• Non ci sono risultati.

Manuel Loff

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Condividi "Manuel Loff"

Copied!
366
0
0

Testo completo

(1)

Department of History and Civilization

1

AS DUAS DITADURAS IBÉRICAS NA NOVA ORDEM

I

EUROFASCISTA (1936-1945)

Autodefinigào, mundivisào e Holocausto no Salazarismo e no Franquismo.

■j l ■1 n i «5

By

Manuel Loff

-Volume III «

Thesis submitted for assessment with a view to obtaining the degree of

Doctor in History and Civilization

j

from the European University Institute

i

\

l t

j

Florence, January 2004

f i

(2)
(3)
(4)
(5)

3 0001 0041 2999 7

European University Institute

Department of History and Civilization

AS DUAS DITADURAS IBÉRICAS NA NOVA ORDEM

EUROFASCISTA (1936-1945)

Autodefinigáo, mundivísáo e Holocausto no Salazarismo e no Franquismo.

V o lu m e III

-Presented by

Manuel Loff

To the Jury :

-

Prof. Louisa Passerini

Prof. Philippe Schmitter

-

Prof. Hipólito de la Torre

Prof. Fernando Rosas

Thesis submitted for assessment with a view to obtaining the degree of Doctor in History and Civilization

from the European University Institute

(6)
(7)

AS DUAS DITADURAS IBÉRICAS NA

NOVA ORDEM EUROFASCISTA

(

1936

-

1945

)

Autodefinigáo, mundivisao e Holocausto no

Salazarismo e no Franquismo.

Volume 3: 4a Parte e Cap. 14

Ph.D. Dissertation

Supervisor:

Prof.SSa Luisa Passerini

(I.U.E., Firenze)

Co-supervisor:

Prof. Hipólito de la Torre

(U.N.E.D., Madrid)

Instituto Universitàrio Europeu/European University Institute

(8)
(9)

«Le petit-bourgeois venait d'apprendre que la raison avait été abolie, que l'on était libre de l’insulter. Quand il crut en outre que la raison, ce croquem itaine qui tenait du socialism e, de l'internationalism e, et même de l'esprit juif, était responsable de sa détresse, il s'attribua une faculté supérieure qui lui perm it de bafouer la raison. Il apprit le mot "irrationalism e", si difficile à prononcer, mais qui correspond bien à son instinct profond (...) Ces misérables prim aires excités étalent leur fausse science, leurs théorèmes pervers, leur galim atias mystagogique, leur prétention insolente d’asseoir leur dom ination pour m ille ans. La science intim idée, ou honteusement ralliée, ose à peine élever une voix tremblante».

Thom as M ANN1

(10)
(11)

39-40-CAP. 10: SALAZARISM O, FRANQUISMO E HOLOCAUSTO: O PROBLEM A

10.1 S alazarism o, Franquism o, H olo ca u sto e N ova O rdenr. a c o lo c a d o d o p ro b le m a

A inclusáo de um tem a como este num trabalho que trata do Salazarismo e do Franquismo pode ser avaliada, por alguns, como surpreendente. Este adjectivo tanto pode querer dizer, na cabega de quem o utilizasse, que dedicar ao antisem itism o urna parte significativa da tese global que pretendo defender é claramente produto de sobrevabrizagáo da questáo, ou de fatta de cabimento lógico. Encentro alguns factores que explicara, em minha opiniào, urna tal avaliagáo, que quero, desde já, rejeitar.

A generalidade das obras que tratara de form a com preensiva a Península Ibérica, ou cada um dos seus dois Estados, durante o período da II Guerra Mundial dedicara poucas páginas e pouca atengào às repercussoes e à percepgáo que a partir déla se te ve do fenóm eno a que se convencionou chamar Holocausto. Aquetas que, particularmente, se dedicara ao estudo dos dois regim es nesta sua fase fascizada (term o, aliás, como vimos, pouco consensual), aparentara surpreender-se com o que entendem ser a auséncia de políticas antisem itas em ambas as ideologías, ambos os regimes e am bos os Estados. Em vários, casos, pelo contràrio, m ais do que se relevar a auséncia (tida como essencial) de valores racistas na cultura política e ideológica dos dois regimes (e das duas sociedades), sublinha-se a solidariedade activa com as vítim as da p e rs e g u ilo nazi, designadamente com as que se viram mergulhadas no processo condutor do Holocausto, por parte dos mais destacados dirigentes das duas ditaduras.

Por firn, a estes factores paralisantes, no meu ponto de vista, de um m aior interesse por este campo de in ve stig a d o - o facto de se tratarem de teses relativam ente consensuáis, fixadas pelos órgáos oficiáis e oficiosos de produgáo ele opiniào desde 1940 (no caso portugués) ou 1942-44 (no caso espanhol), mas que sobreviveram quase incólumes à queda das duas ditaduras -, acrescente-se a verificagáo básica que quase sempre serve de pressuposto a qualquer considerad o sobre este tema: a escassa presenta de cidadáos portugueses e espanhóis de assum ida identidade judaica rías sociedades ibéricas contemporáneas. Este pressuposto, sintom aticam ente reivindicado pelos dirigentes e pelos propagandistas dos dois regimes como causa fundamental da auséncia de sentim entos antisemitas ñas suas sociedades, relaciona-se intimamente com a percepgáo dos judeus como membros, em Portugal e em Espanha, de urna comunidade pequeña e insignificante (adjectivos muito im portantes neste processo, porque tidos com o sinónimos de inofensiva), constituida sobretudo por estrangeiros, ou por naturalizados descendentes de estrangeiros, percepgáo que nao é, de form a alguma, ¡ncompatível com a

inassimiiabilidade judaica, um dos conceitos centráis da ideologia social e antropológica das fam ilias

salazaristas e franquistas.

Urna tal percepgáo rejeita, como verem os a seguir para o caso portugués, reconhecer identidade judaica ao fenómeno do marranismo, daqueles que conservavano clandestina urna identidade judaica, pelo menos parcial, táo típico da Historia moderna Ibérica. Aceitá-la seria, inevitavelm ente, aceitar

(12)

urna pluralidade identitária, se nao ao nivel étnico, pelo menos ao nivel religioso que nenhuma das d u a s ideologías hegemónicas pretendía sequer conceber. Quando, em Fevereiro de 1939, um Franco quase vencedor da Guerra Civil revoga a Lei republicana que, em 1933, regulava as confissoes e a s congregagoes religiosas, deixa taxativam ente escrito no seu preám bulo que «ante todo partía aquella L e y de una base absolutamente falsa: la coexistencia en España de pluralidad de confesiones religiosas, cuando es notorio que en nuestra Patria no hay más que una que los siglos m arcaron con singular re lie ve , que es la R eligión Católica, inspiradora de su genio y tradición» (transcrito in SABÍN, 1997: 322a).

Pelo lado portugués, essa consubstanciaüdade católica de que em Espanha se fala va é menos pesada, menos esmagadora, m as é sociológica e antropológicam ente incorrecto falar-se de urna liberdade religiosa (muito menos de um pluralism o religioso) com o fenóm eno social assumldo pe lo Estado. Se ó verdade que o Salazarism o, em cuja coligagáo inicial de poder participava urna im portante componente republicana conservadora, m anteve form alm ente um regime de separagáo através d a Concordata de 1940, todo o seu m etabolism o de funcionam iento e de presenta do Estado e dos seus aliados na socledade estava impregnado, como já se expós em capítulo anterior, da essencialidade católica da Nagao Portuguesa, configurando, em sum a, urna reconfessionalizagáo do Estado2 3. N o Portugal de Salazar, com «a liberdade e a inviolabilidade de crengas e práticas religiosas» expressa num a Constituigao que reproduzia aínda, em 1933, o m odelo form al herdado do Liberalism o, todas as m inorías religiosas, e os protestantes em prim eiro lugar, confrontaram -se com inúmeros obstáculos legáis á sua actividade, délas se esperando que cum prissem o preconceito social que im aginava a sua inexistencia. Em todos os casos, as m inorías religiosas foram percepcionadas pelo Estado e pela Igreja Católica com o resultado de ofensivas «sacrilegas e desnacionalizadoras [para] se espalhar na sagrada térra portuguesa», como denunciava o clero portugués, em Pastoral C olectiva de 1940; «o protestantismo» - assim, sem designagáo rigorosa de crenga -, era definido como «a cizánia» instalada no seio de urna sociedade que se representava com o homogéneamente católica, um «em preendimento» que feria «o nosso sentim iento de católicos e o nosso brío de portugueses». Era curioso ouvir os bispos portugueses, em véspera da passagem de inúm eros refugiados nao católicos pelo país, em fuga dos exércitos nazis, perguntarem-se:

«Nós, que nos tem pos agitados em que o protestantism o dividía a Europa e a empapava de sangue, nos conservámos unidos na fé e nos levantám os ao apogeu da gloria, agora que ele está em dissolugáo e dividido em ¡numeras seitas, havem os de assistir de bragos cruzados e em crim inosa indiferenga á sua invasao? Isso nunca!»

