integrando modos de comunicação retirando seus recursos na diversidade das semiologias, sistemáticas ou não. A contribuição de uma teoria da atividade linguageira, tal como ela é realizada aqui, é então indispensável à investigação no seio da qual seu papel específico exige um trabalho particular. Este permanece evidentemente dependente de um quadro pluridisciplinar ao qual ele se associa, se desvencilhando de toda submissão a problemáticas iniciadas por outras disciplinas diferentes. Isso significaria, com efeito, o retorno a relações científicas desiguais, nas quais a parte incontornável da atividade linguageira seria considerada como simples auxiliar da ação.

(10)

Diálogo entre pessoas e atividade sobre a atividade no campo do trabalho docente e das atividades educativas

O estudo que segue se atribui o objetivo de abordar de modo mais aproximado a atividade de trabalho por intermédio do trabalho docente. Atividade profissional específica, por muito tempo ignorada como tal, o trabalho docente toma lugar entre os domínios do “trabalho” banalizado, em razão, provavelmente, de fatores sociais em vias de lhe fazer perder seu prestígio assim como um estatuto relativamente privilegiado que assegurava, em um período ainda recente, a posição de quadros superiores aos seus membros. Submetido a normas e exigências institucionais pesadas, sitiado pelas dificuldades quotidianas, por formas de precariedade e insegurança, exposto às ameaças frequentes à saúde assim como a certa desconfiança da sociedade, o trabalho docente se distingue cada vez menos dos outros setores da atividade assalariada, conservando de todo modo a particularidade que lhe confere seu objeto, a saber, uma inscrição em uma perspectiva a prazo, sem restrição de resultados tangíveis fora das avaliações globais que afetam a própria instituição.

As pesquisas consagradas ao trabalho docente fornecem há alguns anos exemplos de abordagens centradas nas transformações significativas. Os profissionais do setor estão entre aqueles para quem as incertezas ligadas à realização das tarefas prescritas e as condições necessárias para fazê-lo são das mais agudas. Eles experimentam, geralmente, um “sentimento de divisão interna ligado ao conflito entre o que eles gostariam de fazer e o uso que eles fazem de si mesmos para fazê-lo” (Saujat, Félix, 2018: 5). Isso se deve à pluralidade das limitações e determinantes que intervêm na realização dos atos educativos, cuja necessidade de antecipar os obstáculos à ação não é das menores. No dia a dia, o trabalho docente se caracteriza pelo fato de que “o funcionamento do professor em uma dada aula deve ser restituído na história da turma na qual sua ação toma um sentido particular, porque inscrita em um passado e em um devir” (Amigues et al., 2004: 42). A situação de trabalho, nesse caso, é propícia à emergência de traços característicos das dissonâncias entre o que deve ser feito

(11)

porque prescrito, de um modo ou de outro (programas, métodos, saberes acadêmicos, instruções), o “como fazer” e os recursos concretos para “fazer” efetivamente, incluindo-se artimanhas e estratégias. A atividade profissional ultrapassa o conjunto desses determinantes colocando-os em seu proveito, muito geralmente por “vocação” (por exemplo, utilizar a transição para a escrita para restabelecer a ordem). Enfim, ela não conhece unidade de tempo, pois o “trabalho fora de sala” (Grimaud, 2017), a saber, além das horas fixadas e dos dias normalmente úteis tornou-se a norma. A atividade docente é então “inapreensível fora de uma abordagem ‘histórico-cultural’” (Saujat, Félix, 2018: 5). Ela é “orientada sem exceção pelo sujeito agente em direção aos outros [...], o meio de trabalho constituído em torno do objeto desse trabalho e para tratar desse objeto, com sua incontornável dimensão coletiva, em direção a si mesmo também, suas preocupações, seus saberes formais e incorporados...” (ibidem).

A atividade profissional dos professores constitui, por excelência, o objeto que se esquiva ao conhecimento por um “acesso direto” qualquer. Não que a observação não forneça seu contingente de “dados”, ou mesmo informe sobre algumas das escolhas efetivas dos profissionais, mas porque as dimensões históricas, as estratégias orientadas pelo professor em direção a sua formação ou centradas na defesa de sua integridade, ou ainda os diálogos à distância com o coletivo permanecem inacessíveis a esse modo de investigação. Nem “A experiência” [...], nem “seu desenvolvimento são diretamente acessíveis pela observação, mas a partir dos traços que é preciso reconstruir” (Amigues et al., 2004: 45). É no quadro da relação e das trocas concretas implicando os dois protagonistas do diálogo, entre professores e pesquisadores, que propomos construir novos objetos por intermédio dos quais visaremos elaborar os conhecimentos esperados. Tratar-se-á, então, pelo viés de uma atividade segunda (o diálogo profissional - pesquisador, ou “atividade sobre a atividade”(Faïta, Vieira, 2003)), a partir de uma atividade primeira ou inicial (o diálogo orientado para o filme do trabalho real), de engajar um processo de mediação entre o real opaco ou inacessível da atividade e o trabalho conjunto de interpretação dos parceiros associados com esse objetivo (Faïta, 2017a).

(12)

A intervenção, da qual apresentamos algumas sequências abaixo, permitirá progredir nesse sentido, sem que julguemos por antecipação sobre o resultado das análises apresentadas.

A escolha de métodos indiretos. Esperados e inesperados.

