TEXTOS SELETOS DO P. PAULO ALBERA
3. Viver de fé 3)
Se tivermos a felicidade de viver de fé, sentiremos no coração imensa gratidão a Deus por nos ter chamado à Pia Sociedade Salesiana, tão provi-dencialmente fundada pelo venerável Dom Bosco; haveremos de conside-rá-la a arca de nossa salvação e o nosso refúgio, e a amaremos como nossa dulcíssima mãe; olharemos para as casas aonde a obediência nos enviou a trabalhar como casa do próprio Deus; nosso ofício, seja qual for, como porção da vinha que o dono nos confiou para cultivar.
Na pessoa dos superiores veremos os representantes do próprio Deus, em cuja fronte a fé nos fará ler as palavras: qui vos audit, me audit; qui vos spernit, me spernit (Lc 10,16): quem vos ouve, a mim ouve; quem vos rejeita, a mim rejeita; por isso, suas ordens serão consideradas como ordens do próprio Deus, e nos preocuparemos em executá-las, tendo muito cuidado para nada julgar inoportuno e nada criticar.
Reconheceremos as Constituições, os Regulamentos, o horário como manifestações da vontade de Deus a nosso respeito e teremos o cuidado de segui-los. Os jovens dos nossos oratórios e Institutos, aos olhos da nossa fé, serão um depósito sagrado do qual Deus nos pedirá estreitíssimas contas.
Os nossos irmãos que conosco partilham sofrimentos e alegrias, com quem rezamos e trabalhamos, serão imagens vivas do próprio Deus,
encar-3 Da carta circular Sobre a vida de fé (21 de novembro de 1912), em LC 95-99.
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regados por ele mesmo de edificar-nos com suas virtudes ou fazer-nos praticar a caridade e a paciência com os seus defeitos.
Oh! Quando chegará o dia em que nós, segundo a imaginativa expressão de São Francisco de Sales, nos deixaremos carregar por Nosso Senhor como uma criança nos braços de sua mãe? Quando, caríssimos irmãos, nos acos-tumaremos a ver a Deus em cada coisa, em cada acontecimento, que nós consideraremos como se fossem espécies sacramentais sob as quais ele se esconde? Assim nos persuadiremos de que a fé é um raio de luz celeste que nos faz ver a Deus em todas as coisas e todas as coisas em Deus.
É precisamente isto que admiramos na vida do nosso venerável Fundador. Por que, quando rapaz, usou de tantas iniciativas para atrair a si os meninos do humilde povoado dos Becchi? Todos nós o sabemos; era para instruí-los e mantê-los longe do pecado. Qual foi a finalidade que ele se propôs para abraçar o caminho do sacerdócio, superando inumeráveis obstáculos? Está muito bem expresso no mote: Da mihi animas. Queria salvar as almas que a fé lhe apresentava como resgatadas pelo preço do sangue do próprio Jesus Cristo.
Ordenado sacerdote, consagrou-se ao cuidado dos meninos pobres, porque via-os abandonados por todos e crescer na ignorância e no vício.
Como era edificante para nós contemplá-lo ocupado, horas a fio, em ouvir as confissões de tantos jovens, sem jamais dar o mínimo sinal de cansaço por tão penoso ministério! Isto acontecia porque a sua fé viva levava-o a contemplar o confessor no ato de curar as feridas das almas, de romper as cadeias a que estavam atadas, de encaminhá-las pelo caminho da piedade e da virtude.
Ele não queria absolutamente que os jovens confiados a ele permane-cessem, nem mesmo por poucas horas, com o pecado na alma; por isso, usando palavras fortemente eficazes, exortava-os, caso tivessem cometido alguma culpa, a se confessarem quanto antes, mesmo que tivessem de se levantar durante a noite.
O que a fé sugeriu a Dom Bosco para tornar mais frutuosa a sua pregação? Impôs-se a lei de evitar toda palavra ou frase que não fosse perfeitamente compreendida por seus jovens ouvintes, por mais elegante que fosse. Evitava qualquer expressão abstrata e de difícil compreensão;
habituou-se a uma linguagem, eu quase diria, concreta, com que ele falava aos sentidos dos meninos, atraía sua atenção e dominava sua vontade. A essa arte e à sua santidade é devida a singular eficácia da sua palavra.
Foi igualmente o espírito de fé que lhe inspirou seu admirável sistema preventivo, o qual, segundo o parecer dos estudiosos, enquanto lhe conferiu
um lugar muito honroso entre os educadores da juventude, é para nós a prova mais contundente do seu ardente zelo para impedir o pecado.
Por que será que jamais quis que os jovens fossem postos na moral impossibilidade de cometer faltas? Unicamente pelo desejo de que fosse evitada qualquer ofensa a Deus.
Ele mesmo demonstrou como era custosa a assistência para quem quer seguir o sistema preventivo, e enquanto teve forças, precedia seus filhos com seu exemplo e os estimulava mediante suas calorosas exortações.
Recordo que a certo indivíduo que, por cansaço, tinha deixado os jovens do oratório sozinhos num Domingo de agosto, disse com energia: Quando há tantos jovens no recreio, devemos assisti-los custe o que custar. Descan-saremos em outra hora.
Teve o cuidado específico de nunca manter uma conversa ou de escrever uma carta sem temperá-la com algum pensamento religioso, e fazia isto com tanta elegância e fineza que jamais alguém se sentiu aborrecido. Por isso, pode-se dizer que jamais alguém se aproximou dele sem se sentir melhor. A fé lhe ensinava que um sacerdote faltaria ao seu dever se fizesse de outra forma.
Estive várias vezes em sua companhia quando no navio dizia adeus aos seus missionários, e foi nesses preciosos instantes que pude ter a melhor prova da sua fé viva e do seu ardente zelo. A um ele dizia: Espero que você salve muitas almas. A outro sugeria ao ouvido: Você terá que sofrer muito, mas lembre-se de que o seu prêmio está no paraíso. A quem deveria assumir a direção de Paróquias, recomendava ter cuidados especial com as crianças, os pobres e os doentes.
A todos repetia: Não busquemos dinheiro, procuremos almas. A um sacerdote no dia da Primeira Missa desejava que fosse o mais fervoroso na fé e na devoção ao Santíssimo Sacramento. A outro inculcava que não fizesse uma pregação sem falar de Maria. E ele dava o exemplo dessas coisas.
Tendo entrado jovenzinho para o Oratório, recordo que desde os primeiros dias, ao ouvir o boa-noite no fim do dia, eu não pude deixar de dizer a mim mesmo: Como Dom Bosco deve amar Nossa Senhora!
E quem, entre os mais antigos, não observou com que sentimento, com que convicção nos falava das verdades eternas, e como era frequente que, falando especialmente dos novíssimos, se comovesse a ponto de embargar sua voz?
Nem podemos esquecer com que fé celebrava a Santa Missa e com que diligência realizava as cerimônias, a ponto de trazer sempre no bolso o
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livrinho das rubricas, precisamente para recordá-las de quando em quando.
Era também a sua fé que lhe fazia considerar a sua Congregação, as suas casas, como o efeito de uma especial proteção de Maria Santíssima Auxi-liadora, à qual professava a mais profunda gratidão. Foi ouvido exclamar:
Quantos prodígios Deus operou entre nós! Mas quantas maravilhas a mais ele teria realizado, se Dom Bosco tivesse tido mais fé; e dizendo isso, seus olhos marejavam de lágrimas! (MB VIII, 977).