Efectivam ente, os m esm os dirigentes de um catolicism o táo frequentem ente invocado para explicar a nao totalitarizagáo do regíme salazarista, foram perfeitam ente capazes de adoptar a linguagem da unicidade para descrever Portugal, a sua «grandeza que assenta na unidade granítica da

2 Preám bulo da Lei da Jefatura del Estado, de 2/2/1939.

3 Desde 1951 que a Constituigao passaria a consagrar o catolicism o com o «a religiáo da Nagao portuguesa» (novo art. 45e), e desde 1971 que se definia o Estado «consciente das suas responsabilidades perante Deus» (novo art. 45s).

(13)

nossa nagao fidelíssim a», na afirmagáo, «para que a nossa pàtria nao morra: *um só Deus, um só Cristo, urna só fé e urna só pàtria"»4. Por outro lado, ao contràrio das interpretagóes que encontram a crítica católica do totalitarism o evidentem ente dirigida contra o m odelo de Estado do Nacionalsocialism o alem áo e do Fascism o italiano, é frequente verm os nos textos católicos oficiáis deste período a denuncia do

totalitarism o das «democracias laicas». Por exemplo, quando Gongalves Cerejeira atacava, no firn de

1940, a «democracia laica» que «oprim e o homem com a imposigao dum a concepgáo ateia da vida», cujo «concerto de Estado, por ser exercido em nome de muitos, nào é por isso menos totalitàrio, visto nao reconhecer lim ites ao seu poder e autoridade, tendendo à absorgào total da pessoa humana»5.

A relevancia desta tem ática no estudo da a u to d e fin ito do Salazarism o e do Franquismo durante a época do fascismo rè o pode ser mais óbvia. 0 problem a dos refugiados judeus que, durante a II G uerra M undial, batem as portas dos consulados portugueses e espanhóis para neles procurarem urna saída legalm ente protegida para a p e rs e g u ito im placável de que sao vrtim as, constituí, como seria de calcular, um terreno privilegiado que perm ite, por um lado, a a v a lia to da postura das duas ditaduras ibéricas perante aquilo que elas m esm as designavam como «problema semita», reivindicado que foi sempre - a posteriori e, por vezes, contemporaneamente aos acontecimentos - o seu pretendido antirracism o, mas, simultaneamente, urna análise conjunta, comparada, dos seus comportamentos.

Por outro lado, aínda antes de desencadeada a guerra, e com eia a extensáo a quase todo o continente europeu da mais generalizada campanha de exterm inio genocida jam ais registada na Historia, de que foram vítim as judeus e nao só, os govem os de Lisboa e de M adrid tiveram a oportunidade de lidar com questóes m uito concretas de aceitagào plena dos direitos de judeus que, no estrangeiro, reivindicavam , jurídica e históricamente, urna das duas nacionalidades estatais ibéricas.

Por firn, as elites dos dois sistemas de Poder ibéricos foram confrontadas, como toda a Europa, pelo menos, o foi, pelo processo explícito de p e rs e g u ilo antisemita que se desencadeou na Alemanha, a partir do aparelho de Estado, em 1933, e que se fo i am pliando para o resto do continente, ou pelo m enos fez acelerar outros processos que já se haviam iniciado. Se, de inicio, tal processo pòde te r sido recepcionado a partir da perspectiva estrita do problema da imigragáo e dos refugiados, depois da invasáo da Polonia, e, sobretudo, da invasao da Uniáo Soviética, os Govemos de Lisboa e de Madrid e as suas representagóes diplomáticas e consulares, que permanecem abertas nos países do Eixo, nos seus aliados e em vários dos seus colaboradores, tomam conhecimento da escalada da repressao e da violencia que é praticada nos territorios ocupados a Leste, na Europa balcánica, em Franga, na Holanda.

Pode o conjunto desta infomnagáo ser dispensável para a avaliagao do posicionamento dos dois Estados no àm bito do mais devastador conflito da Historia da Humanidade? E poder-se-á

ignorá-4 «Pastoral C olectiva do Episcopado Portugués» (20/ignorá-4/19ignorá-40), in Lumen, Ano IV, Fase. 6 (Junho de 1940), Lisboa, pp. 349-59.

5 «Mensagem de Natal de Sua Excelencia o Cardeal Patriarca de Lisboa», in Lumen, Ano V, Fase. 4 (Abril de 1941), Lisboa, p. 236.

(14)

8 7 4

lo para estabelecer a natureza dos dois regimes e das ideologías que Ihes serviam de suporte? C re io evidentem ente que nao, mesmo que a maioria da literatura, por economía tem ática ou por c o n v ic ç a o m etodológica, pareça pressupor a resposta contraria.

Gostaria, antes de mais, de explicar a razáo pela qual, no estudo da tem ática geral d a in te rp re ta d o que salazaristas e franquistas fizeram da orgia de violencia política e étnicam ente m o tiv a d a - em todos os casos, ideológicamente m otivada -, praticada ao longo da II Guerra M undial pelas d e m a is potencias fascistas empenhadas na construçâo de urna Nova Ordem, privilegiarei a perseguiçâo antisem ita. Primeiro, há que especificar que quando aqui se fa la r de violencia, falar-se-á daquela q u e podemos considerar fora do ám bito estrito das operaçoes m ilitares que punham em confronto o Eixo e o s seus aliados às forças m ilitares regulares das cham adas Naçôes Unidas. Depois, recordar que no c a p ítu lo anterior analisei alguns elementos relativos à percepçào dos m ovim entos de resistência antinazi e a v á ria s das políticas de colaboraçâo praticadas por entidades políticas dos territorios ocupados com a s autoridades alemas e italianas de ocupaçâo, as quais passavam , forçosam ente, por p rá tic a s generalizadas de repressao política e social, e em vários casos étnica.

Aberto, desde pelo m enos a fam osa H istorikerstreit («controvérsia dos historiadores»») alem a de 1986-876, o (provavelm ente interm inável) debate da unicidade do Holocausto ju d e u , específicam ente daquele que vários autores definem com o judeu, parece desenrolar-se por u m estreitíssim o e difícil caminho, pelo qual qualquer estudioso se arrisca a ser acusado de resvalar por u rn a de duas vertentes perigosas:

i) Por um lado, fixar-se excesivam ente , a partir do carácter evidentem ente excepcional d o processo, da operativizaçâo, do Holocausto judaico, num a pretensa unicidade histórica e m oral d o fenóm eno, que desta form a é descrito com o tendo sido específicam ente direccionado contra o s judeus e como qualquer coisa de incom parável. Esta atitude tende a desvalorizar as d e m a is

6 Tratei ja està questäo com bastante detalhe em LOFF, 1996: cap. I («História e m em òria do fascism o e da II G uerra Mundial»); nele socorri-m e especialm ente de: A A .W , 1993; Peter BALDW IN (ed.) (1990).

Reworking thè P a st Hitler, thè Holocaust, and thè H istorians' Debate. Boston: Beacon Press (onde se

inclui a correspondència trocada entre M artin Broszat e Saul Friedlander); BOSW ORTH, 1993; la n BURUMA, (1994). Il prezzo della colpa. Germania e Giappone: il passato che non passa. Trad. it. [Ed. o ri. (1994): The Wages o f Guitti. M ilano: G arzanti Editore; A lfred D. LOW (1994). The Third Reich a n d th è

Holocaust in German Historiography. Toward thè H istorikerstreit o f thè mid-1980s. New York: C olum bia

U niversity Press; Brigitte PÄTZOLD (1994). «En Allem agne aussi. Intellectuels en croisade», in Le M onde

Diplom atique, Janeiro de 1994, Paris; R ichard von W eizsäcker en dialogo con G. Hoffm ann y W. A . Perger, trad. esp. [ed. ori.: (1992). R ichard von W eizsäcker im G espräch m it G unter H offm ann und W erner A. Perger. V ito von Eichhorn GmbH & Co. Verlag KG]. M adrid: Anaya & Mario M uchnik; M ichael

SCHM IDT (1993). The New Reich. Violent Extremism in U nified G erm anyand Beyond, trad. ing. [ed. o ri. (1993), Editions Jean-Claude Lattès]. Londres: Hutchinson; TERNON, 1995; Hans-Ulrich W EHLER (1989).