Conforme uma posição fundamental da ergonomia de língua francesa, retomada de modo particular pela Clínica da Atividade e pela Ergonomia da Atividade dos Profissionais da Educação (doravante ERGAPE1), é importante

escolher sempre a dificuldade como porta de entrada para o conhecimento. Em relação a isso, somos fiéis à posição de Wisner: “A maioria dos pesquisadores em ciências humanas não gosta de obedecer a uma comanda. Nós, ao contrário, consideramos a demanda como absolutamente essencial em ergonomia porque ela nos conduz sobre a dificuldade” (Wisner, 1995: 10). Trata-se aí da condição sine qua non da produtividade de um processo no qual a relação dialógica deve evitar múltiplas armadilhas, dentre as quais a típica busca de um conforto garantido por questões para as quais se conhece parcialmente as respostas. Os obstáculos são, no entanto, múltiplos, como aqueles levantados pelo material das trocas, massivamente linguageiros e simbólicos. A solicitação da experiência profissional dos sujeitos agentes apela necessariamente para uma parte preponderante de sua subjetividade no sentido que entendemos aqui, a saber, o que cada profissional investe de si mesmo nos atos que ele realiza. Associado voluntariamente a uma pesquisa (Clot, Faïta, 2000/2016), mobilizado sobre o que ele se vê realizar nas imagens de seu trabalho, ele é duplamente confrontado a uma prova inédita: ver-se, em uma situação estranha (“descontextualizada”), realizar gestos que ele descobre do exterior, fora do tempo real da ação, ouvir-se pronunciar falas referentes a esses gestos e essas condutas, perguntando-se se é isso mesmo que convém dizer e, sobretudo, o que ele deseja realmente dizer. Não apenas desestabilizado por essa distância incongruente entre si mesmo e os atos representados como seus, em situações

11 Ergonomia da Atividade dos Profissionais da Educação. Equipe interdisciplinar inaugurada

no início dos anos 2000, com sede na Aix-Marseille Université, sob a direção de René Amigues em colaboração com Daniel Faïta e Frédéric Saujat, entre outros.

(13)

extraídas de sua história e de seu contexto, ele deve, além disso, fazer a escolha de recursos expressivos para significar seu ponto de vista no diálogo que o confronta com o outro, o pesquisador. Com efeito, “solicitar a experiência profissional” corresponde em dificuldade a “analisar a atividade”, na medida em que nenhum dos dois objetos visados constitui uma espécie de “jazida” a descobrir. Como escrevemos anteriormente, sua manifestação - evitando falar muito rapidamente em análise - deve tudo ao trabalho de investigação que lhes “dá forma, lhes torna visíveis”.

A dificuldade é maior, pois “[...] gostaríamos de impor a um locutor o uso de uma forma gramatical única para alguma coisa que só existe no quadro de uma dimensão coletiva do trabalho” (Schwartz, 1992: 51). Considerando de outro modo, acrescentaremos como Clot citando Veil fazendo referência a Marx: “a relação do homem consigo mesmo, só se torna objetiva por suas relações com os outros homens” (Clot, 2006: 25).

A escolha que nós fazemos do diálogo em autoconfrontação (Faïta, 2017b) visa superar a contradição inerente ao projeto que consistiria em esperar dos trabalhadores, qualquer que seja seu campo de atividade, que eles expressem pontos de vista sobre suas atividades e conteúdos de saberes que eles nunca (ou ainda não) formalizaram, com recursos expressivos que eles não detêm. É por isso que fazemos a hipótese de que o processo dialógico em autoconfrontação pode oferecer tais recursos, com a condição expressa de que as diversas fases do diálogo em questão sejam orientadas para o desenvolvimento - certamente imprevisível a priori - das pessoas implicadas nessa situação, entendido no sentido de desenvolvimento articulado de suas capacidades de formalização e de expressão, apoiando por sua vez um desenvolvimento de seu pensamento. Podemos então vislumbrar uma progressão graças à qual ideias em processamento no meio de trabalho e nos indivíduos que o compõem busquem se manifestar. Mas, é necessário considerar bem a natureza dessas relações que se instauram entre os diferentes polos que o trabalho epistemológico que empreendemos tenta religar.

(14)

Sem se engajar aqui em uma revisão crítica das diferentes concepções sobre a questão do papel e do lugar dos profissionais na “análise” da atividade, é importante caracterizar ao menos as mais marcantes. Se a ideia de uma incontornável cooperação da pesquisa com os trabalhadores é aparentemente unânime, os diferentes pontos de vista sobre o estatuto desta última não são negligenciáveis. Abrindo o debate com realismo e eficácia, Maggi e Rulli (2017) distinguem um denominador comum para as diferentes abordagens. É pouco ou nada contestável que os profissionais devem ser considerados como expertos de seu trabalho, na medida em que, de todos os atores do processo, eles são os mais próximos, os únicos confrontados de modo suplementar com os efeitos que esse trabalho retorna sobre eles mesmos a curto, médio ou longo prazo. Mas, convém também - outra questão delicada - considerar que eles estão ao mesmo tempo implicados na transformação contínua do processo de trabalho, desde a concepção das situações até a instrumentalização (Rabardel, 2005) dos meios de ação, seja no plano individual ou coletivo. Discutindo as concepções em vigor no Programa Interdisciplinar de Pesquisa “Organization and Well-Being”, Sperandio observa: “Já que se reconhece que os sujeitos agentes do processo de trabalho estão no centro, tira-se daí que esses sujeitos mesmos podem analisar e avaliar de maneira apropriada o processo de trabalho que os concerne, e não os pesquisadores externos” (Sperandio, 2017: 10). Maggi e Rulli retomam esta afirmação a seu modo, referindo-se à análise de um processo de trabalho realizado no campo da saúde pública. Essa análise implicou uma dúzia de pessoas (médicos, enfermeiros, químicos, técnicos) que puderam conduzi-la depois de “se apropriarem dos conhecimentos necessários”, integrando igualmente a abordagem de análise e de transformação no seu trabalho quotidiano (Maggi, Rulli, 2017: 89). É inegável, como escrevem ainda esses dois autores, que os “sujeitos agentes não são separáveis [dos] processos de agir social. Eles participam da sua concepção e do seu desenvolvimento” (ibid. : 90). Partilhamos igualmente da ideia segundo a qual “do ponto de vista da atividade linguageira [...] o sujeito, descrevendo e analisando seu trabalho, renova sua concepção” (Faïta, Maggi, 2007: 88), o que, desse ponto de vista,

(15)

autoriza a pensar que ele esteja em condições de fazer sua uma “competência metodológica de análise organizacional” (ibid.: 86). A contradição é notável com o ponto de vista de uma ergonomia tradicional, para a qual as “competências” fazem falta aos trabalhadores, mas também, em certa medida, com o ponto de vista da ergologia, que postula evidentemente a necessidade de um diálogo, mas sob a dependência das “conceptualizações antecedentes propostas pelos pesquisadores” (apud Maggi, Rulli, 2017: 97).

Propomos sustentar e pôr em debate uma hipótese suscetível de ampliar o debate iniciado. Fundamentada em uma concepção diferente da noção de “diálogo” (Bakhtin citado por Faïta, 2017b), essa hipótese se propõe mostrar como o objeto deste não é principalmente o processo inicial de trabalho e a atividade que o engloba, mas o produto do dispositivo no qual as produções discursivas e linguageiras dos protagonistas se desdobram, cruzam-se, contradizem-se e têm certas chances de chegar a uma representação da atividade potencialmente analisável.

A especifidade da demanda e a associação intervenção-pesquisa-formação As sequências de diálogo que apresentamos, mais adiante, fazem parte de uma pesquisa-intervenção realizada junto a professores iniciantes de francês língua estrangeira (FLE), no contexto da formação inicial em uma universidade brasileira. A intervenção, situada na abordagem ergonômica da atividade docente (na esteira da equipe ERGAPE) e articulando pesquisa e formação, teve

uma demanda motivada pelas dificuldades dos professores iniciantes em operacionalizar os conhecimentos disciplinares no confronto com as exigências da prescrição e das instâncias reais do trabalho docente. Nesse sentido, os objetivos desse estudo se situam em dois centros de interesse articulados: um prático e um epistemológico. Em um primeiro momento, a pesquisa visou contribuir para o domínio prático das situações pelos operadores-professores - objetivo primordial de intervenção tanto ergonômica (preocupada com a saúde e a performance do profissional) quanto clínica (cooperando para a ampliação do poder de agir dos indivíduos e dos coletivos) da atividade; e, em extensão, dada

(16)

a nossa escolha do quadro metodológico da autoconfrontação, a pesquisa visou produzir conhecimentos sobre o próprio processo dialógico desencadeado pela pesquisa-intervenção, processo no qual o esforço conjunto de compreensão da atividade de trabalho filmada constitui uma nova atividade tão inédita e central, tornada ela mesma objeto e meio de intervenção e de compreensão: “a atividade sobre a atividade” (Faïta, Vieira, 2003). Teremos a ocasião, nesse estudo, de abordar igualmente esse objeto de reflexão. Para isso, antes de abordarmos algumas sequências de diálogos de autoconfrontação, propostos como exemplos, apresentaremos nosso ponto de vista acerca do quadro metodológico da autoconfrontação assim como os princípios teóricos e hipóteses que fundamentam nossa abordagem da atividade sobre a atividade. Autoconfrontação: a transformação como objeto, meio, condição e finalidade do processo dialógico de análise da atividade

A autoconfrontação2 é o quadro metodológico que colocamos em

funcionamento para criar as condições de emergência da atividade sobre a atividade, isto é, para a criação de uma situação extraordinária em que o trabalho possa ser retomado como objeto de reflexão (Clot, Faïta, 2000/2016) pelos próprios trabalhadores. Como observa Clot (2008: 222), “o objetivo é o desenvolvimento nos trabalhadores da observação de sua própria atividade” e “o desenvolvimento da interpretação da situação nos próprios sujeitos”. Visando assim contribuir para a “transformação das situações de trabalho” (Clot, Faïta, 2000/2016: 34), essa perspectiva de análise da atividade renova o modo de associar profissionais e pesquisadores em um diálogo de interpretação que ultrapassa a simples ideia de diálogo como alternância de réplicas. Ela se distingue também radicalmente de uma concepção segundo a qual a “autoconfrontação” consiste no “(re-)mergulho [dos “sujeitos”] na situação”

2 Fazemos, aqui, uma breve apresentação da autoconfrontação. Há, contudo, diversos textos que

podem ser consultados para um estudo mais aprofundado sobre as características, fases, princípios teórico-metodológicos, objetivos e implicações da autoconfrontação: Clot e Faïta (2000/ 2016); Clot et al (2001); Faïta e Vieira (2003); Vieira e Faïta (2003); Faïta (2007); Faïta e Maggi (2007).

(17)

pelos “traços materiais”, em proveito dos quais eles podem “mostrar, comentar, imitar” sua atividade, etc., produzindo assim “dados” representativos de sua “consciência pré-reflexiva”, permitindo conhecer a atividade de um “ator do interior” (Theureau, 2010: 291-292). Ao contrário, nossa concepção da autoconfrontação refuta toda abordagem reduzindo o operador (e não “ator”) ao estatuto de sujeito-objeto da investigação, alimentando a pesquisa pelos “dados” produzidos na ocasião dos “comentários”. Em ruptura com as práticas desse tipo, visamos fundamentalmente instaurar um conjunto de relações dialógicas implicando as trocas e controvérsias entre as situações vividas em fases sucessivas, as atividades (entre as quais as atividades reciprocamente orientadas entre profissionais e pesquisadores), as pessoas, os objetos e meios de trabalho. Com efeito, a autoconfrontação suscita e alimenta relações dialógicas novas pelos diversos efeitos exotópicos3 produzidos a cada etapa do

processo, desde a entrada do pesquisador em campo, a filmagem da atividade, a confrontação do profissional com o filme de sua própria atividade e sua colocação em discurso na troca com o pesquisador. Tudo isso tendo o papel de ativar no trabalhador a observação e a interpretação de sua própria atividade, ou seja, uma atividade sobre a atividade na qual há extrapolação do quadro da interação presente, do já visto, dito e pensado, pela construção de novos pontos de vista por meio de novos recursos linguageiros, ou mesmo simplesmente por meio de novos usos de recursos pré-existentes - a recriação a partir do dado. Aqui, aproximamos de Clot (2008: 211) que, citando Bakhtin, propõe “observar a verdade de uma atividade dialógica” antes como “o desenvolvimento de novas possibilidades de pensamento, a produção de algo de novo, a invenção de uma possibilidade de fazer de outro modo ou de dizer diferentemente”. Essa mobilização de recursos dialógicos novos assim como de novos recursos de expressão são então a verdadeira finalidade do quadro metodológico cujo objetivo é o triplo desenvolvimento: das situações, da atividade e do(s) próprio(s) sujeito(s) (Clot, Faïta, 2000/2016). É essencial, para apreciar a