Le m ani sulla storia. Germania: riscrivere il passato?, trad. ital. [ed. ori.: (1988). Entsorgnung der deutschen Vergangenheit? Ein polem ischer Essay zum «Historikerstreit», M unique: Vertag C. H. Beck]. Florenga:

Ponte alle G razie; especialmente de Em st NOLTE, cf.: (1988). La guerra civile europea, 1917-1945, tra d . ital. [ed. ori.: (1987). Der europäische Bürgerkrieg, 1917-1945. Nationalsozialism us und Bolschewism us. Frankfurt-am -M ain/Berlim ]. Florenga: Sansoni, 1988; (1993). Intervista sulla questione tedesca, a cargo d e A lberto Krali. Roma-Bari: Editori Laterza; a apresentagäo «Sguardo retrospettivo e bilancio alla fine di un lungo cam m ino», à nova edigào italiana de 1993; e o despoletador artigo «Vergangenheit, die n ich t vergehen w ill», in Frankfurter Allgem eine Zeitung, 6/6/1986, Frankfurt.

(15)

vítim as da decisáo de exterm inio total {os doentes m entáis e os Oiganos) e daquela que podemos designar como perseguido selectiva massificada (os prisioneiros políticos, os homossexuais, as Testemunhas de Jeová e, as vítim as m ais numerosas de todas, o conjunto das populagoes eslavas, de entre as quais se destacam os m ilhóes de prisioneiros de guerra soviéticos). Acrescidamente, convergindo para urna sacralizagáo do fenóm eno (inexplicabilidade, irracionalidade total, impossibilidade de ser historicizado, explicado...)7 8, tende em muitos casos a considerar «o carácter único [com o] um dado adquirido na ideia do Holocausto; a tarefa definida é prová-lo, já que negá-lo equivale a negar o Holocausto» (FINKELSTEIN, 2001: 53).

ii) Por outro, a racionalizagáo e historicizagáo do Holocausto, tarefas essenciais e inerentes ao processo investigativo científico, pode naturalmente passar pela sua comparagao com outros fenómenos violentos, o que, por sua vez, pode legitim ar inaceitáveis propostas de relatMzagáo moral e política, como aquelas que o revisionism o histórico tem veiculado (todos cometeram crim es contra a Humanidade durante a II Guerra M undial e antes e depois déla, o Holocausto foi apenas m ais um ...), ou pode simplesmente contribuir para a sua banalizagáo® - atitude para a qual tém contribuido, curiosamente, e como bem nota o polém ico Norman Finkelstein, alguns dos mais ferozes defensores da tese da unicidade9.

Zygmunt Bauman propóe urna definigáo do Holocausto relativam ente consensual na geragao dos últim os vinte anos de estudos sobre o tem a, mas á qual haveria que fazer alguns acrescentos:

«El Holocausto sí fue una tragedia judía. Aunque los judíos no fueron el único grupo sometido a "trato especial" por el régimen nazi (los seis m illones de judíos se contaban entre los más de veinte millones de personas aniquiladas por orden de Hitler), solamente los judíos estaban señalados para que se procediera a su destrucción total y no tenían sitio en el Nuevo Orden que Hitler se propuso instituir» (1997: xiii).

Pela minha parte, nao tena mais objecgóes a colocar aos term os da definigáo se o autor incluísse em cada referencia que faz aos judeus idéntica referencia as duas outras com unidades humanas que, definidas enquanto tal (por muito diferentes que fossem os critérios da sua definigáo), resulta da documentagáo nazi que igualmente «estaban señalados para que se procediera a su destrucción total y no tenían sitio en el Nuevo Orden»: os ciganos e todos aqueles a quem os médicos nazis definiram com o

vidas inúteis.

Expostas assim as coisas, porque nao integrar na análise que aquí se propóe a

7 Sobre esta questáo, Norman Finkelstein convida á leitura do livro de Peter N ovick (1999), The

Holocaust in American Ufe.

8 Trato esta questáo em LOFF, 2000.

9 Os exemplos nos últimos dez anos podiam ser interm ináveis, porque parece ter-se tom ado moda justificar qualquer operagáo m ilitar dirigida pelos E.U.A. com a necessidade de nao se repetir o

apaziguamento de Munique ou o Holocausto nazi... Finkelstein cita, por exemplo, Daniel Goldhagen, que

sustentava em 1999 que a perseguigáo a albaneses do Kosovo por parte de sérvios era «"na sua esséncia"» idéntica á praticada pela Alem anha nazi, distinguindo urna da outra em «"term os de escala"», tese em que foi acompanhado de tantos outros como Hillary Clinton; ou o Centro Simón W iesenthal que qualificou de «genocidio» a intervengáo soviética no Afeganistáo (FINKELSTEIN, 2001: 83, 164-65); ou os dirigentes m áxim os norteamericanos que sistemáticamente compararam com o Holocausto e com as práticas genocidas nazis a invasao do Koweit pelo I raque ou o ataque as Twin Towers de Nova York em Setem brode 2001...

(16)

percepfào comparada de ciganos e associais no Portugal e na Espanha oficiáis (Estado, universidad e, intelectuais dos regimes, publicistica) do periodo, e m ais específicam ente a form a corno descreveram e explicaram o tratamento que estes dois grupos sofreram às m aos do III Reich?

Quanto às vítim as ciganas, o interesse reforgar-se-ia pelo facto de, desde a sua g é n e se , os instrum entos políticos e burocráticos de p e rs e g u ilo étnica e as opgòes genocidas do regime n a z i terem sido aplicados sim ultaneam ente a judeus e às populagòes Rom e Sinti, dentro e fora do te rritò rio alem ào10. Dois m otivos afastaram -m e da inclusào deste tem a neste trabalho. O facto de a s Adm inistragòes portuguesa e espanhola nao terem, aparentem ente, de se defrontar durante este p e río d o , pelo m enos do que se infere da documentagào, com um fenòm eno de solìcitagao de asilo ou de trà n s ito por parte de ciganos perseguidos noutros Estados, distingue este caso do dos judeus. Por outro lado, o triste, e revelador, facto de a historiografía e os estudos especializados na anáíise deste período o m itir toda e qualquer referéncia às com unidades rom, sobretudo às portuguesas, obrigar-m e-ia a um e sfo rg o desm esurado para cobrir aquilo que é um evidente vazio. Em todo o caso, a perspectiva de a n á lis e utilizada neste trabalho nao significa, ou pelo menos nao é resultado, de urna deliberada desvalorizagao das vítim as ciganas do Holocausto e urna consequente valorizagáo relativa das vítim as judaicas. É sim plesm ente produto de urna econom ia da investigagáo que, mesmo levantando vários problem as correlacionados, nao os pode pretender tratar todos.

Analisar a recepgáo ibérica do processo político, e da ideologia científica por detrás d e le , conducente áquilo que o Nacionalsocialism o designou com o a sua Euthanasie-Aktion, que concluiu c o m um Sonderbehandlung («Tratam ento Especial») aplicado provavelm ente a 100 m il unwertes L e b e n s («vidas inúteis») entre 1939 e 194411, seria urna das tarefas m ais interessantes a cum prir no àm bito d e s ta investigagáo. Esse interesse reforgar-se-ia ainda m ais por um estudo desta natureza poder s e r enquadrado naquilo que a minha investigagáo tem de historia intelectual dos prim eiros Salazarism o e Franquism o.

Perm ita-se-m e fazer aqui urna curta reflexào metodològica. Urna das possìbilidades q u e se m e abriu numa fase jà term inal da m inha investigagáo foi a de avaliar o peso e o condicionam ento q u e exerceu na produgào científica de tantos intelectuais e académ icos inseridos nos sistem as salazarista e franquista a atracgào ideològica e institucional que sentiram , desde inicios dos anos '30, pela cié n cia

10 Cf. M ichael ZIMMERMANN (1989). Verfolgt, vertrieben, vemichtet. Die Nationalsozialistische

Vem ichtungspolitik gegen S inti und Roma. Essen: Klartext, e G uenter LEW Y (2000), The Nazi Persecution o fth e Gypsies. O xford: O xford U niversity Press.