3 Compreendemos a exotopia, à luz de Bakhtin, como o deslocamento para “um lugar exterior,

(18)

apresentação a seguir das situações de diálogo, conservar em mente que a profissional engajada no processo representa o meio de trabalho docente “que é o único a poder operar transformações” nesse mesmo meio (Clot et al., 2001: 17; Faïta, 2017a: 123). É igualmente necessário considerar que, na relação do diálogo pesquisado e instaurado nesse quadro metodológico, a pesquisadora se inscreve primeiramente como parceira de uma atividade conjunta de desenvolvimento de uma nova situação e de transformação positiva do vivido e do existente. Ela não deve, portanto, ser considerada como detentora dos conceitos, métodos e técnicas dominando a atividade de outrem com o objetivo de analisá-la. Verdadeira protagonista do processo dialógico, ela investe nele sua pessoa, em primeiro lugar seu corpo e seus recursos expressivos.

Dito isto, a autoconfrontação, que se apresenta como uma metodologia de solicitação da experiência profissional (Clot, Faïta, 2000/2016; Faïta, Vieira, 2003; Faïta, 2007), caracteriza-se pela utilização de um filme da atividade dos trabalhadores como uma primeira fonte de referência para a produção discursiva dos próprios protagonistas sobre o trabalho e em diálogo com o pesquisador. Esse novo contexto permite o estabelecimento de uma nova relação entre o sujeito e suas ações vividas e “representadas” no filme.

Do ponto de vista da instauração e do registro da troca verbal (e também não-verbal, como veremos) entre operador(es) e pesquisador, podemos dizer que a autoconfrontação se estrutura em três fases de coanálise, isto é, de coconstrução da compreensão e da interpretação das situações. A primeira fase, comumente chamada autoconfrontação simples, consiste na apresentação de sua atividade filmada a um profissional (protagonista da ação de trabalho) em diálogo com o pesquisador. Esse novo contexto e essa nova atividade instauram uma primeira relação dialógica do sujeito agente e falante consigo mesmo, por intermédio da relação com o filme da situação de trabalho por ele vivida e da interação simultânea com o pesquisador. Essa fase caracteriza-se pela produção discursiva de cada protagonista, abrindo o espaço para o “desenvolvimento da situação” e para a “produção de significações concretas em referência ao filme” (Faïta, Vieira, 2003 : 62).

(19)

A segunda fase, denominada autoconfrontação cruzada, consiste na confrontação de dois trabalhadores aos filmes de suas atividades e a comentários produzidos por cada um deles na fase anterior de coanálise. Desse modo, criam-se as condições para o estabelecimento de novas relações dialógicas dos sujeitos consigo mesmos, e também com a atividade do outro, através das imagens e dos comentários anteriormente produzidos, e por meio de uma nova interação entre os sujeitos protagonistas e o pesquisador. Conforme Faïta e Vieira (2003), Vieira e Faïta (2003) e Faïta (Faïta, Maggi, 2007), nesse momento, as relações dialógicas são enriquecidas e complexificadas pelo diálogo entre atividades e, também, pelo diálogo entre atores; uma vez que o filme da atividade do outro traz uma nova referência para o discurso do sujeito, e a presença do par profissional lhe dá um novo destinatário, com um estatuto semelhante ao seu no que diz respeito à experiência profissional. Tudo isso criando uma nova instância de efeitos exotópico, de recursos dialógicos e de mobilização de novas formas de expressão (e com estas, novas maneiras de ver, dizer, sentir, pensar, assim como de fazer ver, fazer dizer, fazer sentir e fazer pensar).

O conjunto do material filmado, desde a atividade de trabalho (situação inicial), incluindo os diálogos das duas primeiras fases de coanálise, pode ser levado para a apreciação do coletivo de trabalhadores, correspondendo a uma terceira fase de coanálise conhecida como etapa de extensão ao coletivo profissional (Clot et al., 2001). Nesse momento, todos os pares que compõem o coletivo de trabalho poderão desenvolver a produção discursiva e, consequentemente, a produção de significações sobre a atividade. O objetivo primordial dessa fase, segundo Faïta (Faïta, Maggi, 2007: 27), seria o de “funcionar como o exame da validação do produto do trabalho conjunto dos protagonistas associados no processo”. Observaremos, todavia, que atualmente os exemplos de “retorno ao coletivo” satisfatórios são raros.

Além dessas três fases de coanálise, prevê-se ainda a possibilidade de uma “apropriação diferida” (Faïta, 2007: 9) dos diálogos resultantes do processo dialógico da autoconfrontação para uma “análise específica do objeto

(20)

produzido” (Vieira, Faïta, 2003: 45), voltada para suas “implicações conceptuais, metodológicas e epistemológicas” (Faïta, Vieira, 2003 : 62). É este o caso do presente estudo, em que buscamos produzir conhecimentos sobre o próprio processo desencadeado pela pesquisa-intervenção.

Gostaríamos de argumentar, na sequência, que a instauração dos diálogos de autoconfrontação desencadeia uma série de mudanças que constituem as próprias condições do processo dialógico e a própria essência da nova atividade. Logo de início, observamos o papel do filme como catalisador dos diálogos de análise, ao ser colocado como o objeto de referência para uma nova atividade, essencialmente linguageira, que se constitui e desenrola em resposta à tarefa de recontextualizar (Faïta, Vieira, 2003) a atividade de trabalho.

Assim, um duplo fator de mudança é introduzido pelo filme da atividade. Além de constituir um registro da situação vivida, testemunha da atividade realizada, o filme possibilita o acesso e a confrontação à imagem de si mesmo, permitindo mudar a) a lógica da observação e b) o próprio estatuto das ações representadas na tela.