11 Sobre o tem a, cf. NOAKES, PRIDHAM, 2000: 262-65, e 1991: 997-1048, em grande p a rte recolhendo elem entos em Ernst KLEE (1983). «Euthanasie» im NS-Staat. Die «Vem ichtung

iebensunw erten Lebens». Frankfurt-am -M ain: S. Fischer Veriag, e em K. KOVAK (1978). «Euthanasie» und S terilisation im «Dritten Reich». Die Konfrontation m it dem Gesetz z u r Verhuttung erbkranken Nachwuchses und der «Euthanasie-Aktion». Goettingen; tam bém Henry FRIEDLANDER (1993). T h e O rigins o f N azi Genocide. From Euthanasia to the F inal Solution. Chapel Hill/Londres: The University o f

North C arolina Press, Raymond PROCTOR (1988). R acial Hygiene. Medicine under the N azis. Cam bridge, M ass.: Harvard U niversity Press.

(17)

fascista que se produzia em Italia, prim eiro, e na Alem anha, depois. Tratar-se-ia aqui de estudar a

produgáo «en algunas disciplinas com o la biología, antropología física, medicina, psiquiatría y el derecho, que proveen los elementos científicos y técnicos sobre los que construir sistemas de control, aplicados por el Estado a determinados individuos o grupos» («Introducción» a HUERTAS, ORTIZ, 1998: 10). Deparando-me com várias fontes secundárias sobre o caso espanhol12, a in ve stig a d o para o caso portugués era aínda mais tentadora urna vez que, salvo um par de artigos13, e algum estudo de natureza institucional que á questáo pudesse te r feito referencia, eslava por fazer o levantam ento da relagáo entre ideología de Estado e produgáo científica institucional na fase de clara fascizagáo cío regime e das elites dominantes em Portugal. Desenvolver a questáo tanto quanto me embrenhei pela problemática do antisem itism o significaría dar urna volta demasiado substancial num trabalho cuja fase de pesquisa sobre fontes prim árias, por entáo, já estava encerrado - daí que a tivesse que abandonar, resignando-me a urna curta referéncia complementar a esta questáo quando abordar a natureza racista da ideología e dos regimes ibéricos.

E, contudo, e urna vez mais, o investigador que se embrenha pela paisagem fascista do Salazarism o dos anos ‘30 e primeiros '40 depara-se com a contradigáo de sempre: por um lado, a tese

generalizada é a da natureza/esséncia católica do regime que o impede de evoluir na direcgáo do fascism o; por outro, de um primeiro levantamento documental que fiz, emergía urna imagem e urna ambiéncia que nao me parecía poder ser descrita nesses term os. Bastava-me debrugar um pouco em tomo das teses que se divulgaram em reunióes científicas promovidas pelo Estado sobre o que genéricam ente se chamavam as «Ciencias da Populagao», e ainda em tom o das intervengóes públicas do seu m áxim o organizador, e urna das maiores autoridades portuguesas do tem po no campo da Antropología14, Mendes Correa, ou ainda de Eusébio Tam agnini, o eugenista que Salazar chama para o

12 Várias referencias no aqui m uitas vezes citado RODRÍGUEZ-PUÉRTOLAS, 1986; de Enrique GONZÁLEZ DURO, além de algumas referencias interessantes em 1996, cf. o seu com pleto (1978).

Psiquiatría y sociedad autoritaria. 1939-1975. Madrid: Akal; no presente capítulo citarei algumas das

comunicagoes apresentadas num sem inàrio que, em M aio de 1996, organizaram em Madrid os Departamentos de Antropología e de Historia de la Ciencia do C.S.I.C., recolhidos em HUERTAS, ORTIZ, 1998.

13 PIMENTEL, 1998, e pouco antes um curto artigo, KUIN, 1997, de um investigador/jom alista que já antes dedicara à Mocidade Portuguesa.

14 Para um rápido apanhado da Antropología em Portugal na centuria 1870-1970, cf. LEAL, 2000: cap. 1 («A Antropologia portuguesa entre 1870 e 1970: um retrato de grupo»); para um estudo mais geral, CABRAL, Joáo de Pina (1991). Os contextos da Antropologia. Lisboa: Difel; para um m uito útil estudo comparado, SÁNCHEZ GÓMEZ, Luis Ángel, «Contextos y práctica de la antropología "oficial" en los fascism os ibéricos», in HUERTAS, ORTIZA, 1998: 127-46. A m aioria dos estudos sobre o período salazarista, centrados mais específicamente na alianga entre Estado e instituigóes científicas, interessaram -se pela chamada cultura popular, o m ais recente e interessante estudo é MELO, Daniel (2001). Salazarism o e Cultura Popular (1933-1958). Lisboa: Imprensa de Ciéncias Sociais. Eu pròprio estudei parcialm ente a questáo a partir da anáíise da actividade do «Centro de Estudos Políticos e Sociais da Junta de Investigagóes do U ltram ar na construgáo do assimílacionismo colonial salazarista» (comunicagào ao VI Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciéncias Sociais, Porto, 5-9 de Setembro de 2000; inédita), centrada nos anos 1956-61, ñas vésperas do desencadeamento da Guerra Colonial de 1961-74.

(18)

M inistério da In stru yo Pública em 1934-36, e verificar a sua abertura intelectual para o discurso c ie n tífic o e a sua c o la b o ra d o institucional com congéneres italianos e alem áes. E se era certo serem evidentes a s tensóes e as diferengas entre os discursos eugenistas e racistas, de natureza autodefinida espiritual, m o ra l e cultural, que se assumiam na Península, e o eugenismo e racism o alemáes [eventualm ente até d e ám bito germ ánico considerada a dimensáo institucional de que a eugenia beneficiou em sociedades co m o a sueca, a norueguesa ou a norteamericana (cf. MORIAN!, 1998)], também aqui no interior dos d o is regimes ibéricos se procedeu a um inconstestável m ovim ento de síntese entre urna e outra p ulsoes ideológicas, tendo o discurso (e o Poder) científico com o terreno de luta e, dentro da m edida do possível, de convergencia.

Neste quadro, é até possível dar um bom exem plo do que pretendo dizer, citando u rn a fonte absolutam ente oficial e numa fase em que se tom ara geral o conhecim ento sobre as práticas d e exterm inio eugénico que as autoridades políticas e sanitárias haviam levado a cabo na Alem anha n a zi. Trata-se do parecer que a Cámara Corporativa produziu em 1943 sobre o Estatuto de Assisténcia S o c ia f5 que o G ovem o apresentara: «"Sem ir de form a algum a aos extrem ism os a que últim am ente nalguns países se levaram as práticas do eugenismo, nao pode deixar de se reconhecer que a liberdade d e p e rp e tu a d o dos individuos portadores de disposigóes m órbidas hereditárias é hum anam ente dolorosa e socialm ente perigosa“» (transcrito in KUIN, 1997:51). P oroutras palavras, a estratégia era a de condenar publicam ente, sobretudo num terreno aparentemente m oral e ético, os «excessos» ou «extrem ism os» d e um eugenism o cuja operatividade se julgava ser só nazi - nao o era, havia bastante, no cam po d a e s te riliz a d o forgada, praticada nos E.U.A., nos países escandinavos, até em Franga15 16 mas sem querer perder de vista as vantagens que se haviam sempre exaltado no eugenismo.

Para o caso espanhol, Raquel Áfvarez, que estudou a obra da figura espanhola m a is marcante neste dominio, Antonio Vallejo-Nágera, aproxim a-se desta perspectiva de um discurso eugénico franquista insuflado com teses alemas, concluindo que «su concepción tan particular de la higiene de la raza, quiere integrar unos principios católicos, e ideas particularm ente tradicionalistas como la s m antenidas por Ramiro de Maeztu, con principios fascistas y nazis, que si en algunos casos concuerdan, en otros entran en contradicción con su tradicionalism o y catolicism o». A s itu a d o , contudo, nao e ra exclusiva dos casos ibéricos, como bem nota Álvarez, já que «tam bién sucedió, por cierto, en Alem ania, con algunos de los grupos religiosos en su relación con H itler y los nazis del Tercer Reich». E, para rem atar, «todo ello aparentemente sustentado y dem ostrado por la "ciencia", por una biología tranquilam ente manipulada» (ÁLVAREZ, 199 8 :95)17. O psiquiatra Enrique González Duro, pelo seu lado,

15 Lei ne 1998, de 15/5/1944, in Diário do Govemo, I Série. 16 C f. M O RIANI, 1999:50-61 e 116-25.

17 Sobre esta temática, e dentro de HUERTAS, ORTIZ, 1998, cf. ainda Isabel JIM ÉNEZ LUCENA, «M edicina social, racismo y discurso de la desigualdad en el prim er franquismo», pp. 111 -26.

(19)

acrescenta ainda a figura do médico Juan José López Ibor18 - de novo, urna figura pouco identificada com o falangism o m ais próximo do Nazismo, de um m onárquico tradicionalista que fora nomeado m embro da Junta Política da Falange mas que em 1944 viria a ser «confinado» em Barbastro por represália contra as suas actividades monárquicas favoráveis a Don Juan de B ortón. No ¡mediato pósGuerra Civil, López Ibor «trataba de hallar las "esencias" psicológicas del hombre español», entrando assim , na opiniáo de González Duro, «en la Psicología de la raza, tan de moda entonces en la Alem ania nazi, aunque en esta tarea habría de desconcertarle que sus admirados mentores, los científicos arios, hubiesen calificado despectiva y negativamente a todas las razas mediterráneas, apasionadas, excitables y propensas a toda cíase de extrem ism os e histerismos». Tal como sucedía com congéneres portugueses seus, López Ibor «efectuaba una pirueta intelectual, y llegaba a la conclusión de que en la raza española existían elem entos nórdicos y mediterráneos: la mezcla idea!» (GONZÁLEZ, 1996: 311). Acrescentemos só, a título anedótico, como a moda de incluir ancestrais germ ánicos na definigao das ragas que tanto ocupavam os eurofascistas do período, que também aqueles que entre os ustashas croatas se autoproclamavam historiadores da nagáo renascida se reclam ava a ascendéncia germ ánica que superaría qualquer proporgáo eslava na génese daquele povo dos Eslavos do Sul...

Irene Pimentel, que também neste terreno contribuiu para desbravar vias m uito esquecidas mas relevantes de in v e s tig a lo , sustenta aqui, pelo contràrio, a mesma tese que a verem os sustentar quanto à ausencia de antisem itism o na cultura política e antropológica do Salazarismo. Para eia, «o Estado Novo só encontrou obstáculos ao seu intervencionism o na sua pròpria ideologia», de «m atriz católica», e «na vigilancia da Igreja, que, ao manter-se atenta perante urna excessiva intervengalo ñas esferas privada e fam iliar, serviu de válvula de seguranga contra o "totalitarism o", assim como os excessos "negativos" da eugenia», num esquema que a pròpria Pim entel reconhece ter sido de «competigáo entre a Igreja e o Estado para m onopolizar os espirites», já que a prim eira «nao discordou do intervencionism o estatal desde que este fosse m ovido por urna lógica natalista de multiplicagáo das "fam ilias numerosas"», reconhecendo ao Estado o «direito de "defender-se" dos crim es contra a sociedade e a “raga", e nao se opós nem à reclusào dos "anorm ais", nem à pena de morte noutros países» (PIMENTEL, 1998:26).

Ora, neste terreno, o exemplo italiano pareceu-m e particularm ente revelador, e a aplicagáo de um esquema com parativo entre a Italia, a Espanha e Portugal dos anos da época do

fascism o poderia trazer urna luz muito nova sobre a visáo, em m inha opiniáo, estereotipada que se tem

m aioritariam ente reproduzido sobre os casos ibéricos. Também na Itália pré- e póslegislagáo racial antisem ita de 1938 se evidenziava urna tensáo entre um racism o espiritualista, de m atriz e tradigao católica e latina, «all'italiana» como se exprim e na m aioria da literatura, e um racismo «alla germanica», a m aioria das vezes adjectivado como positivo (porque operativo e náo sim plesm ente analítico), outras

18 C f. sobretudo dois artigos que virao a ser integrados in (1964). E l español y su complejo de

inferioridad. Madrid: Editorial de Cultura Hispánica: (1940). «El hom bre español», in Revista Sol y Luna.

(20)

8 8 0

vezes com o negativo (porque repressor e segregador), presum indo-se que o prim eiro nunca tena d e ix a d o de ser sociológica e legalmente hegemónico.

Roberto M alocchi, autor de urna detalhadíssim a, e igualm ente interessante, in ve stig a g á o sobre o racism o ñas ciencias e nos dentistas italianos do Ventennio fascista, confrontou-se tam bém e le com a tese m aioritaria de que

«l'ideologia razzista non avrebbe avuto negli anni precedenti [alla legislazione in "difesa d e lla razza" nel 1938] alcuno spazio nella cultura italiana, se non in frange m arginali, sarebbe s ta ta im posta dalle scelte politiche del regime alla nostra com unità intelettuale la quale (...) l'a v re b b e accolta cercando, anche secondo direttive provenienti dall'alto, di dame una versione "italiana"». E, tam bém neste caso, o esquema com parativo que tradicionalm ente se segue ao colocar em p a ra le lo , favoràvel ao Fascismo italiano, os regim es hitleriano e m ussoliniano, parece a Malocchi servir

«per ripresentare sul piano culturale la tesi largam ente circolante sul piano politico di un ra z z is m o ita lia n o "im perfetto" rispetto alla "perfezione" della m acchina da sterm inio tedesca, meno rig o ro s o , più m orbido perché più confuso, più umano perché m eno scientifico, più "buono”, in definitiva, in quanto sentimentale invece che freddam ente razionale».

Ainda por cim a, a in v e s tig a d o sobre o caso italiano confirm ava urna sèrie de s im ilitu d e s com os casos portugués e espanhol. Quando se percebe que «il razzismo biologico non ebbe n e ssu n a fortuna in Italia», os dois factores que Maiocchi introduz para o explicar sao perfeitam ente aplicáveis a o que se conhece do discurso científico ibérico sobre a questáo: porque aquele racismo b io ló g ic o «com portava (...) una inferiorità degli italiani rispetto ai nordici» e porque «era problem atico accogliere u n a im postazione che privilegiava l'im portanza dei dati som atici a causa dell'im possibilità m anifesta di p o te r parlare, su lla base di param etri fisici, di un popolo italiano om ogeneo». Da mesma form a que antropólogos (e) eugenistas espanhóis e portugueses recusariam os discursos da excessiva m istura racial que d e le s fariam povos decadentes, tinham naturais dificuldades para encontrar urna biotipologia, corno s e costum ava entào dizer, unica para os tipos das suas varias regióes.

Roberto M aiocchi, contudo, isola «un aspetto del razzism o biologico [che] ebbe b u o n a accoglienza» em Italia, constituindo precisam ente urna perspectiva permanentemente presente n o discurso ra c ia l que se desenvolvía entào em Portugal e Espanha, designadamente entre aqueles que s e autodefiniam corno cientistas e intelectuais católicos: «la connessione tra fisico e psichico, il diritto d i im piegare il giudizio estetico per tram e giudizi di ordine m orale e intelettuale». Ora, tam bém nos a te n e u s ibéricos, recorrendo a este esquem a dedutivo que estabelecia psiquism os e m oralidades próprias de c a d a

raga, se discorda pela bondade daquelas que ali se designavam com o ragas portuguesa e hispánica e

pela m aldade da raga judia (sobretudo em Espanha19), ou se levantavam todas as dúvidas sobre o

19 O nde tam bém era prolífica a literatura e o im agético antiárabe, e m ais específicam ente antim arroquino - c f. o recente Eloy M ARTÍN CORRALES (2002). La imagen d e l m agrebí en España. U n a

perspectiva histórica (siglos XVl-XX). Barcelona: Ediciones B ellaterra. Para o caso portugués, Abdoolkarim

Vakil é um pioneiro, significativam ente sem grande com panhia ñas suas tarefas de investigagáo, n o estudo da islam ofobia intelectual e institucional no Portugal contem poráneo, com particular incidencia n o período do p ó sll Guerra M undial e dois dos espagos coloniais portugueses, Mogambique e G uiné-Bissau (cf. VAKIL, 2002).

(21)

carácter do m estizo euroafricano (o que ocupava m ais os investigadores em Portugal). Esta perspectiva,

no caso italiano, «fin» per offrire un fondamento scientifico a lia piú rozza propaganda che insisteva sul significato recóndito delle labbra dei negri e del naso degli ebrei» (MAIOCCHI, 1999:3-4 e 323).