De fato, a imagem de si mesmo é um recurso metodológico importante que permite efetivamente ao próprio trabalhador tornar-se um observador de si mesmo, e acrescentamos de tornar-se seu intérprete em interação com o pesquisador. Clot (2008: 224) já havia observado o papel do observador externo - seja o pesquisador interventor - na ativação no sujeito “de uma observação de si por si” assim com “de um diálogo interior” que seria o meio essencial dessa última. Gostaríamos de desdobrar essa observação mostrando como o filme reforça esse efeito de observação de si mesmo, na medida em que impõe uma nova relação com sua própria atividade, tornada exterior e objetivada nas formas do filme-texto. Além disso, a nova situação de confrontação com o filme e de troca com o pesquisador impõem ao diálogo interior, certamente já ativado pela intervenção, de “se realizar”, de ganhar existência concreta na colocação em discurso, na troca.

(21)

Essa observação de si impõe, como parte integrante da análise da atividade, uma tarefa de leitura de si mesmo, isto é, de compreensão da própria conduta, dos próprios atos e falas anteriores reproduzidos no momento presente. Trata-se, portanto, não apenas de produzir um discurso sobre o vivido anterior por intermédio de uma reconstrução mnemônica e da mobilização dos conhecimentos e saberes já estabelecidos sobre a atividade. Confrontado ao filme da atividade, o sujeito tem então a tarefa de dar sentido à sequência de atos e falas que se reproduzem hic et nunc na presença de um outro observador - o pesquisador. Nesse contexto, é preciso que o dizer sobre o trabalho faça sentido, antes de tudo, em relação às imagens que se apresentam na tela.

Dessa maneira, uma renovação pode se produzir graças a essas imagens: uma renovação na relação sentido/significação tal como ela funcionava antes para o sujeito, da qual este era portador. Com efeito, se até esse momento o sujeito mantinha com sua própria atividade uma relação amplamente mediada por outro (como toda palavra que utilizamos é antes uma palavra de “outrem”), na nova situação de “atividade sobre a atividade”, o discurso desse sujeito deve, primeiramente, se distinguir da “voz dos outros”, incluindo no discurso que ele mantém consigo mesmo para se dirigir aos outros. Em outros termos, o sujeito deve se autonomizar para compreender e se fazer compreender.

Desse modo, o novo estatuto de leitor de si mesmo, atribuído ao operador, gera, por sua vez, uma mudança no estatuto dos atos (físicos e linguageiros) componentes da situação filmada. Até então ferramentas para agir, para realizar a atividade de trabalho, os atos realizados pelo operador se tornam, no quadro do diálogo de autoconfrontação, os traços de uma história vivida, que o esforço conjunto de compreensão (do trabalhador e do pesquisador) transforma em manifestações significativas em relação às quais se tenta reconstruir a experiência de trabalho. Em outras palavras, as sequências de imagens, movimentos, gestos, falas e ações do operador testemunhando a experiência vivida, constituem um texto no sentido bakhtiniano: um “conjunto coerente de signos” (Bakhtin, 1952/2006: 307) que se oferece à leitura, isto é, a “ativa

(22)

compreensão responsiva” (ibid.: 302) : “O operador vendo, ou seja, descobrindo, os gestos desse outro que é ele mesmo em ação em um vivido anterior, trabalha para se compreender através desses gestos reproduzidos na tela. Essa compreensão não é outra coisa senão a preparação de uma resposta ao ‘enunciado’ que ele recebe sob a forma desse ‘conjunto de signos’, e que de toda maneira transbordará seguramente a simples relação denotativa, ou seja, de colocação em palavras a posteriori dos atos verbais e não verbais que ele descobre” (Faïta, 2007: 8).

Podemos dizer, com apoio em Bakhtin, que a autoconfrontação, com o recurso às sequências de atividade videografadas, incita a instauração de uma relação dialógica do sujeito consigo mesmo, isto é, com esse outro que constitui a sua própria imagem externa - o “o conjunto de todos os elementos expressivos e falantes do corpo humano” (Bakhtin, 1952/2006: 25). Veremos que esse recurso à atividade filmada propicia também, pela confrontação em um tempo diferido e em um novo contexto, uma nova leitura e, consequentemente, uma nova relação com as situações de trabalho.

Tentaremos mostrar, a partir de uma minuciosa descrição de duas sequências de diálogo de autoconfrontação (entre operador e pesquisador), a mudança de estatuto dos atos e situações de trabalho (no plano da vida, da atividade de trabalho) em elementos de significação (no plano da análise, isto é, no plano da compreensão sobre as situações de trabalho). Mas, principalmente, tentaremos mostrar como o contexto essencialmente dialógico da autoconfrontação (operador - filme - pesquisador) favorecerá a construção de novas relações de sentido com e sobre o trabalho; e que, elementos não-verbais, articulados ao verbal e manifestando-se no plano da atividade sobre a atividade, vêm a funcionar como elementos expressivos, como ferramentas simbólicas somando seu lote de significação na interpretação da atividade de trabalho e entrando na construção das novas relações de sentido. E isso mostra que a compreensão (dos outros como a de si mesmo) passa pelo que nos ensinam os atos realizados em uma situação que não é mais a situação vivida atualmente. A compreensão não é nem lógica não dedução (ao menos não

(23)

maciçamente). Assim, cremos ter destacado nossa concepção da autoconfrontação e do uso que fazemos dela como quadro metodológico para engajar e sustentar o desenvolvimento, a transformação da situação na atividade sobre a atividade, com o objetivo maior de ampliar o poder de agir dos sujeitos engajados, isto é, a apropriação pelo professor de novas ferramentas de reflexão sobre sua própria atividade.

Antes de passarmos à descrição das sequências de diálogo, apresentamos brevemente as convenções de transcrição utilizadas para abordar a dimensão gestual articulada à dimensão verbal da atividade linguageira, pois estudar o não verbal como componente da atividade linguageira impõe a tarefa de elaborar os meios de transcrevê-lo.

Descrição e abordagem da dimensão gestual da “atividade sobre a atividade” Em nossas intervenções no campo da atividade docente, a observação de uma manifestação recorrente de elementos não verbais, associados à produção discursiva, levou-nos a tomá-los em consideração (sobretudo o gesto) para investigar em que medida eles participavam da atividade linguageira, imprimindo-lhe transformações de significação e acrescentando-lhe efeitos de sentido. Para nós, avançar no conhecimento dessa articulação entre as dimensões verbal e não verbal na atividade sobre a atividade seria a chance de obter novas ferramentas para o trabalho de compreensão/interpretação.