Expostas as razóes pelas quais urna tem ática m uito interessante e que coerentemente caberia neste estudo nele nao pode ficar, regressemos á perspectiva a partir da qual se encarará o Holocausto; e, deste modo, regressemos a Zygmunt Baum an. Interessa-me m ais a form a como o sociólogo coloca o problema, justam ente para negar que o Holocausto tenha sido «un problema judío ni un episodio sólo de la historia judía»: «E7 Holocausto se gestó y se puso en práctica en nuestra sociedad

m oderna y racional, en una fase avanzada de nuestra civilización y en un momento álgido de nuestra cultura y, por esta razón es un problem a de esa sociedad, de esa civilización y de esa cultura» (BAUMAN,

1997: x iii20).

Nao pretendo com esta citagáo e este raciocinio v ir propor um automatismo para forgar o envolvim ento portugués e espanhol na problemática do Holocausto. Procuro simplesmente contextualizar aquela percepgao e recepgáo que do fenómeno da deportagáo e do exterm inio se teve a urna certa distáncia, reduzindo esta a nada quando considero que dentro do conceito de Holocausto forzosamente ocupa um lugar o fenómeno da fuga e da procura de refúgio por parte de judeus que escolheram ou que se encontraram com Portugal e a Espanha, ou algum a das suas representagóes externas, como possibilidade. Parto de um principio que, parecendo obvio, raram ente emerge nestes estudos: o de que sendo inevitavelm ente modernas as sociedades ibéricas dos anos '30 e '40, fazendo parte daquela cultura e daquela civilizagao de que fala Bauman, seria natural que o processo social da construgáo do Holocausto tivesse nelas reflexos.

M ais ainda quando Bauman sugere que «e l Holocausto fue e l resultado del encuentro

único de factores que, por s í mismos, eran corrientes y vulgares» - e de tal forma vulgares que nao

poderiam estar com pletam ente ausentes das sociedades ibéricas. Acrescenta o sociólogo urna explicagáo causal que se adequa muito aos casos salazarista e franquista:

«Dicho encuentro resultó posible en gran medida p o r la emancipación del Estado político - de su m onopolio de la violencia y de sus audaces ambiciones de ingeniería social - del control social, como consecuencia del progresivo desmantelamiento de las fuentes de poder y de las instituciones no políticas de auto-regulación sociah (BAUMAN, 1997: x v ii21).

Um dos pontos de partida desta dissertagáo é a de que o Salazarismo e o Franquismo representaram, no percurso histórico moderno das duas sociedades, urna evidente tentativa de

emancipagao do Estado face aos mecanismos de controlo social desse mesmo Estado. Primeiro,

pressuponho que se tratavam de modelos de Estado m ais capazes de reunir o consenso das elites sociais dominantes do que quaisquer outros da experiéncia ibérica contemporánea. Essas elites, face ao processo de em ergéncia de urna sociedade moderna e tendencialm ente de massas, reuniam urna

20 Itálico no original. 21 Itálico no origina!.

(22)

8 8 2

acrescida vontade e necessidade de hegemonía social no quadro de urna realidade social crescentem ente plural e de interesses conflituais organizados.

Por urna infinidade de razóes - que nao cabem aquí analisar - que derivam deste processo de mudanga social que caracteriza a época contem poránea, pelo menos ñas sociedades europeias, creio te r ficado provado que a ideología dom inante, representada pelo Salazarism o e pelo Franquismo, im posta ás sociedades ibéricas, se adapta bastante bem áquele «authoritarian type» e ao

«potentially fascistic individual» que Max Horkheim er e Theodor Adom o22 procuraram fixa r no final dos

anos '40 quando se langaram (e, creio, inauguraram ñas ciencias sociais) nos «studies in prejudice». O prim eiro era descrito «"anthropologically"» com o alguém que «seems to combine the ideas and skills which are typical of a highly industrialized society with irrational or anti-rational beliefs!,] at the sam e tim e enlightened and superstitious, (...) jealous of his independence and inclined to submit blindly to power and authority» (Horkheim er, in ADORNO e t allii, 1969: ix). Estes term os aplicam -se particularm ente á perspectiva que usei em capítulos anteriores para interpretar o Salazarism o e o Franquism o á luz da ofensiva irracionalista que triunfa entre as direitas europeias no período de entreguerras m undiais, e, através délas, na m aioria dos Estados europeus,

O segundo, o «potentially fascistic individual», «one whose structure is such as to render him particularly susceptible to anti-dem ocratic propaganda», e que me parece dever ser interpretado como

possível e s p e c ific a d o do tipo autorítário, em ergía do estudo da «ethocentric ideology», definindo o «fascism and the dissolution of dem ocratic values» como «politicalized ethnocentrism », construido este a partir de oposigöes sistem áticas entre «ingroups» (grupos dentro dos quais os etnocentristas se procuram encontrar) e urna série de «outgroups» (grupos a que os etnocentristas sentem e pensam nao pertencer), globalmente rejeitados, definidos com o «not "acceptable"» e, em últim a instancia, «"alien"».

Adorno e a sua equipa tiveram o m érito de sublinhar como «the ingroup-outgroup distinction thus becom es the basis fo r most of the social thinking» do fascista potencial. Em prim eiro lugar, na «inability to identify w ith humanity», o que politicam ente «takes the form of nationalism», justam ente, «and cynicism about world government and perm anent peace»; moral e antropológicam ente assum e as «ideas concerning the intrinsic [and unchangeable] evil (...) of human nature[,] (...) rationalized by pseudo­ scientific hereditarian theories of human nature». Depois na form a com o os «outgroups are seen, as

threatening and power-seeking. Accusations against them tend to be m oralistic and, often, m utually

contradictory». Naturalm ente, «the interaction of ingroups and outgroups, and indeed all social interaction, is conceived in hierarchical and authoritarian term s». Por fim , a percepgáo da «generality o f outgroup rejection» com o «a prim ary characteristic of ethnocentric ideology», conduziu estes investigadores a procurar ve rifica r (com sucesso) a hipótese «that a man who is hostile tow ards one m inority group is very likely to be hostile against a wide variety of others». A investigagáo, por exem plo, confirm ava um dado

22 Á frente de urna equipa que incluía Else Frenkel-Brunswik, Daniel J. Levinson e R. N evitt Sanford, urna das várias criadas no ám bito do Departm ent o f Scientific Research criado pelo Am erican Jewish

(23)

fulcral: «prejudice against, or totally uncritical acceptance of, a particular group often exists in the absence o f any experience with members of that group»; por outras palavras, «the prejudiced individual is prepared to reject groups with which he has never had contact» (ADORNO e t aitò, 1 9 6 9 :1 ,1 4 7 ,1 5 0 ,1 4 8 -5 0 ,923).

O aspecto mais interessante da teoria de Adomo, ou pelo menos aquele que a tornava m ais operacional e ampiamente aplicável nomeadamente na minha in v e s tig a lo , é de que os «ingroups»

e os «outgroups» concebidos pelos etnocentrístas nao se definem exclusivam ente por critérios étnicos. Pelo contràrio, eles podem, pelo menos por critérios científicos, tratar-se de classes ou grupos sociais, de correntes politicoideológicas ou de comunidades religiosas24. A aplicabilidade deste esquem a conceptual às rejeigóes do Salazarismo e do Franquismo que se analisaram em capítulos anteriores é, assim, evidente. A hipótese que se me perm ite colocar, portanto, é a de que o táo elevado peso da rejeigáo de vários «outgroups» por parte de sal azaristas e franquistas, obvios etnocentrístas no contexto das suas sociedades, é um indicio óbvio de que a rejeigáo dos judeus, como «outgroup» por antonomàsia, deveria ser detectável no discurso daqueles. Se acrescentarmos urna contextualizagáo histórica do preconceito m aioritário contra os judeus evidentemente verificável ñas duas sociedades, desapareceria qualquer dúvida sobre a colocagáo desta hipótese.

Primeiro, porque, como sustentavam Adorno e os seus colegas, já entáo juntam ente «with most social scientists», a generalidade das características do preconceito contra os «outgroups» coincide com o processo de rejeigáo dos judeus enquanto tais, ou seja, coincidia com a ideología antisem ita. A hipótese de que parti am era de que o «anti-Semitism probably is not a specific o r isolated phenomenon but a part of a broader ideological framework», e de que este é «based more largely upon factors in the subject and in his total situation that upon actual characteristics of Jews, and that one place to look fo r determinants of anti-Sem itic opinions and attitudes is w ithin the persons who express them» (ADORNO e t allii, 1969: 3 e 2), nao nos judeus que os antisem itas considerarti, precisam ente, como responsáveis pelo antisemitismo.

É aquí que faz sentido relevar que o antisem itism o, m uito para além de urna pràtica política e social normalmente apoiada num conjunto de normas jurídicas discrim inatórias, é urna ideologia; na definigáo de Daniel J. Levinson: «a relatively organized, relatively stable system of opinions, values, and attitudes concerning Jews and Jewish-Gentile relations», incluindo «negative opinions regarding Jews (that they are unscrupulous, clannish, power-seeking, and so on); hostile attitudes toward them (that they should be excluded, restricted, kept subordinate to the Gentiles, and so on); and m oral values which perm eate the opinions and justify the attitudes» (Levinson, in ADORNO e t allii, 1969: S825). Neste sentido, toda a distinguo entre um pretenso antijudaísmo e o antisem itism o, pressupondo urna im portante

23 Itálico no original.

24 Cf. a introdugáo ao cap. IV «The study of ethnocentric ideology», de Daniel J. Levinson, in ADORNO

e t allii, 1969:102-04.

(24)

8 8 4

diferença de grau e até de causal i dade, co m o se o prim eiro se resum isse ao terreno do preconceito e da opiniáo e esse nâo fosse tam bém um te rre n o do segundo, parece-m e destituida de sentido e (involuntariamente?) propiciadora de urna conotaçâ o inofensiva que ao prim eiro pudesse ser reconhecida.

Por outra lado, nao posso d e ixa r de partir do pressuposto de que a aparente (e só aparente) auséncia de judeus ñas sociedades ibéricas nâo podia ser - ao contràrio do que ouvirem os os salazaristas e os franquistas repetidamente sustentarem - um óbice para a produçâo de um discurso e de um preconceito antisem itas. Juntam ente com m uitos outras investigadores, Zygm unt Bauman concluí que «el estereotipo del judío como fuerza perturbadora del orden, com o cúm ulo incongruente de oposiciones que socava todas las identidades y am enaza todos los esfuerzos para la autodeterm inación se ha sedimentado hace mucho tiem po en la c u ltu ra europea». Sendo assim , «se puede adoptar este estereotipo, al igual que muchos otros conceptos fabricados culturalm ente, como vehículo para la solución de problemas locales aunque la experiencia histórica que lo ha producido fuera desconocida en esa zona». Portanto, o antisem itism o «se puede adoptar aunque las sociedades que lo hagan no tengan ningún conocim iento anterior de prim era m ano sobre los judíos. O quizá debido a eso». Ora, numa época de grande intensidade ideológica como fo i a época do fascism o, em que as explicaçôes globais da realidade e dos processos sociais ajudaram a radicalizar os confi ¡tos, é lógico que compreendamos o

«antisemitismo contemporáneo, m ás que [co m o ] un producto de ia sedim entación cultural, [com o estando] sometido a ios procesos de difusión cu ltu ra l» (BAUMAN, 1997: 103-0426), a que estavam abertos

salazaristas e, m uito m ais ainda, fram quistas, e que terâo sido particularm ente bem utilizados pelos nazis na sua construçâo do m ito da pengosidade universal judaica (que encontrarem os consagrado tam bém na Península).

Toda esta linha de raciocinio tende a ju stifica r a inevitabilidade e a naturalidade com que há que encarar a detecçâo do antisem itism o ñas sociedades portuguesa e espanhola dos anos da perseguiçào. Coloco-me, assim, contra a te s e tradicional da auséncia de antisem itism o nestes espaços sociais e políticos, e que aceita apenas v e rific a r a presença de um pretenso antijudafsmo. Tal tese, além do mais, é favorecida pelo obvio m otivo de o rg u lh o para as sociedades ibéricas o elas terem podido, pelo seu nao envolvim ento bélico durante a II G u e rra Mundial, propiciar urna saída libertadora a muitos fugitivos da repressâo nazi. Ora, o facto de q u e , quando esta repressáo se abateu em toda a sua força homicida sobre judeus e ciganos, m as tam bém sobre as populaçôes eslavas, se revelou a m ais terrível de sempre, os territorios espanhol e portugués s e tomarem involuntariam ente um refúgio, a literatura que aborda esta tem ática deveria identicam ente ch a m a r a atençâo para o facto de que esta circunstáncia nao tomou os seus países, os seus Estados, em co rajosos heróis da salvaçâo de vidas.

Por outras palavras, serem P ortugal, e até a Espanha, territorios de refúgio, ou no percurso da fuga, escolhidos pelas vítim as d e políticas m ais persecutorias de antisem itism o, geralmente conducentes à expulsâo e depois ao genocidio, nào significa que fossem territorios de tolerancia, muito

26 Itàlico no originai.

(25)

menos isentos de racismo, e menos ainda isentos de antisem itism o, social ou de Estado. Recorde-se que a pròpria Itàlia fascista representou um refùgio para muitos judeus perseguidos na Alemanha ou na Austria até à aprovaçâo da legislaçâo antisem ita de Novembre de 1938, para nâo chegarmos ao extremo de lembrar que m ilhares de judeus fugiram da zona ocupada para a chamada Zona Livre administrada directamente por Vichy, depois nâo só da assinatura do arm isticio francoitaloalem âo de Junho de 1940, mas até depois de aprovada legislaçâo antisem ita em Outubro desse ano; a pròpria Hungría, urna aliada do Eixo di rigida dilatoria! mente por um alm irante antisemita sem frota de guerra, que se autointitulava

Regente de um Reino sem dinastia, serviu de refugio para m uitos judeus, apesar da legislaçâo social e

economicamente discrim inatòria, que se viram tragicamente envolvidos na ùltim a grande onda de deportaçôes realizada antes do final da guerra pelas estruturas genocidas do sistema nazi.

A vitim a em fuga, como o judeu que procura desesperadamente fugir às form as mais violentas de perseguiçâo, nâo deve ser nunca tomado como um avaliador qualificado capaz de descobrir a liberdade, a tolerancia e a ausencia de preconceito onde ele estiver. A vítim a em fuga é, pelo contràrio, urna personagem tomada pelo desespero que naturalmente se apodera de quem sabe apenas que deve lutar pela sua pròpria sobrevivência contra as forças da agressâo, da morte. Dentro de urna tal lógica, o trajecto da fuga é feito de um som atório de alternativas em que, à m aior perseguiçâo e discriminaçâo deve suceder menor perseguiçâo e segregaçâo - mas nâo necessariam ente a sua ausência, sobretudo no mundo dos anos '30 e '40. Como sustenta aquele que se tom ou a mais consensualmente respeitada autoridade investigadora sobre o Holocausto, no final dos anos '30 «gii ebrei cercarono un rifugio qualsivoglia, fosse Cuba, Shanghai che era in mano ai giapponesi o un paese vicino con frontiere non invalicabili come il Belgio, la Francia e l’Italia, in cui si potesse entrare con un visto provvisorio o illegalm ente» (HILBERG, 1997:119).

Boa experiencia deste circunstancialism o tiveram os milhares de refugiados espanhóis que, sabendo-se perseguidos pelas forças franquistas durante a G uerra C ivil espanhola, sobretudo na sua primeira fase, procuraram refugio em Portugal, simplesmente atravessando a fronteira. As autoridades salazaristas procederam náo só à sua prisào, em instalaçôes m ilitares e policiais ou em improvisados campos de concentraçâo, mas também, e de seguida, na enorm e m aioria dos casos, entregaram-nos pura e sim plesm ente ñas máos das forças m ilitares rebeldes espanholas, corn as consequéncias que se imaginam. Além disso, as forças m ilitares e militarizadas portuguesas, «coordenadas com as tropas nacionalistas e as m ilicias falangistas» espanholas, procederam a «frequentes "operaçôes de limpeza"» (OLIVE!RA, 1987: 161) nas regiôes fronteiriças, ao mesmo tempo que bloqueavam a fronteira a todo o tipo de refugiados, m ilitares ou civis27. À atitude do Governo opôs-se a solidariedade de comunidades portuguesas fronteiriças, de activistas da oposiçâo antisalazarista, de alguns espanhóis de simpatías republicanas residentes em Portugal e até de redes intemacionais organizadas para perm itir a evacuaçâo

27 Sobre toda esta questâo, cf. OLIVEIRA, 1987: 155-71, e ainda MOUTINHO, José Viale (1998). No

pasarán! Cenas e cenários da Guerra C ivil de Espanha. Prefácio de Raúl Morado. Lisboa: Editorial

(26)

de refugiados.