Esse interesse pelo gesto é reforçado pela hipótese de que a compreensão da atividade discursiva exige uma atenção, de nível mais amplo, para as relações que se instauram nas fronteiras entre o real e o linguageiro. Como observa Bakhtin (1952/2006), o valor de uma palavra não lhe pertence enquanto forma da língua, mas à sua expressão em uma situação real e particular pelo efeito do projeto discursivo do sujeito falante centrado no objeto e no sentido, e de sua relação com o interlocutor ou os interlocutores. As unidades da língua (sejam as palavras, sejam as orações), segundo Bakhtin, são desprovidas de entonação expressiva; é apenas a atitude responsiva do sujeito falante que assimila, reelabora e reacentua o tom, o valor, a expressão dos quais elas estão

(24)

impregnadas pela realização do projeto discursivo de outros antes (inclusivo o sujeito falante em outros contextos). É assim que compreendemos a relação sentido/significação, nos termos de Bakhtin, o sentido remetendo ao emprego concreto e único dos elementos linguageiros materializando a posição do sujeito falante, ou seja, o tema de seu enunciado somente apreensível na globalidade do diálogo. Acrescentamos a isso as hipóteses propostas por Volochinov4

(Todorov, 1976/1981) acerca do gesto e da entonação como componentes discursivas nas quais costuma se manifestar a parte presumida do enunciado. Os julgamentos e avaliações que determinam a própria escolha das palavras (diríamos dos recursos linguageiros, discursivos) têm sua expressão mais pura, segundo o autor, na entonação. Esta última estabelece uma relação estreita entre o discurso e o contexto extraverbal: “a entoação e o gesto são ativos e objetivos por tendência mesmo. Eles não exprimem apenas o estado de alma do locutor, mas eles são sempre igualmente portadores de uma relação viva e ativa com o mundo exterior e com o entorno social (os inimigos, os amigos, os aliados).” (Volochinov apud Todorov, 1976/1981: 197). Essa hipótese forte de Volochinov permite-nos ver de uma nova maneira a atividade sobre a atividade, sobretudo, aquela que se realiza a partir da confrontação de um sujeito trabalhador (agente/falante) com os traços filmados de sua atividade, por meio da qual ele se confronta também consigo mesmo enquanto “corporeidade”. Nesse ponto, apoiamo-nos na ideia de François acerca da propriedade linguageira do corpo (que percebe, sente, sofre, entra em relação com o mundo e com outros corpos), e também sua propriedade metadiscursiva, já que sua corporeidade (sua existência e ação no mundo) “diz algo sobre suas próprias mensagens” (François, 2005: 180). Percebemos aí o valor fundamental do corpo e do gesto na atividade semiótica e na interpretação: “Pode-se chamar movimento de interpretação-significação essa relação que liga um corpo vivo a um estado do mundo e, em particular, a um ou vários outros congêneres ou outros seres

4 Somos conscientes da contradição possível entre as posições respectivas de Volochinov e

Bakhtin nos planos ideológico e filosófico. Todavia, concernente às hipóteses específicas de Volochinov acerca do funcionamento do gesto e da entonação na enunciação, observamos que elas são complementares à ideia bakhtiniana de uma translinguística.

(25)

vivos. Em resumo, dir-se-á que o organismo interpreta na medida em que sua reação acontece em um mundo, mundo que seu modo de percepção organiza e sua reação modifica. [...] Notar-se-á que o que liga assim o corpo ao mundo pode se chamar ‘valor’. Não se trata de choques ou de estímulos, é aquilo que o corpo nos faz ler do mundo.” (François, 1998: 24). Nesse sentido, podemos considerar o corpo como sendo o primeiro instrumento de comunicação humana, e o gesto, a mímica, etc. como pertencendo ao universo dos signos. Dessa consideração, fazemos a hipótese de que o corpo fala primeiro, e que em seguida a linguagem articulada tenta se alinhar, permitindo ajustar, desenvolver em uma relação complexa sentido/significação.

Obviamente, não poderíamos abordar toda a dimensão gestual manifestada na troca no quadro da autoconfrontação. Isso não seria viável nem produtivo. Mas, a partir de sucessivas leituras do registro audiovisual dos diálogos de autoconfrontação, pudemos identificar os gestos que nos pareciam constituir elementos significativos para a compreensão e a interpretação da “atividade sobre a atividade” justamente pelo papel (de importância não negligenciável) que eles pareciam desempenhar nessa atividade.

A transcrição dos gestos consiste basicamente na sua descrição em linguagem verbal. Nessa descrição, optamos por uma apresentação linear dos movimentos que compõem o gesto, seguindo a sugestão de McNeill (apud Tellier, 2006) e tentamos evidenciar, na transcrição, a articulação entre gesto e fala. Assim, buscamos apresentar o verbal e o gestual entrelaçados como de fato ocorre durante a fala. Recorremos, então, ao uso de colchetes para marcar a descrição da realização gestual. Já os seguimentos fora dos colchetes correspondem à transcrição da fala (o discurso verbal). As passagens sublinhadas significam que o gesto descrito logo em seguida foi produzido simultaneamente ao segmento de discurso verbal sublinhado. As passagens que não apresentam sublinhamento significam que o gesto se produziu depois do verbal, ou seja, de maneira não simultânea. Os segmentos em itálico representam a reprodução de uma entonação particular indicando um discurso reportado oralmente, às vezes como uma imitação/retomada do discurso

(26)

acompanhado de um gesto (o que nomeamos “dramatização”). Vejamos o exemplo a seguir:

“eu primeiro pedia pra eles abrirem e depois lembrava [movimento palmas dentro altura rosto] não não não...[acena palmas fora alto] fecha a página [movimento palmas para baixo]” (1 K)

Essas escolhas foram determinadas pela preocupação de apoiar a concepção de que a fala é verbal e gestual/visual, isto é, que as dimensões verbal e gestual da linguagem oral constituem conjuntamente os enunciados da fala. Em certos momentos, utilizamos fotos ilustrativas dos gestos para dar uma visão de sua realização e materialização. Trata-se das próprias fotografias que compõem o filme dos diálogos, ou seja, imagens fixas, extraídas a partir do congelamento do filme. Estamos cientes de que essas imagens estáticas distanciam-se da natureza dinâmica do gesto e que elas correspondem apenas a momentos singulares extraídos de uma sequência contínua de movimentos. Todavia, estamos certos também de que essas imagens são fundamentais para um estudo mais minucioso do gesto e para a compreensão de seu papel na produção e na transformação das relações de sentido em circulação na atividade discursiva.

Designamos como “gestos”, sobretudo, movimentos manifestados na atividade linguageira e que participam da produção/recepção/circulação de sentidos. Assim, levamos em consideração os movimentos das mãos e dos braços que acompanham a fala, mas também os movimentos do tronco e da cabeça, além dos direcionamentos do olhar, pois estes podem contribuir para a compreensão da troca verbal na situação de autoconfrontação.

A seguir, veremos, nas sequências de diálogo entre uma professora de francês e uma pesquisadora em situação de autoconfrontação, que o gesto constitui um recurso expressivo importante, mobilizado em diferentes momentos com diferentes propósitos.

(27)

Primeira recontextualização da atividade filmada no diálogo professora - pesquisadora

A sequência de diálogo transcrita, a seguir, corresponde aos momentos iniciais do diálogo de autoconfrontação entre uma jovem professora de francês (doravante K) e a pesquisadora (doravante P) acerca do filme de uma sequência didática destinada ao trabalho da compreensão oral em uma turma de alunos iniciantes (nível A15).

Quadro 1: Transcrição da primeira sequência de diálogo entre professora e pesquisadora.

Diálogo professora – filme da atividade – pesquisadora Descrição da sequência de atividade filmada:

A professora liga o som e coloca um CD no aparelho. Em seguida, vai diante de sua mesa, onde seu livro está aberto, então, fala aos alunos: “on tourne la page... on tourne la page… oh... pardon... ne tournez pas la page... fermez... fermez les livres tout le monde... fermez les livres...”

Réplicas de reação à sequência de atividade filmada:

1 P (pesquisadora): quando você quiser parar para comentar…

2 K (professora): é... pois é... toda vida [bate dorso mão perna 2x] que eu ia fazer [bate dorso mão perna] essa atividade que era para escutar um diálogo que começa a lição [movimento circular dedo indicador em riste][olha tela] eu sempre pedia [bate dorso mão na mão] para eles abrirem na página... depois eu me lembrava [movimento palmas dentro altura rosto] que não era isso que eu queria… eu queria que eles primeiro escutassem o diálogo e tentassem entender... mas toda vida [bate dorso mão na mão 2x] eu fazia esse mesmo erro... eu primeiro pedia para eles abrirem e depois lembrava [movimento palmas dentro altura rosto] não não não...[acena palmas fora alto] fecha a página [movimento palmas para baixo] toda a vida [bate dorso mão perna + olha tela] eu fazia isso…

3 P: então... você faz [olha tela] um planejamento do que eles deviam fazer que era primeiro pra fechar o livro [gesto fechando as mãos] e só escutar [aponta ouvido]...

4 K: é... só escutar...[aponta ouvido + aponta tela] sempre essa [olha + aponta

5 Conforme os níveis de competência descritos no Quadro europeu comum de referências para

(28)

tela]... esse diálogo que tem no começo... eu sempre gosto de fazer isso para eles tentarem entender... porque o livro ele tem duas...ele tem a parte de escutar... mas eu gosto de fazer essa também para eles tentarem entender só com o áudio... mas toda vez eu errava [murro na mão] e pedia para eles abrirem na página [murro na mão] aí... não não não fecha [acena palmas fora meio + movimento palmas para baixo] tinha alguns que eu percebia [aponta para si] que eles já tinham lido [aponta frente] e aí sabiam responder já... [aponta tela] porque tinham aberto... [gesto abrindo as mãos]

A leitura das primeiras réplicas do diálogo, enunciadas em reação à sequência de atividade filmada, deixa claro que o equívoco cometido pela professora, na formulação da instrução que ela prescreve aos alunos, é retomado como o tópico discursivo dominante. Em geral, nesse tipo de situação, os professores pedem aos alunos que fechem os livros para que eles não vejam a transcrição do registro sonoro. No entanto, a professora, que estava realizando naquele momento uma transição de atividades didático-pedagógicas propostas no livro, pede que os alunos virem a página para situá-los na atividade seguinte. Contudo, rapidamente, a professora se dá conta do equívoco e muda sua instrução, pedindo então que os alunos fechem o livro.

Em uma segunda ordem de leitura, isto é, se levamos em conta a dimensão gestual que constitui o filme da atividade e também a atividade linguageira em reação ao filme, fica evidente o papel do filme na mudança de perspectiva da observação e na retomada concreta da experiência vivida como objeto de compreensão. Mesmo que o equívoco apareça de modo breve e seja prontamente sanado por outra ação da professora, ele constitui o objeto ao qual ela reage, objeto que ela retoma em sua atividade linguageira, e sobre o qual ela formula uma compreensão rica de sutilezas da experiência vivida.

Nessa primeira sequência de diálogo, diferentes elementos evidenciam o papel do filme como objeto de uma nova atividade e como catalisador de novas relações com o vivido, com as situações de trabalho.

1) O direcionamento da atividade linguageira tanto da professora como da pesquisadora para o filme. Esse direcionamento manifesta-se nos gestos de olhar e apontar a tela em que é exibido o filme.

(29)

2) A retomada de atos da atividade filmada na atividade linguageira das protagonistas do diálogo de autoconfrontação. Esses atos (visíveis e audíveis no filme), que aparecem como testemunhas da situação vivida, transformam-se em elementos expressivos na atividade sobre a atividade, o que nos leva a argumentar sobre o seu novo estatuto de ferramentas simbólicas e instrumentos na atividade discursiva e interpretativa sobre as situações de trabalho.