Recordemos sempre este caso histórico no m om ento em que analisam os a atitude do regime de Salazar perante a p e rs e g u ilo antisem ita na época do fascism o. Além de todos os outros páretelos, ele ocorre em sim ultáneo com a afluencia de refugiados judeus da Europa Central, e desm ente irrem ediavelm ente qualquer tese sobre urna pretensa tradigáo de acolhim ento de que o Estado portugués contemporáneo seria protagonista.

M uita literatura presume, no entanto, o contràrio da assergáo que acim a se propós, sustentando que onde nao há p e rs e g u ilo legal, nao há preconceito, ou este é inofensivo. A equagáo é praticamente esta: culturas de base católica, que rejeitam o racism o, propiciam ausencia de legislagao antisemita, o que garante acolhim ento voluntário de refugiados no interior das fronteiras nacionais e protecgáo voluntária de perseguidos no exterior. Tal equagáo nào fo i proposta unicam ente pelos dois Govemos ibéricos na a p ro xim a d o da Vitoria aliada e no período que ¡mediatamente se Ihe sucedeu, nem só pelos propagandistas de ambos os regim es desde entáo; boa parte da in v e s tig a d o independente parte deste pressuposto teórico, desvalorizando a a v a tia d o do preconceito ideológico e étnico, e, inversamente, sobrevalorizando o antisem itism o de Estado e os seus instrum entos de a e d o persecutoria, caracterizando o prim eiro pela presenga dos segundos, e pemnítindo que se presumam como inofensivas todas as form as nao legáis, nao explícitas, de antisem itism o.

10.2 Urna introdugáo as grandes tendencias da investigado

Antes de entrarm os em tem as táo polém icos, com o verem os, é forgoso com egar por desenhar, de form a breve, o quadro ideológico, m ental, relativo ao n ive l de antisem itism o detectável na cultura reaccionária m oderna dos dois Estados ibéricos. Com o em todas as suas outras dimensòes, aqui emerge em toda a sua pujanga a reaegáo irracionalista na c o n c e p d 0 das relagóes sociais, designadamente na sua dimensao histórica, de par com a evidente m entalidade autoritària que há tantos anos categorizou a equipa de Adorno, concebendo urna identidade tào rigidamente totalizante e im positiva que haveria de, necessariamente, produzir exclusòes e procurar forgar inclusóes.

A propósito das exclusòes, procurarei em toda esta 4a Parte carrear provas docum entáis, habitual m ente ausentes da literatura sobre os dois regim es ibéricos, que nos perm item deduzir a perm anencia de urna co n ce p d o do judeu inassim ilável no quadro da cultura reaccionária, de m atriz católica, do Portugal e da Espanha contemporáneos, partindo-se do contexto de um grupo m aioritário, hegemónico, que, por nao querer nem dever aceitar a pluralidade, deveria assim ilar todos os que nao se excluíssem . Para os portadores desta cultura, verdadeiras civilizagóes históricam ente superiores, como descreviam serem a portuguesa e a espanhola, haviam resolvido no passado este problem a através da expulsáo dos judeus, dos mugulmanos e dos ciganos da Península na viragem do séc. XV para o XVI; a assim ilagáo pelo catolicism o dos que houvessem permanecido, enquanto cristáos novos, ou a v¡vénda praticam ente clandestina, e oficialm ente nao reconhecida, do m uito restrito judaism o portugués e

(27)

espanho! por aqueles que a Historia chamou marranos, perm itiría, sempre na c o n c e p to autoritària, que as respectivas sociedades contemporáneas vivessem livres do problem a, ao contràrio do que sucedería no resto da Europa - porque, nesta opiniáo, tal problema era real. Isto significava, portanto, que todos os dem ais que nao coubessem naqueia categoria poderiam ser, apesar da sua alteridade, aceites enquanto diferentes mas, sobretudo, inofensivos.

No mesmo registo das exclusoes identitárias, haveria que estudar a política salazarista e franquista perante a identicam ente histórica m inoría cigana, de resto essencialmente ibérica, m ais do que portuguesa ou espanhola. Urna in ve stig a d o que se pretenda com pleta sobre o preconcetto contra as minorías étnicas, com o urna das características centráis das ideologías dominantes em Portugal e Espanha neste período, deveria incluir esta questáo. As razoes pelas quais nao o fiz creio terem ficado claras quando a elas m e referí há algumas páginas atrás.

Retomemos o quadro autoritàrio de interpretad o da realidade. Ñas primeiras décadas do séc. XX manifestavam -se, na sua perspectiva, alguns sintom as preocupantes. O primeiro resultava do processo de la ic iz a d o da sociedade, acentuado ainda m ais com a la ic iz a d o do proprio Estado, que estaña permitindo a reemergència de alteridades antes submergidas, como a judaica, precisamente. É sobretudo o caso portugués, com a cham ada Obra do Resgate dos judeus clandestinos que se desencadeia nos anos '20. Os anos que se sucedem ao triunfo hitleriano na Alemanha, aceleram o processo com a tra n sfo rm a d o de Portugal e Espanha em territorios de refúgio ou de fuga para fora da Europa para m ilhares de judeus que escapam ao antisem itism o que de novo se desenfreia pela Europa Central e Oriental, com consequéncias táo esmagadoramente trágicas.

O s diferentes equilibrios de poder, os diferentes processos históricos de co n stru d o da hegemonía, a diferente a tra cd o pelo modelo fascista dominante, a diferente capacidade - e necessidade - de re a c d o do m undo católico à laicidade e à diversidade religiosa, expücaráo a proporcionalmente diferente viruléncia do antisem itism o ideológico presente no Salazarism o e no Franquismo. Em algum, ou vários, pontos de am bos os sistemas ideológicos, lá estava ele. Com o seria natural em regimes com a sua composi d o . génese, papel histórico. Todos estes parámetros teráo contribuido para que se revelasse m uito mais aberto e franco no caso espanhol, mais subterráneo e deliberadamente mascarado no caso portugués. Neste últim o contexto, os mesmos adjectivos se poderiam aplicar à a v a lia d o do racismo dirigido contra o negro, para nao talar no que segrega o cigano, que, urna vez mais, nao era assumido enquanto tal, antes envolvido num discurso em que se cruzavam matriz católica e historicism o nacionalista, que atribuía ao colonialism o portugués urna atitude «paternalmente civilizadora», de raíz «espiritual crista» e nao económica (ou até mesmo «antieconómica»), que o distinguiría de todos os outros. É aqui, no cam po colonial, que nos deparam os com políticas de inclusáo forpada numa identidade totalizante como aquela que o nacionalism o portugués do período salazarista procura im por, e como noutros campos, é notoria a divergéncia essencial entre a u to d e fin id o deliberada e características essenciais do discurso.

Riferimenti

Documenti correlati

Harrison, Sophie Pointer, Amr Abou Elnour.. : Australian Institute of Health and Welfare, - Injury research and statistics series, 1444-3791

Recently, it is gaining consensus a scenario (i.e. ‘Delayed then rapid’ quenching; Wetzel et al. 2017 ) in which the quenching of satellites in dense environments has been proposed

Trattato il problema della memoria e del sapere, abbiamo quindi affrontato quello dell’estensione della facoltà simbolica, scoprendo che, sebbene la cultura si sia servita da sempre

Massimo Guiggiani, al Dipartimento di Ingegneria Meccanica, Nucleare e della Produzione dell’Università di Pisa, mio correlatore e supervisore universitario, per

Una volta ottimizzati gli stati fondamentali si è passati alla valutazione della barriera rotazionale teorica vera e propria attraverso la ricerca degli stati di transizione che

AF, atrial fibrillation; AV, atrio-ventricular; CRT, cardiac resynchronization therapy; DES, desmin; DMD, dystrophin; DSP, desmoplakin; EMD, Emery–Dreifuss; FLNC, filamin C; LBBB,

INDICE XIX Tutela costitutiva e tutela risarcitoria in materia di contratti pubblici: riflessioni a margine della disciplina processuale dettata dalla recente legislazione