3) Em continuação à hipótese desse novo estatuto dos elementos expressivos, entendemos que essa retomada e transformação dos atos verbais e não verbais da atividade de trabalho para a atividade sobre o trabalho reforçam claramente a ideia de que eles contribuem para a construção de novas relações de sentido com o vivido, com as situações de trabalho.

Marcas gestuais da retomada da atividade filmada como objeto da atividade sobre a atividade

Quanto ao aspecto do direcionamento da atividade sobre a atividade, podemos ver, nas réplicas 2 e 4, que a atividade linguageira da professora se constitui em estreita relação com o que o filme lhe permite ver, ler e compreender de seu vivido.

Essa retomada recontextualizadora do vivido fica evidente tanto verbal como gestualmente. No que diz respeito aos aspectos verbais de sua produção discursiva, a professora recontextualiza as ações que acabara de se ver fazer por meio de uma atitude narrativa, uma espécie de relato da situação vivida, usando o pretérito imperfeito (“ia fazer, era, pedia, lembrava, queria...”) e colocando-se como a autora das ações (“eu”). Quanto aos aspectos não verbais, os gestos [olhar /apontar tela] marcam também a relação direta e constante de sua atividade linguageira com as ações vividas e testemunhadas pelo filme. No enunciado 4K, além de [olhar tela], K também [aponta tela] ao se referir à atividade: “é... só escutar... [aponta ouvido] [aponta tela] sempre essa [olha e aponta tela]... esse diálogo que tem no começo...”.

(30)

Vejamos duas imagens congeladas, correspondentes à realização dos gestos de olhar e apontar tela naquele momento da produção discursiva:

“[aponta tela] sempre essa [olha e aponta tela]...” (4K) Figura 1 : Os gestos [olhar + apontar tela].

Essas duas ações de direcionamento para a tela (olhar e apontar) são realizadas constantemente tanto pela professora como pela pesquisadora comprovando a criação de uma nova situação caracterizada pela instauração de uma relação dialógica inédita com o vivido, isto é, o engajamento conjunto em uma atividade de compreensão e interpretação da experiência vivida por intermédio do filme da atividade.

As imagens a seguir mostram um duplo movimento da pesquisadora de interpelação da professora e direcionamento para a atividade filmada.

(31)

“então... você faz... [aponta K e olha tela] um planejamento” Figura 2. A interpelação realizada pela pesquisadora.

Observamos que, ao tentar incitar a professora a desenvolver seu comentário, a pesquisadora automaticamente olha para a tela; gesto que tendemos a interpretar como uma mostra do seu engajamento em uma compreensão conjunta da atividade filmada. Em outras palavras, confirmamos a instauração de uma coatividade de compreensão e interpretação em resposta ao filme da atividade.

Gestos de trabalho e gestos de interpretação do trabalho

No que concerne à retomada de atos da atividade filmada como ferramentas expressivas da nova atividade discursiva, a confrontação entre as imagens da atividade filmada e da atividade sobre a atividade nos permite ver com mais clareza a retomada do visto/vivido na atividade linguageira de interpretação.

Apresentamos logo abaixo a ação linguageira que a professora realiza na situação de trabalho, em correção à primeira instrução dada aos alunos : “on tourne la page”6. Trata-se, portanto, de uma ação de trabalho, dirigida tanto

para a própria atividade (objetivando corrigir a instrução dada anteriormente) como para a atividade dos alunos (objetivando agir sobre a atividade destes: fazer com que os alunos fechem seus livros).

6 “viremos a página”

(32)

“oh pardon...

ne tournez pas la page...

fermez...

fermez les livres”7

Figura 3: Enunciado verbo-gestual produzido pela professora na atividade de trabalho.

(33)

Observamos que esse ato de trabalho é essencialmente linguageiro, composto de elementos verbais e gestuais em articulação. Ele é, portanto, desde o início, composto de elementos de significação que são mobilizados na interação da professora com os alunos, visando à coconstrução dos sentidos do fazer na aula de línguas. Na situação em questão, esse ato linguageiro visa, mais precisamente, criar as condições da coatividade de ensino-aprendizagem de compreensão oral.

No diálogo de autoconfrontação, logo em seu primeiro comentário, a professora reage prontamente ao ato que ela percebe como equivocado: ela contextualiza verbalmente e de modo descritivo-narrativo a situação, mas também reproduzindo verbal e gestualmente o ato por meio do qual ela corrige ou reformula a instrução dada aos alunos: “eu primeiro pedia para eles abrirem e depois lembrava [movimento palmas dentro altura rosto] não não não...[acena palmas fora alto] fecha a página [movimento palmas para baixo]”.

“não não não... [acena palmas fora alto]

fecha a página” [movimento palmas para baixo] ” (2K)

Figura 4: Enunciado verbo-gestual produzido pela professora na atividade sobre a atividade.

Riferimenti

Documenti correlati

These findings strongly suggest that the three Pseu- doalteromonas pangenomes are open, in that the in- crease of the number of genome sequences results in a parallel increase

We used a burst of ten pulses (5 ms of illumination time per pulse) at 10 Hz (1 s of total intervention) adjusting the laser power for every ChR2 stimulation pattern in order

Tuttavia le superfici degli ossidi metallici e altri sorbenti del suolo quali le argille minerali, hanno una affinità per gli ioni fosfato superiore rispetto a 39 Margherita

The research SELFIE will be developed by adopting an inductive and systemic methodological model that allows organizing the research work for consequential steps: from the

Borderline, avoidant, sadistic personality traits and emotion dysregulation predict different pathological skin picking subtypes in a community sample.. andrea

texts of English speakers living or travelling abroad, but also on the translation of manuscript or print news that had originally been written, for example, in French,

The extent of negative externalities generated by the transport system changes in fact according to the urban scale (e.g. there might be higher or lower

7 – Selection of indicators of sustainable urban mobility policies (SUMPs) based on stakeholders’ evaluations of objectives of SUMPs (threshold score = 3) OBJECTIVES OF SUMPs